Último jogo de Maradona em Copas faz 20 anos hoje. E foi contra a Nigéria!
A coincidência é incrível. Argentina e Nigéria duelarão neste 25 de junho de 2014 em Porto Alegre. Há exatamente vinte anos, em outro 25 de junho, em 1994, as mesmas seleções se enfrentaram na Copa do Mundo, no que foi o último jogo de Maradona no torneio. E também o último oficial dele pela seleção – houve depois uma despedida em 2001 contra um combinado de craques, alguns já aposentados, vista como não-oficial. E, o que é menos lembrado, ali se teve os últimos gols de Caniggia pela Albiceleste.
Depois de perder a Copa de 1990, a Argentina se portou até 1993 como a melhor seleção do mundo. Passou mais de 30 jogos invicta, mais até que a celebrada Espanha recente. Não vencia a Copa América desde 1959 e faturou seguidamente as de 1991 e 1993, tornando-se isoladamente a maior campeã do torneio. Faturou ainda a primeira Copa das Confederações, em 1992, e em 1993 a Copa Artemio Franchi, antigo tira-teima do vencedor da Copa América e a Eurocopa. O detalhe: na maior parte do ciclo, sem Maradona e Caniggia, suspensos por doping positivo para cocaína. Diego, por 1 ano e meio em 1991. Cani, por um ano em 1993, só voltando a jogar às vésperas da Copa dos EUA.
Aquele ciclo se abalou no segundo semestre de 1993. A derrota para a grande Colômbia da época em Bogotá, a ruir a invencibilidade, era compreensível, mas não perder de 5-0 para ela em Buenos Aires semanas depois (falamos aqui) e por muito pouco não ficar de fora até da repescagem contra a Austrália. Maradona já havia voltado à seleção no início de 1993, mas não convencera o técnico Alfio Basile, que o deixaria de fora da Copa América. Campeão nela, Basile não o vinha usando depois nas eliminatórias. Mas um início promissor de Diego no Newell’s e a necessidade da repescagem fizeram o treinador buscá-lo contra a Austrália, batida sem muita dificuldade: veja.
Classificação assegurada, a Argentina fez mais sete jogos oficiais até a Copa, aceitáveis: 2-1 na então campeã Alemanha na neutra Miami, 0-2 para o Brasil fora de casa, 3-1 sobre o Marrocos em casa, 3-3 com o Chile fora, 0-1 para o Equador fora, 3-0 sobre Israel fora e 0-0 com a Croácia fora. Mas a passagem de Maradona pelo Newell’s desgringolava e, embora tida como troféu simbólico pelos torcedores do clube, terminou esportivamente em enorme fracasso no início de fevereiro de 1994. Um dia após a rescisão, Maradona ampliou as polêmicas quando repórteres de plantão na porta da sua casa foram alvejados com balas de ar. Relatamos neste outro Especial.
Por dois meses, houve a sensação de que ele não iria à Copa. Mas voltou à seleção em 20 de abril, no amistoso com o Marrocos, marcando gol. Ainda considerado oficialmente jogador do Newell’s, foi convocado, jogando todos os amistosos subsequentes. Na época, era mais fácil crer que o ritmo de título mundial a cada oito anos inaugurado em 1978 seria mantido, igualando-se ao tri de Brasil, Alemanha e Itália, e não que um criticado Brasil quebraria um jejum de 24 anos. Ainda mais com as duas primeiras exibições da Albiceleste na Copa. Na estreia, Batistuta, em sua estreia em Copas, fez três nos 4-0 na Grécia. Feito ofuscado porque Maradona marcou o outro, rugindo em célebre comemoração.
Os descendentes do Rei Leônidas sofreram o último gol de Diego pela Argentina, em 21 de junho, exatamente vinte anos antes de Maradona presenciar pessoalmente no Mineirão o “sucessor” Messi marcar no Irã o da vitória sobre os descendentes de Xerxes. Messi que, quando ainda era um mirim torcedor do Newell’s, deve ter comemorado em cheio seu aniversário de 7 anos: um dia depois, a Argentina virou o jogo com a Nigéria com dois de Caniggia, na única vez em que ele, mais um talismã do que um goleador, marcou dois pela seleção em um jogo. Seriam os últimos. El Pájaro jogaria mais seis vezes por ela até 2002, sem balançar de novo as redes.
Maradona, já supreendentemente magro no Newell’s, estava puro músculo e também brilhou. Deu o passe para o gol da vitória e criou outras chances, cobrindo cada espaço contra os africanos. Terminou aquela partida em Boston saindo de mãos dadas aos sorrisos com Sue Carpenter, sem suspeitar de nada de errado. E por quatro dias o mundo também não suspeitou. Carpenter na realidade não era enfermeira, apenas trabalhava em eventos esportivos. Haviam outras como ela para apanhar os jogadores sorteados e, após conversar descontraidamente com o médico argentino durante o jogo, ouviu dele o conselho de ir apanhar o já sorteado Maradona pois assim sairia nos próximos jornais.
O Jornal do Brasil de 26 de junho de 1994 destacava que “Diego Maradona está muito próximo de recuperar a forma que fez dele, um dia, o melhor jogador do mundo. (…) Maradona deixou seus atacantes pelo menos três vezes cara a cara com o goleiro Rufai. E pouco importou o fato deles não terem conseguido aproveitar (…). Dieguito ditou o ritmo, e ainda se deu ao luxo de ensaiar algumas firulas na área adversária. A Argentina, sem dúvida, está mais vida do que nunca”. No dia seguinte, a manchete de capa do mesmo jornal foi “Parreira prevê disputar a final com a Argentina”.
Na mesma edição de 27 de junho, o jornal destacou na nota “A alegria de Diego” que “por raros momentos Maradona fica sozinho festejando ali tranquilamente sua redenção no futebol”. Declarava sobre seu gol nos gregos que foi “importante para mim e para a equipe. Mas quando olhei para trás e vi Caniggia, Simeone, Redondo, Ruggeri, Islas, os reservas, o técnico, todos pulando, me emocionei muito. Há tempo não sentia isso. Depois dos anos, com tantos problemas, foi como voltar a viver”.
Na edição do dia 28 do JB, notas de títulos bem explicativos: “exaltação à Argentina” e “Bebeto e o medo de Maradona”, em que o atacante brasileiro disse sobre Diego: “é fogo”. No exemplar do dia 29, a notícia de um astro defenestrado da Copa. Mas tratava-se do temperamental Effenberg: “alemão faz gestos obscenos para sua torcida e não jogará mais nesta Copa”. O Brasil empatara com a Suécia e as críticas foram pesadas: “Vaias à seleção”, “Brasil cai na real” e “A difícil missão de aturar Raí” foram algumas das notas do jornal. A Argentina foi abordada na matéria “Argentinos pregam cautela”. Mas nada relacionado a qualquer resultado de exame e sim sobre o respeito que deviam à Bulgária.
Naquele dia, com o jornal já nas ruas, começou a circular que o antidoping poderia tirar Maradona da Copa. Bomba tão de última hora que, embora noticiada na edição do dia 30, na nota “Maradona de novo sob suspeita”, na própria página anterior havia a matéria “Dois recordes para Maradona – astro passa a ser o craque com mais partidas em Mundiais e se fizer gol será o argentino que mais marcou em Copas”.
Não foi exclusividade do veículo brasileiro. No espanhol Mundo Deportivo, por exemplo, ocorreu algo parecido na edição do dia 30: “Possível caso de doping na Copa do Mundo”, anunciava na página dois, que trazia suposições: de que “Maradona é centro dos rumores, pelo jogo contra a Nigéria”, que “a FIFA dará a conhecer nesta noite o nome do jogador implicado, quanto tenha a contraprova” e que “o medicamento ingerido seria Nastisol, um spray para frear os resfriados que contém efedrina”.
A mesma edição continha tranquilas trocas de afeto: “se eles têm que marcar, ao menos que sejam gols seus”, afirmou Stoichkov sobre El Diez. “Diego Maradona vibra com o jogo contra a Bulgária. Não é um rival mais, e sim o time de seu amigo Hristo Stoichkov”, relatou-se sobre o argentino. Em 1 de julho, o jornal espanhol já trazia a confirmação do escândalo e a consequente exclusão de Maradona da Copa, escolha feita pela AFA para que a seleção não terminasse punida. Mas vale lembrar que, em 1986, o espanhol Calderé também foi apanhado com efedrina e sua punição foi uma mera partida de suspensão, ao demonstrar-se que a culpa foi do médico da delegação da Furia.
Em 1994, chegou a culpar-se Ernesto Ugalde, médico da delegação argentina, por ter arranjado o tal Nastisol para o resfriado de Diego, que defendia cegamente Daniel Cerrini, o fisiculturista que ajudara a deixa-lo em forma. Maradona sempre jurou que era ignorante às substâncias que tomava: “Eu não me droguei. Qualquer um que tenha me visto treinar sabe que eu não precisava me drogar para correr como corri e para jogar como joguei”, declarou já na época. Os argentinos também indagaram se o doping não seria do outro alviceleste sorteado, o “descartável” lateral Vázquez.
Criaram-se teorias de conspiração de que a FIFA, temerosa de uma audiência fracassada na Copa, autorizara Maradona a se dopar para haver um superastro no torneio, mas ficou receosa com o desafeto estar “jogando bem até demais”. Fato é que sua ausência no dia 30 contra os búlgaros abalou terrivelmente a moral dos colegas. Como tudo pode ficar pior, Caniggia, que não jogaria por precaução aquela partida para não receber um segundo cartão amarelo (levara um contra a Nigéria) e assim perder as oitavas-de-final, machucou-se. Ortega entrou no seu lugar já aos 26 minutos.
A Bulgária venceu por 2-0. Após duas partidas insinuantes, a Argentina terminou em terceiro no seu grupo, nos critérios de desempate: a Nigéria, com a mesma pontuação, liderou por ter saldo melhor. Os búlgaros tinham o mesmo saldo e número de gols dos argentinos, mas ficaram na segunda colocação pelo confronto direto. A Albiceleste só não terminou eliminada ali porque aquela Copa, a última com 24 times, ainda classificava às oitavas-de-final os quatro melhores dos seis terceiros colocados.
Sem Maradona (e Caniggia), a Argentina teve sobrevida por mais três dias. Em 3 de julho, um jogaço contra a Romênia terminou em 3-2 para Hagi e colegas, pondo fim às pretensões hermanas nos EUA. Maradona acompanhou aos prantos nas arquibancadas. E metaforizou bem o que sentiu: “me cortaram as pernas”. Foi novamente suspenso por um ano e meio, período em que teve seus primeiros trabalhos de técnico, no Deportivo Mandiyú e no Racing. Terminada a punição, voltou a jogar, no seu Boca. Teve lampejos, mas já não foi o mesmo, não conseguindo títulos. Em 1997, sofreria com novo antidoping positivo. Pararia de jogar no mesmo ano. Relatamos as nuances (polêmicas, claro) neste Especial.
FICHA TÉCNICA – Argentina: Luis Islas, Néstor Sensini (Hernán Díaz 42/2º), Fernando Cáceres, Oscar Ruggeri e José Chamot, Diego Simeone, Fernando Redondo e Diego Maradona, Abel Balbo (Alejandro Mancuso 26/2º), Gabriel Batistuta e Claudio Caniggia. T: Alfio Basile. Nigéria: Peter Rufai, Augustine Eguavoen, Uche Ochechukwu, Chidi Nwanu e Michael Emenalo, Sunday Oliseh (Jay-Jay Okocha 41/2º), Samson Siasia (Mutiu Adepoju 12/2º), Daniel Amokachi e Finidi George, Rashidi Yekini e Emmanuel Amuneke. T: Clemens Westerhof. Árbitro: Bo Karlsson (SUE). Gols: Siasia (10/1º), Caniggia (22/1º e 29/1º).
*As referências ao Jornal do Brasil e ao Mundo Deportivo podem ser facilmente constatadas nos arquivos digitais de ambos. Clique aqui para acessar no Google News o arquivo daquela época do JB. E aqui para acessar a hemeroteca virtual do MD.
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