Há 15 anos, o Racing perdia sua “mãe”
A mãe mais famosa do futebol argentino é a “dona Tota”, falecida em 2011 e pela qual Maradona veio ao mundo. Mas os racinguistas têm apreço mais especial pela “dona Tita”, como era conhecida Elena Margarita Mattiussi. Não é exagero afirmar que ela viveu no Racing: nasceu em 1919, filha de um casal que desde 1915 trabalhava entre os zeladores da instituição, César e Ida, que aparecem com ela na primeira foto abaixo.
Ao crescer, Tita passou a ser uma espécie de faz-tudo na pensão do clube. Morava nas instalações dele, acompanhada por gatos, cachorros, coelhos e até cavalos de estimação. E passou a acompanhar também os jogadores que chegavam. Bem-humorada, passou a ser vista como uma mãe adotiva, especialmente pelos mais jovens que vinham do interior para as categorias de base: lhes preparava comida, roupa e outros mimos, e também os aconselhava. Ontem falamos dos dez anos em que o rival Independiente perdeu sua alma, José Omar Pastoriza (leia aqui), certamente um dos muitos tratados por Tita, pois passara antes pelo Racing, vindo de Santa Fe. Ela gostava de dizer algo como “nunca tive namorado pois já estava casada com o Racing”. Assim foi por quase todo o século XX.
Os jogadores retribuíam: Federico Sacchi, grande ídolo da virada dos anos 50 para os 60, quando o Racing era o mais vitorioso clube do país, dizia que parte do sucesso devia-se à ela. Três outros membros do plantel nessa época, Juan José Pizzuti, Vladislao Cap e o técnico José Della Torre chegaram a oferecer um brinde a ela na televisão após o título de 1958. Os jogadores de 1967, quando La Academia virou o primeiro time argentino campeão mundial, fizeram questão de pagar à Tita as passagens e estadia para os jogos em Glasgow e em Montevidéu no Mundial Interclubes, contra o Celtic. “Para todos nós era como uma mãe”, explicou um deles, o veterano Humberto Maschio.
Na verdade, ela era um patrimônio de Avellaneda, em tempos mais sadios da rivalidade: há relatos de que também jogadores do Independiente atravessavam o quarteirão para confraternizar com os vizinhos e filar o café preparado por Tita. O próprio Pastoriza, que defendera o Racing (1964-65) antes de tornar-se símbolo do Rojo a partir de 1966, chegaria a ponto de lhe enviar cartas após transferir-se ao Monaco em 1973. Em 1972, Pastoriza já havia relatado à El Gráfico essa convivência generosa da servente também com os jogadores do “outro lado”.
Tita viu também o pior do Racing. Vivenciou o rebaixamento em 1983, o largo jejum nacional instalado a partir de 1966 e a quebra financeira que no início de 1999 acarretou até na frase “hoje o Racing deixou de existir”. A última manifestação de grandeza que pôde ver foi ironicamente proporcionada pela quebra: em 7 de março o clube deveria entrar em campo mas foi proibido pela justiça, o que não impediu que 30 mil torcedores confraternizassem no estádio racinguista, público maior que o da maioria dos jogos da rodada. Jogadores e comissão técnica viram pela televisão o que ocorria e foram se juntar também. Desde então, 7 de março é “o dia do torcedor do Racing”.
Ela faleceu em 3 de agosto, aos 80 anos – com o clube lhe devendo 15 mil dólares, algo repercutido até no Brasil, na revista Placar. No mês seguinte, foi inaugurado um prédio para as categorias de base que leva o nome dela. Abaixo, algumas das homenagens já publicadas hoje na internet e um vídeo com ela.
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