Há 45 anos, o Estudiantes festejava sua 2ª Libertadores
Há quatro décadas e meia, após a noite de 21 de maio de 1969, metade de La Plata comemorava a primeira e única vez em que um time venceu a Libertadores com 100% de aproveitamento. O antijogo daquele Estudiantes, como relatamos sobre seu título na Libertadores anterior, estava mais para jogar com o regulamento do que com violência: leia aqui. Já havia sido campeão intercontinental sobre o Manchester United em Old Trafford, inclusive com mais falta de fair play dos britânicos do que o contrário: veja. E se mostrou bem vitorioso pela segunda vez seguida nas Américas.
Como todo torneio mata-mata, a Libertadores prima por resultados antes de um futebol vistoso, qualidade além do que poderia aquele plantel repleto de jogadores somente aplicados (o único craque era Juan Ramón Verón, pai de Juan Sebastián). Mas que eram muito bem aplicados com as ideias do técnico Osvaldo Zubeldía, de predicados semelhantes ao de um Muricy Ramalho e que entendeu esse espírito, fazendo do Pincha um time mais campeão do que muitos que jogavam mais bonito. Tem mais Libertadores que qualquer time brasileiro. Zubeldía recebeu na época até oferta do Barcelona.
A falta de mais talento com a bola obrigava o Estudiantes, clube de apelo restrito a La Plata, a usar o que estava a seu alcance para vencer ao invés de se contentar com alguma campanhazinha honrosa. Nisso entravam raça, jogadas muito ensaiadas de bola parada, oportunismo nos erros oponentes, marcação e irritante (para os adversários) uso contínuo da linha de impedimento (em época em que o off-side só costumava dar-se de forma espontânea e não calculada), bem antes dos holandeses disseminarem-na pelo mundo na Copa de 1974. Holandeses, aliás, que os enfrentaram a equipe de La Plata na Copa Intercontinental de 1970, jogada contra o Feyenoord.
Se jogar retrancado na casa adversária para só apostar em contra-ataques é para muitos outro integrante do antijogo, isso não esteve na receita daquele Pincha bem armado de Zubeldía na estreia em Santiago, já pelas semifinais por ser o detentor do título: ganhou de 3-1 contra a Universidad Católica lá. Isso em um jogo em que o elenco alvirrubro recebeu até cornetadas da principal revista esportiva argentina, a El Gráfico, por ainda estar sem ritmo total de jogo e por não se preocupar em guardar o resultado após ter feito 3-1, continuando no ataque e deixando sua defesa desprotegida!
O treinador vencido, o argentino José Pérez (a Católica tinha outros do futebol hermano: o brasileiro Delém, Sarnari e Isella), reconheceu: “Nos faltou sorte, mas deve-se ajudar a sorte. E o Estudiantes a ajuda. As tribunas não gostam do seu jogo, mas dentro de campo é um rival duríssimo por sua força, sua continuidade, sua persistência… Ademais, (…) sabe trabalhar as partidas e conseguir resultados. E quando o placar diz Estudiantes 3, Universidad Católica 1, já não fica nada para discutir”.
Houve boa dose de sorte mesmo. Os dois primeiros gols vieram de rebatidas da defesa que entraram nas próprias redes após resvalarem em alvirrubros – mas que não resvalariam se estes não aparecessem de forma oportuna em busca do gol. No primeiro, logo aos 6 minutos, Pachamé cruzou a Conigliaro, o chileno Laube tentou afastar, mas seu rechaço fez a bola encontrar a cabeça de um Conigliaro já em aterrisagem. No segundo, foi Conigliaro quem cruzou. O goleiro foi espalmar, mas seu punho fez a bola pegar em Rudzký (tchecoslovaco que ocupara a vaga do lesionado Juan Echecopar) e ir ao gol, em momento psicologicamente apropriado, logo após o time da casa ter empatado de pênalti.
O terceiro foi aquela típica jogada bem ensaiada de um gol de cabeças (alô Muricy Trabalho!). “Uma perfeita repetição da jogada de laboratório que todos conhecem mas que ninguém acerta em controlar”, nas palavras da El Gráfico: em escanteio, Conigliaro pôs a bola naquele ponto da pequena área entre a trave e a bandeira de escanteio. Verón, de frente para ele, saltou para repassar de cabeça a bola para Togneri, atrás, testá-la para baixo no canto.
A hostilidade tão pregada à imagem dos argentinos foi é praticada por alguns chilenos, a arremessarem garrafas no árbitro por três impedimentos corretos. Na volta, em La Plata, nova vitória por 3-1, dessa vez mais fulminante. Todo o placar veio ainda no primeiro tempo, e de forma parecida: Estudiantes 1-0, Católica 1-1, Estudiantes 2-1 um minuto após o empate e depois Togneri ampliou. Seria 4-1 se um gol de Bilardo não fosse anulado por conta do impedimento de Rudzký, mesmo com este não tocando na bola.
No segundo tempo, o Pincha só descansou, sob os olhares de alguns jogadores do próximo oponente presentes no estádio: Cubilla, Prieto, Álvarez, Techera e o brasileiro Célio, homens do Nacional de Montevidéu. O Tricolor ainda não havia vencido a Libertadores e já batera na trave nas finais de 1964 e 1967, ambas perdidas para argentinos (Independiente e Racing). O arquirrival Peñarol já tinha três e foi superado após três Superclásicos uruguaios na semifinal.
O Estudiantes se plantou mais cauteloso no Centenário. Não pela atmosfera da torcida: “isso eu descarto. (…) Pior clima que o encontrado em Manchester não se pode dar em nenhuma parte do mundo”, disse Zubeldía em referência aos britânicos que impediram os alvirrubros de completarem a volta olímpica em Old Trafford. E sim por estar ciente da força e desejos extras do Nacional, que tinha ainda os brasileiros Manga no gol e Zezé Moreira como técnico e nada menos que nove titulares da seleção uruguaia que um ano depois seria semifinalista na Copa do Mundo de 1970.
Os platenses souberam jogar mental e animicamente essa final, resistindo ao ímpeto uruguaio (o goleiro pincharrata Poletti foi a grande figura para esfriar o jogo), e vencê-la na única chance que tentou, tanto que Zubeldía reconheceu que esperava só empatar. Foi a primeira vitória argentina em final de Libertadores contra um uruguaio em Montevidéu – os mais talentosos Independiente e Racing saíram de lá só com empates (1964 e 1967) ou perdendo (1965).
O gol veio de “uma jogada que começamos a ensaiar há cinco anos”, disse seu autor, Flores. Foi numa malandra cobrança de falta em que Bilardo se posicionou na barreira adversária só para distrai-la mesmo que com isso ficasse sendo empurrado por ela, enquanto outros alvirrubros ameaçavam chutar a bola, mas não a tocavam. Angustiada com os chutes que os argentinos abortavam e com a irritante presença de Bilardo, a barreira se abriu, momento em que Flores desferiu um canhotaço longe para Manga, posicionado no lado oposto ao da barreira que havia ordenado, alcançar.
A confiança pelo título foi tamanha que o Estudiantes, ainda com imagem de time médio na Argentina, estampou a capa da El Gráfico (normalmente destinada a Boca, River, Independiente, Racing ou San Lorenzo, “os cinco grandes”, ou à seleção) após a vitória no Centenário no jogo de ida, e não no da volta, que retratou jogadores do Racing. Na Argentina, o roteiro do jogo da volta foi similar com o da semifinal. Um primeiro tempo fulminante, dessa vez com 2-0, garantiu a única volta olímpica que o Estudiantes pôde fazer em La Plata por um título internacional – a dos seus outros foram fora.
No segundo tempo, os argentinos resolveram se dedicar à cera – no que receberam reprimendas da El Gráfico, aliás. Mas haviam razões: ainda estava fresca na memória a final de 1966, em que o River abrira 2-0 no Peñarol e não soube administrar o jogo na última meia hora. Tomou o empate e levou a virada na prorrogação, surgindo dessa pipocada o apelido pejorativo de gallinas atribuído aos riverplatenses. Mesmo assim, aquele Estudiantes não era popular nem entre os argentinos. E El Gráfico, para defender o valor dele, deixou estes argumentos na edição pós-título:
“O jogo se faz muito violento? Eles se adaptam, aqui e fora. Na América e na Europa. Há que esfriar porque o rival prevalece? Se demora. Há que conversar porque há muito falatório? Se fala. Há que explodir a bola porque não há habilidade para joga-la? Se explode. Mas, há que ganhar? Se ganha. E para ganhar há que marcar gols? Marcam. E para não perder há que impedir os gols do oponente? Impedem. E para anular o craque dele há que correr-lhe por todo o campo? Se busca o homem indicado para correr-lhe… nada fica liberado ao azar. Nada. Nem o mais mínimo detalhe. Por aí pode gozar de algum pequeno privilégio Verón… todos os demais são cérebro, razão pura, disciplina inquebrável, responsabilidade”.
Estudiantes: Alberto Poletti, Néstor Togneri, Ramón Aguirre Suárez, Raúl Madero, Oscar Malbernat, Carlos Bilardo, Carlos Pachamé, Gabriel Flores, Christian Rudzký, Marcos Conigliaro e Juan Ramón Verón. T: Osvaldo Zubeldía. Nacional: Manga, Luis Ubiña, Atilio Ancheta, Emilio Álvarez, Juan Mujica, Julio Montero Castillo, Ignacio Prieto, Víctor Espárrago, Luis Cubilla, Eduardo García (Alcides Silveira) e Julio Morales. T: Zezé Moreira. Árbitro: Omar Delgado (COL). Gols: Flores (22/1º), Conigliaro (37/1º)
httpv://www.youtube.com/watch?v=kjisp6K64Wc#t=62
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