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50 anos do maior título da seleção antes da Copa 78. Foi no Brasil

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Onega abre o placar nos 3-0 contra o Brasil

A menos de uma semana da Copa 2014, a maior conquista da seleção argentina até o da Copa 1978 completa meio século. E foi no Brasil! Que, com Pelé e demais astros, levou de 3-0 em casa pela Copa das Nações em jogo em que um Rei sem classe quebrou o nariz de um oponente, substituído justamente pelo autor de dois dos gols. Tudo em um torneio que celebrava os cinquenta anos da CBD e que acabou redentor para aquele que é considerado o maior goleiro que o país já teve, que até pênalti de Gérson pegou no jogo. Bons presságios para Messi & companhia no mundial?

Em 1964, o futebol argentino atravessava certa crise. A geração dourada dos anos 40, que venceu quatro das cinco Copas Américas (três, seguidas, um recorde até hoje) que disputou, já passara e bem antes disso diversos expoentes, insatisfeitos com uma greve não atendida, rumaram nos anos 50 ao Eldorado Colombiano. Temeroso em ver um vexame sem eles, o próprio presidente Perón teria ordenado que a Albiceleste nem das eliminatórias às Copas 1950 e 1954 participasse. Quando os hermanos enfim voltaram às Copas, cheios de si, foram eliminados na primeira fase nas de 1958 e 1962.

O peso dessas eliminações foi grande, especialmente a de 1958, decretada com um 6-1 para a Tchecoslováquia (veja aqui), até hoje a derrota mais elástica que os argentinos já sofreram. Há quem diga que o futebol de regulamento e resultados difundido pelo mal afamado Estudiantes do fim dos anos 60 (cujo antijogo, vale esclarecer, era mais de malícia do que por violência, conforme explicamos aqui, aqui e aqui) tenha uma de suas origens nessas decepções. Em baixa, a Argentina só participou da Copa das Nações porque a opção original, a Inglaterra, declinou o convite. Houve oposição na AFA, mas a entidade aceitou em troca de promessa de voto brasileiro para a Argentina sediar a Copa 1970.

Já o Brasil, que até os anos 40 era só a terceira força sul-americana, atrás de Argentina e Uruguai, vinha dando seu salto para se firmar como a maior potência mundial no futebol. Enquanto os argentinos caíam cedo em 1958 e 1962, os brasileiros, outrora fregueses da Albiceleste, venciam com autoridade estas Copas. Já as taças da Argentina se resumiam aos logros continentais. Mundialmente, o mais perto foram os vices de 1928 e 1930 para o Uruguai, nas Olimpíadas e na primeira Copa. Assim, a chamada Copa das Nações funcionou como a maior conquista hermana até o triunfo de 1978.

A competição foi curta, reunindo em turno único Brasil, Argentina, Inglaterra e Portugal. E tudo começou com a sensação de que os bicampeões do mundo venceriam facilmente o torneio. Os bicampeões Gilmar, Pelé e Vavá estavam reforçados por Julinho Botelho e futuros campeões em 1970, como Carlos Alberto, Brito e Gérson. Abriram a Copa das Nações impondo no Maracanã um 5-1 em uma Inglaterra que tinha Bobby Moore, Jimmy Greaves e Bobby Charlton, em 30 de maio.

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Rattín, Varacka, Carrizo, Vieitez, Ramos Delgado e Simeone; Onega, Rendo, Prospitti, Rojas e Mesiano, os onze iniciais contra o Brasil

Um dia depois, por 2-0 com gols de Alberto Rendo e Alfredo Rojas, a Argentina no Maracanã venceu Portugal, recheado do melhor Benfica da história, bi europeu seguido em 1961 e 1962 (e sobre Barcelona e Real Madrid) e que faria história na Copa 1966. Mas o favoritismo brasileiro continuava amplo para o clássico, em 3 de junho, no Pacaembu. E a Argentina jogaria sem o matador Luis Artime (ex-Palmeiras e Fluminense. Falamos dele aqui), artilheiro do campeonatos argentinos de 1962 e 1963 mas que lesionou o joelho contra os portugueses. Na bilheteria, 53 milhões de cruzeiros, “recorde absoluto para rendas em São Paulo em todos os tempos”, apontou o Jornal do Brasil.

Mesmo assim, os organizadores saíram com prejuízo após o resultado. Segundo o JB, seriam necessários mais duzentos milhões entre os três jogos que restavam para impedir isso. Mas o interesse do público decaiu rapidamente, pois um empate contra a Inglaterra bastaria aos argentinos após o completo baile no Brasil. Respeitando o poderio de Pelé, os argentinos trataram de lhe interceptar no esquema do técnico José María Minella (treinador do grande River dos anos 40, apelidado de La Máquina). Especialmente o garoto José El Chino Mesiano, que lhe fez marcação pessoal.

Entrando para jogar recuada, os gols da Albiceleste vieram justamente no contra-ataque das bolas que sua defesa, em grande noite, rechaçava. Carmelo Simeone (sem parentesco com o técnico do Atlético de Madrid, que herdou de Carmelo o apelido de Cholo), José Ramos Delgado (depois ídolo no próprio Santos de Pelé) e José Varacka sequer saíam para se antecipar na marcação, esperando os ataques brasileiros para levar vantagem nas bolas altas e nas rebatidas. Já Abel Vieitez, ainda que com mais garra do que técnica colou em um veterano Julinho já sem o fôlego de outrora.

No meio, Antonio Rattín, originalmente um armador, se concentrou em também marcar Pelé. Quem passou a organizar as jogadas pelo meio foi Alberto Rendo, considerado pelo Jornal do Brasil o melhor em campo. Rendo é um dos dois únicos que jogaram pela Argentina vindos tanto do San Lorenzo como do rival Huracán, seu clube na época. Além de criar as jogadas mais perigosas, quase marcou um gol, com Carlos Alberto salvando em cima da linha ao fim do primeiro tempo.

Na frente, quem funcionava era o tanque Alfredo Rojas, sempre ganhando os duelos com Brito, e o cruzador Pedro Prospitti, pois Ermindo Onega foi bem marcado por Rildo. Mas foi justo de Onega o primeiro gol, exatamente ao se deslocar da área de Rildo e ir para o meio, onde estava Brito. No lance, o vascaíno falhou e Onega recebeu livre bola lhe elevada por Prospitti, aos 37 minutos do primeiro tempo. A foto do seu gol é uma das mais icônicas da seleção.

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Mesiano com o nariz fraturado. O talismã Telch. E Rattín subindo com Pelé

O gol veio dez minutos após a grande confusão da partida. Pelé, que se disse “caçado” por pontapés de Mesiano (vale acrescentar que o Jornal do Brasil não fez menções nesse aspecto, apenas dizendo que a grande estrela brasileira foi mesmo bem marcada) embora o próprio santista tenha declarado ao JB que “não sabia mesmo, na hora do fato, qual jogador que havia atingido”, acertou-lhe uma cabeçada. Pelé assegurou que não chegou a ter a intenção de quebrar o nariz de Mesiano (vale dizer também que dias depois se encaminhou ao hotel argentino para pedir desculpas), que, nas palavras do JB, deixou o campo com fratura exposta. No lugar de Mesiano, entrou Roberto Telch.

O juiz não vira o lance, mas incrivelmente Pelé nem amarelo levou. Rattín passou a colar nele, que pediu-lhe para não ser marcado sem bola. “Não te preocupes: sem bola, nada, mas com bola te arrebento”, foi a resposta. Ainda segundo o JB, no segundo tempo “a tranquilidade dos argentinos, rolando a bola de pé em pé, evitando os lançamentos longos, mantendo sua defesa trancada e reforçando sempre o meio campo, foi um contraste com o futebol primário apresentado pelos brasileiros (…). De um lado, os argentinos jogavam com cautela, rápido, contra-atacando com inteligência; do outro, os brasileiros continuavam sem meio campo, projetaram-se com Carlos Alberto pela direita e Rinaldo pela esquerda, amontoavam-se com Vavá e Julinho pelo meio – Pelé foi anulado por Rattín – e insistiam, sempre sem sucesso, nos passes altos e nas jogadas individuais”.

Aos 17 minutos da segunda etapa, Brito saiu mal. Rojas entrou livre por ali e chutou cara-a-cara com Gilmar, que espalmou. O reserva Telch, que estreava ali pela Argentina e comia um hot dog quando Minella o chamou para entrar, acompanhava a jogada e aproveitou o rebote. Apelidado de “Ovelha” pelos cabelos cacheados, era um dos Carasucias do San Lorenzo, elenco jovem e irreverente que os azulgranas tinham na época nos quais se incluíam o maior ídolo do clube, Héctor Veira (artilheiro do campeonato argentino daquele 1964), e Narciso Doval, ídolo de Flamengo e Fluminense.

Mas foi Telch quem mais teve êxito no clube e na seleção. Está entre os cinco profissionais mais vezes campeões pelo San Lorenzo (quatro vezes, como Sergio Villar, Victorio Cocco, Agustín Irusta e Leandro Romagnoli) e foi o único dos cinco Carasucias – os outros foram Fernando Areán e Victorio Casa, que integrou sem jogar a seleção na Copa das Nações e cuja morte completa um ano hoje – que chegou a disputar uma Copa, em 1974. E seria dele também o terceiro gol, já no finzinho. Àquela altura, o jogo dado era como perdido para os brasileiros desde os 23. Foi quando Pelé caiu na área após lance com Rattín e o árbitro, com algum protestou dos argentinos, assinalou pênalti.

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Lances do jogo contra a Inglaterra. Abaixo à esquerda, o gol impedido de Rojas

O goleiro argentino era Amadeo Carrizo, um dos últimos remanescentes da geração dourada dos anos 40. Ele, que se lesionou no treino prévio, a princípio nem jogaria. Já tinha 38 anos e o enorme sucesso que tinha no River não se reproduziu na seleção: foi quem sofreu os seis gols tchecoslovacos em 1958, saindo da Suécia como um dos mais criticados. O trauma lhe fez recusar várias convocações, só defendendo vinte vezes a Argentina e não indo às Copas 1962 e 1966, nas quais a seleção chamou seus reservas no River (respectivamente Rogelio Domínguez e Hugo Gatti). Sua pequena vingança veio naquele pênalti, espalmando o chute de Gérson para a trave, com Simeone tratando de afastar o rebote.

No time do Brasil, não se pode dizer que tivesse havido alguém com uma boa atuação, uma vez que o próprio Pelé, embora muito marcado – e bem marcado -, não esteve numa noite inspirada. De resto, é mais fácil destacar a ruindade do que boas atuações, e nela Dias e Gérson ganharam”, concluiu o JB. Os números finais vieram aos 44 do segundo tempo. Onega passou a Rojas e este deu um toque para a direita não interceptado por Brito. Telch completou com chute forte e cruzado. Embora jogasse pela Argentina até 1974, aqueles dois gols foram os seus únicos pela seleção.

Assim relatou a revista El Gráfico: “ninguém vai ao chuveiro. Há que permanecer nessa gritaria infernal, há que seguir chorando, atirando-se no solo, chafurdando-se como doidos. Ramos Delgado está chão como um epilético. Ri e chora sem sentido. Ali do lado o imita Rojas. E todos caem em cima deles. Chafurdando-se sem poder se conter”. Menos Mesiano, claro: ele havia desmaiado e, ao acordar, teve que observar os festejos no vestiário deitado em uma maca, sem poder se mexer.

De volta ao Maracanã, há 50 anos a Argentina garantiu a taça com um 1-0, gol de um impedido Rojas aos 29 do segundo tempo. Novamente usando referências do Jornal do Brasil, “não se diga porém que foi a sorte de um gol em impedimento que deu a vitória aos argentinos. (…) A verdade é que os argentinos realmente exibiram um futebol muito superior, enquanto os ingleses, ainda que dominadores do jogo, territorialmente, perdiam lances primários, alguns quase ridículos”. Sem levar um só gol, a campeã “reabilitava o futebol argentino diante do mundo”, nas palavras do presidente da AFA, Raúl Colombo. Foi o último jogo de Carrizo pela Argentina. Até hoje ele é o segundo mais velho a defendê-la, só superado pelo ex-colega Labruna, que com 39 anos jogara aquela desastrosa Copa 1958.

Os seguintes jogadores foram campeões há cinquenta anos. Em destaque, os que jogaram no dia 6 de junho: Amadeo Carrizo (River) e Ediberto Righi (Banfield) de goleiros; José Ramos Delgado (River), Rubén Magdalena (Boca), Miguel Vidal (Huracán), Abel Vieitez (Argentinos Jrs), Carmelo Simeone (Boca) e Adolfo Vázquez (Banfield) de zagueiros; José Varacka (River), Antonio Rattín (Boca), José Mesiano (Argentinos Jrs), Roberto Telch (San Lorenzo) e Alberto Rendo (Huracán) de meias; Mario Chaldú (Banfield, substituiu Prospitti), Ermindo Onega (River), Enrique Fernández (River), Luis Artime (River), Alfredo Rojas (Gimnasia LP), Pedro Prospitti (Independiente), Daniel Willington (Vélez), Adolfo Bielli (Estudiantes) e Victorio Casa (San Lorenzo) de atacantes.

httpv://www.youtube.com/watch?v=Ers0ON0q4h0

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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