20 anos sem o único ídolo comum de Boca e River. Conheça-o
Boca e River se pegam hoje às 22h30 em amistoso no mítico Estádio Azteca, no México (*). Doze jogadores já defenderam a seleção vindos de ambos, em tese um bom parâmetro para avaliar quem se desempenhou bem nos dois. Listamos todos nessa outra matéria. Mas a maioria terminou ídolo em só um da dupla, ou então deixou de ser por conta da troca. Isso quando não deixou saudades em nenhum. Ídolo, mesmo, só um parece ter conseguido, mesmo não estando entre estes doze: Norberto Menéndez, que jogou em meados dos anos 50 e 60. É o único três vezes campeão nacional por cada.
Beto Menéndez foi produto da base do River e por ele estreou profissionalmente ainda com 17 anos, justo em um Superclásico, e na Bombonera, em 1954. O River já não tinha La Máquina dos anos 40, mas alguns expoentes dela, como Ángel Labruna (falamos dele aqui) e Félix Loustau (aqui), remanesciam em La Maquinita, o belo elenco que ganhou cinco de seis campeonatos entre 1952-57. Mas, para aquele dérbi, Labruna esteve de fora pois seu pai acabara de falecer, enquanto o goleador uruguaio Walter Gómez, machucado. Sinais verdes para Menéndez e outro novato, Omar Sívori.
O técnico José María Minella usou os garotos por sugestão de Renato Cesarini, ex-técnico de La Máquina dos anos 40 e que treinava a base. “Em quinze minutos, El Tano Cesarini, que dirigia a prática, me fez sair, e pensei que aí se terminava tudo. Fui me vestir xingando baixo (…). Já estava para ir-me quando apareceu um senhor e me disse: ‘vamos, garoto, tens que assinar agora mesmo’. (…) Desde esse dia, respeitei até a morte Don Renato. (…) Ele te ensinava com palavras e paciência. Eu era tão inútil com a canhota que, quando queria usa-la, caía sentado”, contou sobre sua chegada.
O Boca seria o campeão, mas o River teve o gostinho de vencer os dois Superclásicos: aquele, por 1-0, e outro por 3-0 no Monumental lembrado como o dérbi em que o lendário goleiro Amadeo Carrizo driblou três vezes o atacante boquense José Borello. Lembrado também pelo lado provocador, Menéndez o demonstrou já na estreia, reagindo ao marcador Juan El Comisario Colman “dizendo-lhes algumas coisinhas que tinham a ver com seu bairro em Rosario. Ficou louco e nos divertíamos”. Esteve em campo em metade das campanhas vitoriosas de 1955 e 1956 e ganhou de vez a posição após a saída de Walter Gómez em 1956. “Gómez às vezes se fazia de lesionado para que eu pudesse entrar”, revelou.
Contra o Boca, o atacante deixou cinco gols oficiais, em quatro dérbis entre 1957-58 e outro em 1960, e mais dois outros em amistosos de 1955 e 1958. Na época, só o Racing tinha o gosto de ter sido tri seguido no país. O River igualou-o em 1957, mesmo vendendo Sívori à Juventus antes. Sem o amigo, Menéndez foi vice-artilheiro do campeão de 1957, com 14 gols. O bom momento o levou à seleção principal naquele ano; antes, já havia ganho a medalha de ouro nos Pan-Americanos de 1955. Menéndez fez três gols em quatro jogos nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1958.
Na Suécia, ele fez um nos 3-1 na Irlanda do Norte após derrota até compreendida para a detentora do título, a Alemanha Ocidental, na estreia. Só que no último jogo do grupo, os argentinos, que se achavam candidatos à taça depois de 24 anos ausentes de mundiais (cometeram o equívoco histórico de não participarem das eliminatórias de 1938, 1950 e 1954), levaram de 6-1 da Tchecoslováquia. Essa é até hoje a derrota mais elástica da Albiceleste, eliminada na primeira fase: veja aqui.
Menéndez foi o centroavante titular do “desastre da Suécia” e polêmizou ainda antes da competição: levou multa ao ficar um dia trancado no quarto dormindo enquanto ocorriam treinos. Mas ainda jogou mais quatro vezes pela Argentina até 1960. Base do fracasso, o River teve muitos outros jogadores afetados pelas críticas e não saiu de um 5º lugar em 1958 e 1959. Após ser vice em 1960, Beto foi vendido ao Huracán. Foi um trauma: saiu com pecha de indisciplinado e a própria Revista River reforçou isso ao publicar que ele era o mais bem pago – e o mais suspenso – do plantel.
1961 foi o ano em que os principais clubes importavam jogadores em prol do “futebol espetáculo”. Os brasileiros, em alta com o título mundial de 1958, encheram Boca e River. A reação do Huracán, mais modesto, foi contratar no mercado interno ele e outro jogador de seleção, o zagueiro Vladislao Cap, além de peças boas e baratas. Mas o Globo não engrenou. A estreia foi no clássico com o San Lorenzo, perdido por 5-2. O time do bairro de Parque Patricios ficou a 22 pontos do campeão Racing.
O boêmio e fanfarrão Menéndez teve sua melhor média de gols na Quema, exatamente meio por jogo (8 em 16), mas não se entendeu com o disciplinador técnico Pepe Peña e um ano depois rumou ao Boca – há quem diga que sua ida ao Huracán foi justamente para disfarçar uma suposta transferência direta desde o River para o maior rival. “Quando ganhávamos com o River, festejávamos de smoking. Mas com o Boca… com o Boca! Íamos de pullover a uma cantina, com os dirigentes, e nos mesclávamos com o povo. Eu, de garoto, andava com a calça remendada, e por isso me identifiquei tanto com o Boca”.
No Boca, jogou mais recuado para municiar o goleador brasileiro Paulo Valentim. O clube vivia seca desde aquele título de 1954. Quebrada justo em um Superclásico dos mais recordados, com Valentim marcando o gol da vitória e outro brasileiro, Delém, desperdiçando um pênalti para o River no final – falamos a respeito neste outro especial. O Boca se especializou mesmo em amargar o River naqueles anos. Em 1963, já sem chances de título nacional após ter priorizado a Libertadores (onde foi vice do Santos), venceu-o no Monumental na reta final e a taça ficou com o Independiente.
Já em 1964 e em 1965, dessa vez brigando pelo título, dois novos Superclásicos na reta final favoreceram os auriazuis. Menéndez marcou só dois gols pelo Boca no dérbi. Mas foi justo nos dois encontros em questão, ambos lembrados pelo Book of the Xentenary, o livro oficial do centenário boquense, em um Top 10 de triunfos xeneizes sobre o River. No de 1964, os rivais se pegaram na penúltima rodada. O Boca já concorria só com o Independiente e um empate garantia-lhe o título. O goleador millonario Luis Artime abriu cedo o placar para os visitantes, aos 11 minutos de jogo.
Beto empatou em meados do segundo tempo, justamente com um chute de fora da área com a perna esquerda que tanto lhe era ruim nas categorias de base do River, que agora presenciava nova volta olímpica do Boca. Em 1965, foi ainda mais dramático. O Boca começou mal o campeonato e na metade o River tinha 4 pontos de vantagem, em anos onde a vitória valia 2. O rival vivia jejum desde o título de 1957, com Menéndez ainda no Millo. Mal saberia que a seca demoraria mais dez anos, até 1975.
Na antepenúltima rodada, o River visitou a Bombonera com 1 ponto de vantagem na liderança e abriu o placar, de novo com Artime no início. No segundo tempo, Oscar Pianetti desferiu bomba que deixou o veteraníssimo Carrizo imóvel e empatou. A três minutos do fim, o 1-1 parecia definitivo, quando Menéndez apareceu para fazer a plateia exclamar “Renato, Renato, lhe roubamos o campeonato”, referindo-se exatamente a Renato Cesarini, que voltara a treinar o time principal do River.
O River venceu os dois jogos que restavam, mas o Boca também. Menéndez não furtou-se de zombar o quarentão Carrizo, jamais perdoado pela torcida boquense desde os dribles em Borello e com quem Beto teria diferenças pessoais: “agarre-a, seu velho, viste onde a pus?”. No ano anterior, pela Copa Jorge Newbery, já havia provocado outro goleiro do Millo, o jovem Hugo Gatti, que estreava no clube (curiosamente, depois seria o maior goleiro do próprio Boca. Foi um dos tais doze do primeiro parágrafo): “palhaço, hoje te faremos quatro”. E o Boca realmente ganharia por 4-0…
Em 1966 e em 1967, o time perdeu gás e ficou longe das cabeças. Menéndez saiu do Boca em 1968, com um trauma pior. Em 1967, bateu o carro a 120 km por hora em uma árvore, um acidente que matou os dois amigos que o acompanhavam. Deprimido, foi também penalmente condenado a dois anos em regime semiaberto e resolveu parar de jogar. Dessa ideia foi demovido temporariamente, defendendo ainda o Colón e o uruguaio Defensor em alguns jogos. Nos anos 70, após não colher sucesso ao abrir um supermercado, passou a se manter com uma empresa de entregas ao interior.
El Beto, “de toque certeiro e sutil, que sabia atrasar sua posição no campo e era tão capaz de iniciar uma manobra ofensiva como para defini-la”, nas palavras de seu perfil no livro Quién es Quién en la Selección Argentina, passou pelos rivais também após parar de jogar: trabalhou nas categorias inferiores do Boca em La Candela e foi assistente do amigo Sívori quando este foi treinar o River em 1974. Foi o único vira-casaca presente em ambas as edições especiais para cada um lançadas em 2010 pela El Gráfico (a principal revista argentina esportiva), nas quais a revista elegeu os cem maiores ídolos da dupla. Ela também o retratou na inauguração da seção Jugadorazos, na edição de julho de 2012.
Menéndez também foi assistente de Nito Veiga no Colón, Argentinos Jrs, Gimnasia LP, Independiente e seleção boliviana e treinou o Tigre. Sua morte, após um pesado câncer na garganta, completou vinte anos na última segunda-feira. Foi em 26 de maio de 1994, no bairro de Barracas, onde sempre vivera.
(*) Será o quinto Superclásico no exterior. Até o momento, houve duas vitórias a cada lado: 5-2 para o Boca em 1955, 2-0 para o River em 1978, 2-0 para o Boca em 1984 e 2-1 para o River em 2002. Os três primeiros foram em Montevidéu-URU e o quarto, em Miami-EUA.
Pingback: Didi e o River Plate: uma real história de legado
Pingback: No dia da Amizade, a história mais duradoura na Argentina: os Carlos Bilardo e Pachamé