Platense e Temperley revivem hoje polêmica decisão de 1987
Dia de definição hoje na Primera B Metropolitana, a terceirona. O Nueva Chicago já a venceu, conforme mostramos aqui. O que se definirá é com quem fica a outra vaga, assim como também ocorrerá hoje na Primera B Nacional (a segundona). Na B Metro para baixo, ela não fica necessariamente com o segundo colocado: os quatro times abaixo do campeão vão para o chamado Torneo Reducido, um mata-mata com semifinais e finais. Temperley e Platense farão hoje o jogo da volta da final, com ares de tentativa de vingança por outro tira-teima, em 1987, quando lutaram para não cair da elite. Só esse tempero extra já condimentaria bem o jogo de hoje, às 21 horas em Temperley. Mas ainda houve muita polêmica há 27 anos.
Retratamos o campeonato de 1987 neste outro Especial, inclusive antecipando ali o que houve entre Temperley e Platense. Aquele torneio é marcado pelo último vencido pelo Rosario Central, em um raríssimo tipo de bicampeonato: os auriazuis acabavam de voltar à elite após vencerem a segundona anterior, algo nunca visto antes ou depois na era profissional argentina. Para completar, eles deixaram de vice justamente o arquirrival Newell’s Old Boys.
O jogo do título foi fora de casa contra o Temperley, nanico time da municipalidade de Lomas de Zamora, no sul da Grande Buenos Aires. Nem em Lomas de Zamora ele é o maior: lá há também o Banfield e seu antigo rival, o Los Andes. Ainda estava fresca na memória do clube celeste seu maior momento, o terceiro lugar nacional em 1983, após campanha em que se eliminou justamente o Platense nas oitavas-de-final e o Rosario Central nas quartas-de-final. Caiu na semi para o campeão Estudiantes.
Em 1987, Temperley e Central faria um jogo que prometia festa para ambos. O empate servia aos rosarinos e, desde que o Platense não vencesse o River em pleno Monumental, servia também ao adversário, que no início tratou de se garantir: abriu o placar. No segundo tempo, as informações via rádio eram de que o River vinha vencendo por 2-0. Daí o Central empatou num pênalti e ninguém fez muito mais no jogo em Temperley. Até que nos últimos instantes divulgou-se: na meia hora restante no outro jogo, o Platense simplesmente conseguira reverter e ganhar por 3-2.
O mais incrível é que os três gols vieram de um reserva que entrara pouco antes daquele período: Miguel Ángel Gambier, a realizar um hat trick no espaço de 25 minutos. Um sujeito que sequer pensara em se concentrar, após ser titular no campeonato inteiro e que ouvira do técnico Chamaco Rodríguez (que chegou a jogar no Grêmio nos anos 70) na prévia do jogo que ficaria no banco. “Alejandro Nannini me disse algo que me fez mudar de atitude: ‘se você não joga, o povo vai dizer que te amedrontaste no último jogo’. E aceitei ir ao banco”, já relatou Gambier anos depois.
Segundo ele, “tenho que confessar que entrei pensando que estávamos liquidados. Porque nem sequer nos disseram que o Rosario Central havia empatado (…). A primeira bola que toquei foi gol. Alfaro Moreno mandou um cruzamento desde a esquerda, saltei com Gutiérrez e de cabeça desviei a trave ao goleiro. Entrou justo no ângulo direito, acima. ‘Agora temos que empatar’, disse aos muchachos. Para que o povo veja que pelo menos tentamos”.
A reviravolta foi tamanha que muitos pensam que o River se entregou para uma pequena vingança com o nanico Platense, que havia pedido no tapetão os pontos que haviam perdido para o Millo no dia em que o riverplatense Centurión foi pego no antidoping. Fato é que pouco depois Américo Gallego pôs a mão na bola na grande área e o juiz Abel Gnecco assinalou pênalti aos visitantes.
“Tampouco ia chutar o pênalti. Ocorre que antes o encarregado era eu, mas desde que estava Rodríguez os chutava Nannini. Alejandro tinha uma cãibra e não podia, então disse que me deixasse, eu estava descansado e com a mente fresca. Me deixou e toquei à ponta esquerda, mais colocado do que forte. Entrou e empatamos. Era nossa, aí sim tínhamos que ir com tudo buscar o triunfo”.
“Um segundo antes do terceiro havia cabeceado e peguei na trave. Mas nesta o cruzamento de Gerardo González me caiu perfeito e meti um direitaço com tudo. Era 3-2. Senti uma emoção forte, mas não sabíamos nada como ia o Temperley. Segundos depois terminou o jogo e desde o banco vieram correndo nos abraçar. Aí nos inteiramos que havíamos alcançado o desempate. Não sei o que senti nesse momento! Algo muito profundo, há que vivê-lo para dar-se conta porque foi como um milagre, que nos salvássemos e que tocasse a mim fazer os três gols depois de tudo o que havia se passado. (…) Com o Chamaco não houve nenhum problema depois. Inclusive me felicitou, me disse que era uma fera, que arrebentei”.
Alejandro Alfaro Moreno, outro calamar em 1987 e que anos depois foi protagonista no título argentino de 1989 do Independiente (que retratamos aqui), quase indo à Copa do Mundo de 1990, disse que “foi uma das emoções mais grandes da minha carreira. Quem sabe onde teria ido parar se caíssemos. (…) Tinha pensado parar de jogar e não atender ninguém. Foi um verdadeiro milagre, por mais que muitos suspeitassem que o River nos entregou os pontos”.
O empate do Temperley e a inesperada vitória do Platense deixou seus promedios empatados. Como na Argentina não há critérios de desempate para definir campeões e rebaixados e sim um jogo extra em campo neutro (eis um raro acerto da AFA), eles fariam uma partida desempate no estádio do Huracán. Notícia que bastou para que o técnico do Temperley, Roberto Motta, precisasse de atendimento médico ao fim do jogo que prometia festa mútua com o Rosario Central. Provavelmente golpeados no ânimo, os do Temperley não foram páreos naquela partida que anteontem fez 27 anos, em 6 de junho de 1987, quatro dias depois daquela rodada final.
Impressão visível desde os 2 minutos, quando o Platense passou a jogar com um a mais, após a expulsão de Jorge Cabrera. Gambier, que já havia feito gol neles no primeiro turno, voltou a marcar. Alfaro Moreno fez o outro na vitória por 2-0 e até hoje o Temperley não voltou à elite. O Platense seguiu nela até 1999, chegando a armar nesse período bons elencos que lutaram pela taça e até revelando o astro David Trezeguet. Mas hoje são lembrados mais pelo francês (que jogou pouquíssimo: falamos aqui. O técnico que o lançou lá, Ricardo Rezza, comandará hoje justamente o Temperley) e por serem um dos raros clubes que usa a cor marrom.
O jogo de ida foi na quinta-feira na cidade de Vicente López, território do Tense, que venceu por 1-0. Conseguirá o Temperley reverter a desvantagem e se lambuzar em um prato há muito tempo frio dessa vingança?