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Luis Artime faz 75 anos. Conheça o Gerd Müller argentino

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Em dividida com o alemão Weber na Copa de 1966, onde fez 4 dos 5 gols argentinos

Luis Artime foi um dos mais implacáveis goleadores que o futebol já viu. Os números explicam: 50 gols em 67 jogos pelo nanico Atlanta. 70 em 80 jogos pelo River. 45 em 72 pelo Independiente. 24 em 25 pela seleção. “Não diga Artime, diga gol”, não por acaso, foi uma expressão comum no país nos anos 60, onde ele foi o homem que mais vezes apareceu na capa da principal revista esportiva argentina, a El Gráfico (dezessete). Como o alemão, Artime não era dotado de um estilo vistoso.

Só que unia um faro que beirava o sobrenatural junto a grande senso de colocação e oportunismo: “Eu era um jogador de área, sempre estava em movimento, caminhando ou com piques curtos para sacar-me acima dos defensores e para estar sempre bem perfilado na segunda trave do goleiro. Assim ficava pronto para entrar no gol com a bola e tudo (…). Agora escuto que o gol é uma questão de sorte e dou risada. A sorte não dura 20 anos. Ao gol se tem que ir busca-lo. Minha virtude foi sempre adiantar-me, chegar um segundo antes do rival para poder definir. Era um assunto de intuição”.

“Há uns mais bonitos que outros mas, na realidade, todos os gols valem um e têm sua importância. Não interessa com que parte do corpo o fizeste, se foi lindo ou feio: se passa da linha, é gol”. Era daqueles que não ligavam para a tosqueira de um gol de joelho. Veloz para tirar proveito de falhas adversárias, fez muitos de rebotes. Tinha uma inteligência excepcional para colocar-se no lugar preciso e definir com toque curto ou de cabeça. “Artime sabe uma barbaridade. Sabe tanto que pode dar-se ao luxo de fazer-nos crer que sabe muito pouco”, disse seu técnico no Nacional, Washington Etchamendy.

Artime teria declarado a João Saldanha que “quase a metade de meus gols acontecem porque erro a conclusão. Por exemplo, eu tenho um método para cabecear: se o cruzamento vem da esquerda, eu enquadro o corpo de tal forma que meu ombro direito aponte para o poste esquerdo do goleiro. Então, escolho um canto, mas como acho fundamental que minha testa bata em cheio na bola, com força, raramente acerto o canto escolhido. Só que como estou com o corpo bem enquadrado, mesmo que erre um pouco a bola acaba indo com força no gol e os goleiros não conseguem pegar”.

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No início da carreira, no Atlanta: com José Sanfilippo, com quem concorreu pela artilharia de 1961; e atualmente: é dono de uma rede de lojas esportivas

Saldanha, então, indagou: “E os gols com o pé?”. A resposta: “são mais ou menos a mesma coisa. No entrevero da grande área, eu tento ser rápido e chutar forte, mas nem sempre consigo olhar para onde. Muitas vezes pego mal na bola, mas ela entra assim mesmo. É até melhor quando erro um pouquinho, porque acabo enganando os goleiros”. Saldanha retrucou: “e os toques na saída do goleiro?”, ouvindo que “como sou veloz, tento chegar logo na bola e não dou tempo para eles saírem. Então, dou uma bomba sem olhar, na direção do gol. Eles não têm tempo para reagir”.

“Sempre fui goleador, desde que estava no baby. Mas, sinceramente, nunca pensei em chegar na primeira divisão. Sonhava, sim, mas me parecia um sonho impossível”. Artime nasceu em Mendoza e começou em aulas infantis do Independiente Rivadavia, um dos principais clubes locais. Sua família era de Junín, na província de Buenos Aires, para onde ela voltou quando ele tinha 9 anos. Passou ao Independiente de Junín, de onde chamou a atenção do sumido Atlanta, pequeno mas tradicional.

“No Atlanta, fui muito bem, mas sofri muito o processo de adaptação. Não sei se a Capital realmente me assustou, mas nos primeiros tempos me sentia perdido, como ocorre à maioria dos garotos do interior que vem jogar em Buenos Aires. Éramos vários os de fora e olhávamos a cidade grande com desconfiança, com algum medo, quase escondidos na pensão. Quando cheguei ao clube, o técnico do time era Victorio Spinetto [fundamental no Vélez Sarsfield, conforme explicamos há 10 dias: clique aqui] e nesse dia estava testando jogadores. Comecei no terceiro quadro em 1958, mas ao cabo de 9 jogos me subiram ao reserva. Até que nesse mesmo ano me tocou estrear na primeira…”.

Justo entre 1958-64, o Atlanta viveu seus melhores anos, se intrometendo regularmente entre os grandes. Venceu em 1960 a Copa Suécia e foi duas vezes 4º no campeonato argentino, seu melhor desempenho até ser 3º em 1973. Em 1960, Artime se tornou o primeiro a marcar três vezes em um só jogo na Bombonera, em um 4-4 com o Boca. Explodiu em 1961: vice-artilheiro com 25 gols (só um a menos que Sanfilippo, maior goleador da história do San Lorenzo) e o clube outra vez em 4º. “Minha alegria era enorme. O primeiro que me passou pela cabeça foi todo o esforço que haviam feito meus velhos para que eu jogasse futebol. O único que me exigiram foi que não deixasse os estudos”.

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Ídolo em comum no River e no Independiente

O River contratou muitos daquele Atlanta: Mario Bonczuk, o goleiro Hugo Gatti, o meia Mario Griguol. Só Artime vingou. Chegou a Núñez em 1962 (poderia ter ido à Copa do Mundo, mas o técnico Juan Carlos Lorenzo não lhe apreciava), por 15 milhões de pesos.

“A mudança foi grandíssima, eu mudei de um clube pequeno a um monstro como o River. No Atlanta, a relação era familiar: todos nos conhecíamos, o clima era muito direto. E de repente me encontrei com um River poderoso e considerado entre as melhores instituições do mundo. Aí estava eu…”.

Naquele 1962, voltou a aprontar contra o Boca, que perdeu de virada por 1-3 sofrendo três gols em três minutos seguidos. Dois, de Artime, que seria artilheiro do campeonato. Mas o River ficou no vice para o rival, que se vingou: venceu-o na penúltima rodada. O Millo teve a chance do empate no fim. Artime sofreu pênalti que o brasileiro Delém perdeu: clique aqui.

Eram os anos de jejum entre 1957-75, em que pese bons jogadores que o River tinha; por exemplo, em 1961 impôs a primeira derrota em 9 anos do Real Madrid de Di Stéfano no Bernabéu. Na mesma excursão, derrotou Juventus e Napoli na Itália. “Até hoje não entendo como não pudemos obter nenhum título nesses anos”, já disse Artime. O time costumava ter grandes arrancadas inicias para na reta final perder fôlego. Como a que contamos semana passada, sobre novo vice em 1963 (Artime foi novamente o artilheiro): clique aqui. Em 1965, por 8 milhões e dois jogadores, foi vendido ao terceiro Independiente de sua vida, o “principal”, de Avellaneda. Ironicamente, torcia justo pelo rival.

“De garoto, admirava Rubén Bravo, que jogava no Racing. (…) Eu era fanático pela Academia”. Bastante profissional, não se inibia na frente do clube do coração. Por Atlanta, River e Independiente, fez 19 gols nele e por três vezes marcou 3 no mesmo jogo. Outros dois marcou em um 4-0 no clássico da última rodada de 1967. O Rojo foi campeão ali e pôde carimbar a faixa do rival, que há pouco havia sido o primeiro clube argentino campeão mundial. Aquele Independiente era treinado pelo brasileiro Osvaldo Brandão e teve um recorde de 87% de aproveitamento na era profissional: clique aqui. Artime foi o artilheiro do torneio. Só Maradona foi mais vezes artilheiro do campeonato argentino.

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Não ganhou títulos na Academia do Palmeiras, mas foi bem. No Fluminense, não

1967 foi também seu último ano na seleção. Na Copa 1966, Lorenzo foi novamente o técnico, agora não o recusou e Artime fez 4 dos 5 gols argentinos. Foi o artilheiro da Copa América 1967, mas o Uruguai venceu os hermanos e ficou com a taça em uma das quatro derrotas em 25 jogos do centroavante pela Argentina. Fez 24 gols: média de 0,96. Foi o maior artilheiro da história da seleção, só superado depois por Maradona, Messi, Crespo e Batistuta, que jogaram muitas vezes mais. Dois gols foram em um 2-1 na Bolívia em que a Albiceleste a venceu pela primeira vez em La Paz.

Foi ao Palmeiras em julho de 1968 (a seleção não admitia quem jogasse fora do país e ele não voltou a defendê-la). Estreou em amistoso contra o próprio Independiente: 4-0, marcando dois. Sua estadia foi curta, mas marcante: 48 gols em 57 jogos. 19 deles no Paulistão de 1969. Só Pelé fez mais. Outros 5 foram no Rapid Viena, recorde no clube em partida internacional. Quando o ídolo atleticano Reinaldo foi contratado em 1986, reportagem da Placar usou Artime, Vavá, Mazzola e César Maluco como exemplos de goleadores do passado cujas trajetórias seriam uma pressão para o reforço.

Ficou pouco porque clube e jogador se agradaram com os 200 mil dólares ofertados pelo Nacional, que acabava de perder a Libertadores pela terceira vez em cinco anos e sentia falta de um homem-gol. O brasileiro Célio era a principal referência ofensiva, mas não se dava bem em jogos decisivos. O técnico, o também brasileiro Zezé Moreira, sem pachequismos, não hesitou em recuar Célio para que esse passasse a municiar Artime, que mal chegou e foi campeão e artilheiro do campeonato uruguaio. Com mais de 30 anos, o atacante começava a etapa mais vitoriosa da carreira. Seriam 158 gols ali.

Em um time que reunia oito titulares do Uruguai semifinalista da Copa de 1970 (“se na Copa tivéssemos um artilheiro como Artime, o jogo contra o Brasil seria muito mais duro do que foi”, afirmou Luis Cubilla, seu amigo de River e quem sugerira sua contratação), ele brilhou ainda mais: em 1970, novo título uruguaio e artilharia. Faltava a primeira Libertadores, que o Peñarol já levantara três vezes. O desafogo veio no dourado 1971, com direito a eliminar o Peñarol na primeira fase (ele empatou aos 40 do segundo tempo e sofreu o pênalti da virada aos 45) e a aplicar um 3-0 (dois dele) no Palmeiras em São Paulo. Impediu o tetra seguido do Estudiantes, batido na finalíssima por 2-0 com outro de Artime.

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Seu auge foi no Nacional, mesmo depois dos 30. Aparece acima à esquerda na capa de El Gráfico que celebrou o centenário do clube, em 1999

O Ajax se negou a jogar a Intercontinental. Sobrou o vice europeu, o Panathinaikos do técnico Puskás, segundo quem o argentino era lento. Artime fez os 3 gols uruguaios. Sua fórmula de “a cada 5 vezes que toco na bola nos 90 minutos, pelo menos 2 meto dentro” foi tratada como teorema pelo texto pós-título da El Gráfico, intitulado “Não… Pitágoras não conheceu Luis Artime”. Por 1 ponto de vantagem sobre o Peñarol, veio a tríplice coroa com o tri uruguaio seguido e, para Artime, o tri seguido na artilharia. Mas o Nacional não ia bem nas finanças. Ainda em 1971, os jogadores fizeram greve. Uma nota da Placar sugerindo sua contratação dizia que ele, já com 33 anos, só tinha 27. Fazia sentido (clique aqui e veja).

Uma excursão pela Europa foi feita para arrecadar fundos. Só uma derrota em 14 jogos, mas o estresse só aumentou com a ameaça de uma epidemia de varíola pela Iugoslávia. Artime pediu seu passe em maio de 1972, após um clássico contra o Peñarol pela Libertadores. O Nacional tinha que vencê-lo por 5-0 para se classificar. Cubilla marcou um e o argentino tornou a façanha quase realizável: fez três. Ficou “só” no 4-0. Venceu 25 vezes o clássico, só sendo superado por Pablo Bengoechea, que conseguiu uma vitória a mais pelo rival em dez anos de carreira nele – o dobro do tempo gasto por Artime.

Em 1972, veio com Gérson ao Fluminense, único lugar onde não foi bem. Teria sido boicotado por Lula, que negou ter feito algo contra o argentino, mas admitiu que o jeito introvertido não o tornou popular lá. Artime logo voltou ao Nacional. Anunciou a aposentadoria nos vestiários após um 1-1 em fevereiro de 1974 com o Olimpia na Libertadores. Ele, é claro, marcou na noite em que “o gol ficou sem um amigo”, nas palavras de River El Campeón del Siglo, livro sobre os primeiros 100 anos do River.

Etchamendy, seu técnico no Uruguai, disse que “o destino me deu o melhor presente a que pude aspirar em minha campanha: ser técnico de um time em que jogue Luis Artime. É muito mais que um jogador ou um fabuloso goleador: é um símbolo do Rio da Prata. Se Artime fosse brasileiro, nesse país já o teriam endeusado à altura de Pelé”. Seu filho, também Luis Artime, não fez sucesso próximo ao do pai, mas herdou algo: é o maior artilheiro da história do Belgrano de Córdoba. Para saber de mais argentinos de sucesso no Nacional, clique aqui. Em breve, falaremos de outro, ainda mais goleador e também com origens em Junín: Atilio García, ninguém menos que o maior artilheiro do futebol uruguaio.

Atualização em 12-12-2013: clique aqui para acessar o especial sobre o citado Atilio García.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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