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Biancucchi e outros argentinos vira-casacas no Brasil

Conca
Conca, joia que o Flu lapidou do Vasco

Ontem, o Bahia anunciou a contratação dos irmãos Emanuel e Maxi Biancucchi, ambos primos de Messi. Emanuel foi vice da última Libertadores pelo Olimpia, mas o ex-flamenguista Maxi é o mais conhecido no Brasil. Ano passado, ele teve destaque no bom ano do Vitória, que até a última rodada teve chances de ir pela primeira vez à Libertadores (o clube foi vice brasileiro em 1993, mas na época cada país tinha direito a duas vagas e as brasileiras eram divididas entre os campeões do Brasileirão e da Copa do Brasil). Ele chegou a ser artilheiro do campeonato nas primeiras rodadas. Maxi é só o nome mais recente de uma lista extensa de argentinos doblecamisetas no país vizinho.

Hoje isso é cada vez mais incomum, uma vez que estrangeiros não costumam durar muito sem protagonismo instantâneo. Isso já foi bem diferente: antes do Brasil embalar nas Copas do Mundo, a partir de 1958, a seleção era apenas a terceira força sul-americana. Os argentinos, ainda que sem uma conquista mundial como os uruguaios, sobravam nas Copas América e costumavam aplicar goleadas no Brasil nas Copas Roca (atual Superclássico das Américas). Assim, mesmo hermanos de segunda linha e/ou em fim de carreira na Argentina eram valorizados e abundavam por aqui. E viravam ídolos.

Esse complexo, que o jornalista Mário Filho, nome oficial do Maracanã e irmão de Nelson Rodrigues, chamava de Platinismo, teve seu auge nos anos 30 e 40. O Flamengo, por exemplo, teve Agustín Valido: campeão mas pouco lembrado no Boca, é recordado por, tirado de emergência da aposentadoria e febrio, ter feito no fim do jogo contra o Vasco o gol do título estadual de 1944, que marcou o primeiro tri carioca rubronegro. Mas Valido não foi o único: Carlos Volante (que passou por Vitória e Bahia como técnico, treinando o primeiro campeão nacional, em 1959), José “Talladas” Caballero (que, na Bahia, jogou por Vitória e Galícia), Raimundo Orsi (campeão mundial pela Itália em 1934), Arturo Naón, Luis Villa, Rafael Sanz, Sabino Coletta, Julio Castillo, Arcadio López e Alfredo de Terán foram outros.

Mas, fora Valido e Volante, só outro foi mais duradouro: Alfredo González. Como Valido, foi um campeão obscuro no Boca, mas brilhou no Rio. Foi campeão estadual em 1939 em trio ofensivo com o próprio Valido e Leônidas da Silva, marcando contra todos os outros três grandes na campanha. Já havia brilhado em 1938 com dois gols em um 5-2 no Fluminense e, especialmente, com três em um 5-0 no Botafogo em pleno campo de General Severiano (clique aqui). Em 1940, passou ao Vasco, onde ficou dois anos. Chegou a marcar em três clássicos seguidos contra o ex-time, mas foi um dos “vitimados” pela suposta “maldição do Arubinha”, que teria deixado os cruzmaltinos em seca por nove anos.

Gonzalez
De estrangeiros, só González e Petković jogaram em três grandes no Rio. Como técnico, González ainda foi campeão pelo Bangu

Em 1942, já estava no Botafogo. Seguiu com seus gols, mas, apesar da dupla com Heleno de Freitas, o time também vivia seca, ainda maior (1935-48). González ainda treinou Fluminense, Madureira e Bangu, que sob ele foi campeão estadual pela última vez, em 1966. Pelo Flamengo, o argentino fez 4 no Botafogo e 3 no Fluminense e no Vasco; pelo Vasco, 4 no Botafogo, 3 no Flamengo e 1 no Fluminense; pelo Botafogo, 4 no Vasco, 2 no Fluminense e 1 no Flamengo. Entre 1943-46, jogou no Palmeiras (treinou o vice da Libertadores 1968: clique aqui). Também foi campeão gaúcho no Inter em 1950.

O Fluminense não ficava atrás. O time da elite carioca trouxe três do grão-fino argentino, o River, que começara a se expandir nos anos 30: Luis Rongo, ao lado de Bernabé Ferreyra o único com média de gols superior a Di Stéfano no Millo (fez 58 em 49 jogos), deixou 36 em 25 pelo Flu; o defensor Esteban Malazzo e o meia Carlos Santamaría, ambos do primeiro título profissional do River, em 1932; Juan Arrilaga, raríssimo jogador do Quilmes na seleção e primeiro profissional a marcar 5 gols em um jogo na Argentina, viera em 1935. Santamaría esteve no tri estadual de 1936-38. Malazzo e Rongo ganharam o bi de 1940-41, assim como Vicente Cusatti, ex-Boca. Santamaría e Malazzo estiveram na maior goleada sobre o Vasco, um 6-2 em 1941 em que um dos gols vascaínos de honra foi de González.

A taça tricolor naquele 1941, lembrada pelo “Fla-Flu da Lagoa”, teve outros hermanos: Armando Renganeschi (ex-Independiente), Pablo Invernizzi (San Lorenzo) e Antonio Capuano (Racing). Mas o mais duradouro vinha dos nanicos Almagro e Ferro Carril Oeste, o meia Américo Spinelli: ficou nas Laranjeiras de 1939-45. Ele, em 1945, e Santamaría, em 1941, foram ao Botafogo, sem tanto sucesso. Já Renganeschi depois iria bem ainda no recém-nascido São Paulo, onde brilhava outro ex-Independiente, Antonio Sastre. Renga jogaria brevemente no Santos, foi técnico do Trio de Ferro paulistano e do Flamengo (campeão carioca em 1965 e vice em 1966 para o Bangu de González).

O São Paulo já teve em uma escalação José Poy, Norival Ponce de León (ambos bi paulistas em 1948-49) e Elmo Bovio. Os dois últimos também iriam ao Palmeiras, onde Juan Echevarrieta brilhou nos anos 30 e 40: é o maior artilheiro estrangeiro do clube (105 gols em 127 jogos), onde outra figura era o volante José Dacunto, mais famoso pelo dia em que não jogou; os dirigentes do São Paulo teriam pressionado por sua suspensão na final de 1944, mas o Verdão venceu do mesmo jeito e sua torcida zombou que “com Dacunto ou sem Dacunto, o São Paulo é um defunto”. Seu filho, José Dacunto Júnior, nasceu no Brasil e chegou a jogar no Huracán após estar nos juvenis do rival San Lorenzo.

Ponce de León Dreyer
Ponce de León: bi estadual no São Paulo e campeão da Copa Rio no Palmeiras (que a considera mundial), esteve pela seleção paulista na inauguração do Maracanã; Dreyer no Coxa e Atlético

Dacunto (também ex-Vasco) e Echevarrieta chegaram a jogar, sem o mesmo êxito, pelo Santos, que nos anos 50 teve o meia Juan José Eufemio Negri, ex-Boca e que vinha do São Paulo. Foi campeão nos dois, em 1953 pelo Tricolor e no bi de 1955-56 pelo alvinegro, que, nos primórdios da Era Pelé, fechava ali jejum de 20 anos. Mas o grande ídolo praiano argentino foi o zagueiro José Ramos Delgado: passou a virada dos anos 60 para os 70, ganhou 4 estaduais e um Robertão e seguiu no Santos até como técnico dos juvenis. Antes de parar de jogar, esteve rapidamente na Portuguesa Santista.

Ainda em São Paulo, o técnico Jim Lopes, ex-boxeador cujo nome real era Alejandro Galán, fez sucesso: campeão estadual por São Paulo, Palmeiras e do Rio-São Paulo pela Portuguesa nos anos 50, década em que o atacante Juan Celly atuou por Sport e América, então ainda relativamente forte no cenário pernambucano (em 1960, só tinha 3 títulos a menos que o Santa Cruz e 2 que o Náutico; foi o último campeão estadual fora do trio, em 1944, quando só tinha menos taças que o próprio Sport). O meia Dante Bianchi costuma ser lembrado como raro vira-casaca entre Newell’s e Rosario Central, o que não ocorreu: um xará seu é quem jogou no Central, ainda nos anos 10, quando o meia ainda era uma criança. Após defender Newell’s (nos anos 30), Racing e Atlanta, teve duas passagens cada por Bahia e Vitória nos anos 40. Como treinador, Bianchi seria campeão pernambucano nos três grandes.

Outro argentino já a passar por rivais nordestinos foi defensor Julio Oscar Pereyra. Saiu das divisões inferiores argentinas (All Boys, Excursionistas, pelo qual foi vice na B de 1942 e Estudiantes de Buenos Aires) ao Bahia em 1946. Em 1947, esteve no Vitória e no Santa Cruz, e, em 1948, no Sport. Pouco depois, foi jogar no Ovarense, de Portugal, onde se radicou. O mencionado Alfredo González treinou o trio pernambucano, sendo campeão com o Náutico em 1963. Como técnico, foi vira-casaca também no Sul, por Internacional (campeão estadual em 1950) e Grêmio. Em Minas Gerais, Roque Valsecchi brilhou no América campeão de 1948, após fazer a pré-temporada no Atlético. Foi o único título americano entre o decacampeonato de 1917-26 e a taça de 1971, o suficiente para deixar o Coelho com uma só taça a menos que o Galo.

De jogadores, só um argentino foi da dupla Grenal: o meia Moisés Beresi, peça importante do Tricolor campeão em 1946, a brecar o “Rolo Compressor” hexa do Inter e parar o maior jejum gremista, 14 anos, em tempos em que os times do interior faziam frente aos porto-alegrenses. Dispensado em 1948, foi ao rival. Foi logo campeão e esteve na maior goleada colorada no clássico, o 7-0 em que o argentino José Villalba fez 4; o mencionado Carlos Volante era o técnico. Curiosamente, na Argentina Beresi defendeu o Almagro, amigo do Grêmio por ter uniforme parecido, e um Rojo, o Independiente.

Nos anos 60 e início dos 70, o Palmeiras viveu sua melhor época. Diferentes Academias fizeram frente ao Santos e tiveram dois vices na Libertadores (1961 e 1968). Um dos seus técnicos foi Nelson Filpo Núñez. Entrou para a história como o único estrangeiro que já foi técnico do Brasil, nas cerimônias de inauguração do Mineirão, em 1965, em que a seleção foi composta por todo o time palmeirense e venceu o Uruguai por 3-0. Apesar do feito, um ano depois Filpo Núñez já era treinador do Corinthians, onde esteve também em 1976, ano em que o alvinegro tirou Héctor Veira do Palmeiras. Maior ídolo do primeiro centenário do San Lorenzo, Veira realizara alguns amistosos pelo Verdão antes da passagem mal-sucedida pelo Timão. Filpo também treinou Atlético Paranaense e Coritiba.

Doval Frontini Maxi
Doval foi ídolo na dupla Fla-Flu; Frontini, só no Vila Nova, não no Goiás; Maxi foi bem no Vitória. Será que em alguns anos a “traição” será relevada, como as de Osni, Edílson e Obina?

Com os argentinos atravessando crise no próprio futebol a partir dos anos 50 e os brasileiros se afirmando mundialmente, a variada presença hermana por aqui rareou, assim como troca-trocas. Nos anos 70, Narciso Doval conseguiu ser ídolo de Flamengo e Fluminense. Sobre ele, dedicamos um especial inteiro há uma semana: clique aqui. Mas houve quem o superasse em mudanças: o meia Eduardo Dreyer. Saiu pela porta dos fundos do River, que viveu jejum entre 1957-75 e poderia tê-lo desfeito em 1969 na final contra o nanico Chacarita, mas Dreyer foi expulso aos 10 do primeiro tempo.

Mas ele viraria símbolo do futebol curitibano: Dreyer jogou nada menos que no Coritiba, no Atlético Paranaense e no Colorado, clube que em 1989 fundiu-se com o Pinheiros para formar o Paraná Clube. Nas Araucárias, defendeu ainda Londrina e Centenário. Se destacou no Coritiba, onde foi bi estadual e venceu o Torneio do Povo (prestigiada competição da época que reunia os times de maior torcida em cada Estado; Dreyer foi campeão ali treinado por Tim, que treinara o San Lorenzo campeão invicto de 1968), vencido com 9 jogadores em campo contra do Bahia na Fonte Nova. Não confundir com o alemão Hans-Egon Breyer, “responsável” pelo próprio apelido de Coxa Branca do clube.

O caso recente mais famoso é do meia Darío Conca, que acaba de retornar ao Fluminense. Desperdiçado pelo River, ele primeiro apareceu emprestado pelo Millo ao Vasco, em 2007. Foi irregular na Colina, mas o visível talento fez com que as Laranjeiras, buscando o título da Libertadores 2008, o contratassem junto do colega Leandro Amaral e também de Washington e Dodô. O time conseguiu chegar pela única vez à final, mas não venceu. Conca até foi um dos que perderam pênalti contra a LDU. Mas seu protagonismo na espetacular fuga em campo do rebaixamento em 2009 e na reconquista do Brasileirão um ano depois, sendo eleito o melhor do campeonato, o lançou ao panteão do Flu.

Antes de Maxi Biancucchi, ainda houve outros argentinos vira-casacas no Brasil: Marcelo Cañete, emprestado em 2013 pelo São Paulo à Portuguesa, e Carlos Frontini, radicado no país desde a infância e talvez o hermano que mais clubes defendeu por aqui, desde o interior paulista (brilhou na União Barbarense campeã da 3ª divisão em 2004) ao Nordeste (em Alagoas, jogou por Corinthians e CRB) e Norte (passou pelo Remo em 2010). Frontini passou despercebido pelo Goiás em 2008. Mas fez sucesso ano passado no Vila Nova: com 8 gols em 16 jogos, foi o artilheiro do acesso do clube à Série B.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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