Há 115 anos, acabava uma era. E logo começava outra
Já ouviu falar do Lomas Athletic Club? E do Lobos? Fundados respectivamente em 1891 e 1892, tratam-se de dois dos mais antigos clubes ainda existentes na Argentina e que já tiveram grande importância no futebol hermano, mais especificamente nos primórdios dele. Especialmente o Lomas, o primeiro bicho-papão do campeonato argentino, cuja era se encerrou há exatos 115 anos, em final contra o Lobos.
Eles estavam se pegando pela segunda vez para definir quem seria o campeão de 1898. A final anterior, vencida por 1-0 pelos lomenses, havia sido anulada após protesto do adversário. Ambos necessitaram de um tira-teima após ficarem igualados em 20 pontos na temporada regular, disputada em pontos corridos em turno e returno contra outras cinco equipes: Belgrano Athletic, Lanús Athletic, United Banks, Palermo Athletic e Banfield. De todos, só o Banfield segue no futebol.
Fundado pelos veteranos da Lomas Academy, escola britânica da cidade de Lomas de Zamora, ao sul da Grande Buenos Aires, o Lomas foi o primeiro bi e tricampeão argentino: venceu as edições de 1893 (que, de acordo com a AFA, foi a primeira do campeonato), 1894 e 1895. E de forma invicta. O domínio era tão grande que o vice de 1895 foi nada menos que o time de futebol da própria Lomas Academy. Virtualmente o time B do Athletic, ela ainda por cima seria a campeã de 1896, quando a equipe “principal” ficou em uma incomum 3ª colocação e com 3 derrotas na campanha.
Até hoje, a Lomas Academy foi a única “equipe B” campeã da elite argentina. E a única equipe que não defendeu a taça na temporada seguinte: três de seus jogadores se graduaram no colégio, tendo que deixar o time. Outros três largaram o futebol e outros dois foram à Europa. Oito remanescentes então se juntaram ao Athletic para a temporada de 1897, a também questionar o poderio lomense: já ali, outro tira-teima havia sido necessário, igualmente após dois times terminarem o torneio dividindo a liderança com 20 pontos cada. Não havia critérios de desempate na época.
Na ocasião, a final fora contra o Lanús Athletic (sem ligação com o atual Lanús). A taça só foi garantida no terceiro jogo, após dois empates. O autor do gol do título era da Academy: o escocês Willie Stirling, também artilheiro do torneio. Em 1898, mesmo sem perder, enquanto o Lobos teve uma derrota, o Lomas passou por numerosos empates e acabou igualado pelo concorrente. Naquele 11 de setembro de 1898, venceu por 2-1. Só se tem a identidade de um dos gols; teria sido do inglês James Oswald Anderson. Os lomenses, sem um único argentino, seriam campeões pela última vez.
Anderson, artilheiro do campeonato de 1896, teria grande importância nos inícios da seleção argentina. Foi ele quem escalou o embrião dela, que enfrentou um combinado dos uruguaios Albion e Nacional em 1901. Em 1902, as seleções propriamente ditas de Argentina e Uruguai se enfrentaram pela primeira vez, com vitória argentina de 6-0 na casa adversária (veja aqui). Anderson marcou um dos gols e foi seu único jogo pela seleção. Foi o único jogador do Lomas, já decadente, nela. Multiesportista, praticava os também bretões críquete e rúgbi – idealizador do campeonato argentino deste esporte, chegou a ser um dos primeiros presidentes da União Argentina de Rúgbi.
O Lomas só venceu uma partida em 1899, justamente porque passara a priorizar a bola oval: aquele foi o ano do primeiro campeonato e o time, um dos cinco fundadores da UAR, saiu campeão ali. No futebol, até foi vice em 1900, mas 6 pontos atrás do campeão (em época onde a vitória valia 2), e em 1906, em que a fórmula consistiu em times divididos em um grupo dos mais fortes e outro dos mais fracos, o do Lomas. Os líderes de cada decidiriam a taça em uma final. Em ambos, o campeão foi o Alumni.
E aí entra o Lobos na história: o campeonato perdido há 115 anos era só o segundo que jogaram os rubronegros, fundados pela comunidade irlandesa da cidade de Lobos, a cerca de 100 km da capital federal. Para os transportes da época, era uma distância que consumia tempo e desgaste consideráveis – uma das razões para que o campeonato argentino, apesar do nome, se concentrasse historicamente só na Grande Buenos Aires e La Plata. Vice-campeão também em 1899, o Lobos acabou desafiliado logo depois, por conta de uma alteração nas regras da federação: a pedido dos concorrentes, em 1900 só clubes em um raio de 30 km de Buenos Aires poderiam disputar o campeonato.
O futebol acabou se atrofiando no clube, que hoje o disputa só nas ligas regionais locais. Uma última glória ocorrera em 1899: o clube foi o primeiro do país a jogar no exterior, em excursão pelo Uruguai, chegando a vencer por 2-0 o CURCC, que se tornaria o Peñarol em 1914. Muitos eram estudantes em Buenos Aires, da English High School, nada menos que a escola que originou o Alumni, a usar as mesmas cores do Lobos. O primeiro título dele, em 1900, estava repleto de bivice-campeões em 1898-99, assim como o jogo inaugural da seleção em 1902. A EHS já havia participado de dois campeonatos e ficado bem longe do título. Estava até desafiliada, voltando justo em 1900.
O Alumni foi exatamente o sucessor do Lomas como empilhador de taças: desde a de 1900, ainda scomo English High School Athletic, venceu dez até sair do futebol, em 1913. Até hoje, só os cinco grandes (Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo) o superaram. Já o Lomas praticamente deixou o futebol em 1909, após ser rebaixado. Naquele mesmo ano, sofreu a maior goleada já ocorrida na Argentina: 0-18 pela Copa Competencia para o Estudiantes de Buenos Aires, hoje na 3ª divisão, mas no momento semifinalista da Copa Argentina. Outro recorde nacional ali foi o de maior quantidade de gols em um só jogo por um homem, os doze de Maximiliano Susán, que depois se tornaria raro latino no Alumni. O Lomas ainda participou da terceira divisão de 1911, seu ato final na bola redonda.
No rúgbi, o Lomas também decaiu: seu último título foi há exato um século, em 1913, o que não impediu a seleção brasileira de convocar neste 2013 três tupiniquins que jogam lá (Lucas Bridger e os irmãos Guilherme e Rafael Haiyashi Garcia). É mais forte no críquete, com mais de 20 títulos, e no hóquei sobre grama, esporte cuja seleção argentina feminina (Las Leonas) é uma potência. Mesmo assim, demorou cem anos desde a extinção de seu futebol para que outro clube que não os cinco grandes e o Alumni o superasse em títulos argentinos: o Vélez somou o 7º título em 2009. Com o 10º em 2013, o Vélez também demorou cem anos para ao menos igualar-se ao Alumni, hoje jogando rúgbi também.
Já dedicamos ao menos outros dois especiais a Lomas (aqui e aqui) e Alumni (aqui e aqui). Abaixo, a suposta escalação da final de 115 anos atrás. Em negrito, alguns jogadores do Lobos que iriam ao Alumni. Walter Buchanan e Eugenio e Juan José Moore jogariam pela Argentina – estes dois, até hoje, são os únicos irmãos gêmeos que já defenderam a seleção principal.
LOMAS: P. Grant, Walter Stirling, J. Walker; C. Reynolds, F. Jacobs, A. Anderson; E. Cumber, Willie Stirling, Henry Anderson, James Oswald Anderson, F. Boutell. LOBOS: Armando Coste, Tomás Moore, Walter Buchanan, T. Cavanagh, Arthur Mack, E. Buchanan, J. Negrón, Eugenio Moore, R. Jordan, Juan José Moore e H. Wilson. Árbitro: M. MacEwen.
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