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Ortega, El Burrito Bailador, despede-se do futebol

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As câmeras, não sem razão, procuram Ortega. Só ele, Maradona e o interminável Zanetti duraram 17 anos na seleção

Há uma semana, em 13 de julho, Ariel Arnaldo Ortega despediu-se oficialmente do futebol. É um dos atletas mais queridos dos argentinos, não só entre hinchas do River Plate, do qual é considerado o último grande símbolo em campo. El Burrito foi um dos maiores do mundo na sua especialidade, la gambeta – como nossos hermanos chamam o drible -, aquela habilidade típica de jogador de rua (“Ortega é um dos últimos potreros”, diz-se) e um tanto relegada hoje em prol dos passes rápidos, curtos e mecanizados. Também era ótimo em toques sutis para encobrir goleiros e em assistências.

Ele, é verdade, não foi tão longe quanto poderia e teve melancólico fim de carreira, prejudicada pela indisciplina consigo próprio. Mas a genuína habilidade somada ao carisma costumava blindá-lo de vaias na Argentina mesmo quando não já não era o mesmo. Ortega foi só o quarto que o River, que o despejara pela porta dos fundos, brindou com jogo-despedida – os antecessores foram os semideuses millonarios Ángel Labruna (1959), Beto Alonso (1987) e Enzo Francescoli (1999).

Conseguia unir “água e azeite” na Argentina: tinha afeto de Maradona e Passarella, que lhe lançara no River, em 1991, só um ano após o jovem chegar diretamente de sua província natal, Jujuy, no extremo norte argentino (refletida nas feições mais indo-bolivianas do que euro-argentinas de Ariel), aos juvenis do time que torce. O Kaiser por muito tempo pôs panos quentes quando um decadente Burrito desaparecia ou se atrasava de treinos e concentrações. Por sinal, ambos são quem mais jogaram pela seleção vindos do clube: Ortega foi 50 vezes, duas a menos que o ex-zagueiro.

Já com Maradona foi muito comparado (por motivos bons e ruins) e defendido nas piores horas. A amizade nasceu como colegas de quarto na Copa de 1994 e foi o Burrito quem nas duas seguintes usou a camisa 10. Só eles e os intermináveis Labruna (1941-58) e Zanetti (1994-2011) passaram 17 anos na seleção entre o primeiro e o último jogo, marca que o jujueño deve exatamente a Dieguito, que jogou entre 1977-94 pela Argentina e, como técnico, convocou o amigo (estreante em 1993 e ausente desde 2003) para pegar o Haiti em 2010. Justamente ali, foi capitão pela única vez pela Albiceleste.

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No Monumental, com trajes típicos da fronteira boliviana. Nos primeiros anos de River, tirando MacAllister (ao fundo) da Copa 1994. E nos últimos

De infância humilde, mas segundo ele “digna”, entrou aos 13 anos na base do Atlético Ledesma, um dos principais clubes de Jujuy. Roberto Gonzalo, ex-jogador do Gimnasia LP, se ofereceu para leva-lo ao River em dezembro de 1990. “Volte em fevereiro”, declarou o grande técnico da base millonaria, o brasileiro Delém, ao pibe de 16 anos. Em um ano, estaria nos profissionais e em menos de 4, em sua primeira Copa. A estreia foi em 14 de dezembro. Com o River já campeão, Passarella pôs o Burrito (diminutivo do apelido do pai, El Burro pela falta de habilidade na pontaria) nos minutos finais contra o Platense. Mas o estreante só se afirmou dois anos depois, quando o River voltou a ser campeão, no Apertura 93, agora com Ariel participando de todos os jogos em vez de apenas um.

No embalo, recebeu sua primeira chance na seleção, em um 2-1 na Alemanha em 15 de dezembro de 1993, em Miami. Ortega logo voltaria aos EUA, agora para a Copa, mesmo sem ter jogado as eliminatórias, tirando vaga cotada para o meia Darío Franco ou o atacante Acosta, presentes em quase todo o ciclo do técnico Basile. Diz-se que Ortega fez outro perder lugar no mundial, um defensor: MacAllister, do Boca, inábil mas útil na complicada classificação argentina. Tudo por um Superclásico na Bombonera naquele 1º semestre de 1994, onde este levou baile de Ariel, que ainda abriu o placar nos 2-0, primeira vitória do River sobre o rival na Bombonera em oito anos.

Ortega seria outra vez decisivo no Superclásico do 2º semestre, também na Bombonera: desta vez, foi River 3-0, com ele cavando o pênalti em que Francescoli abriu o placar e marcando o segundo. A vitória na penúltima rodada coroou a primeira vez em que o Millo foi campeão nacional invicto. Além disso, aquelas duas vitórias na Bombonera foram as únicas do River em Superclásicos não-amistosos entre 1990-99, em que o time não venceu nem no Monumental o rival.

Em 1995, foi o único campeão dos Pan-Americanos que jogara a Copa 94 e, em 1996, teria seu melhor momento na seleção, com a medalha olímpica de prata em Atlanta. Também neste ano, foi peça-chave do título na Libertadores, a segunda e ainda última do River. Não tanto pelos gols (marcou só dois, o mais importante sendo o segundo nos 2-1 sobre o San Lorenzo fora de casa, nas quartas-de-final diante do time argentino mais sedento pelo torneio), e sim pelas assistências: foram doze, incluindo a do primeiro gol de Crespo na final. Também em 1996, foi campeão do Apertura e vice da Intercontinental, que poderia ter desfecho diferente se uma tentativa sua não tivesse batido na trave da Juventus.

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“Entra e arrebenta”, exige Maradona ao ser substituído. Ao lado, barbarizando contra o Boca em 2007, encarado como “algo comum” pelo técnico Passarella, ao fundo

No início de 1997, foi ao Valencia, ficando um ano e meio, onde para ele mesmo o melhor foi ter jogado com um baixinho: declarou ter sido “privilegiado por ter dividido o campo com Maradona, Francescoli e Romário”, seu colega ali. Passou à Sampdoria para a temporada 1998-99. Em ambiente confuso após vendas de Verón e Siniša Mihajlović, o presidente demitiu e recontratou o mesmo técnico (Luciano Spalletti) e Ortega foi incapaz de impedir o rebaixamento. Seu prestígio o levou ao grande Parma daquela época, que unia Buffon, Thuram e Cannavaro a uma colônia argentina: Crespo, Almeyda, Sensini e Balbo. Chegou para substituir outro, o próprio Verón, recém-vendido à Lazio, mas não teve sucesso.

No 2º semestre de 2000, o River saboreava ter vencido os dois últimos campeonatos argentinos. Mas o Boca havia acabado de vencer pela 3ª vez a Libertadores, reultrapassando o rival. A resposta de Núñez foi repatriar aquele filho pródigo. Se antes Ortega brilhava como coadjuvante de Ramón Díaz, Medina Bello ou Francescoli, desta vez ele seria a principal referência. Com ele, os “Três Mosqueteiros”, trio ofensivo formado por Aimar, Saviola e Juan Pablo Ángel, virou o “Quarteto Fantástico”. E o Ternura, um grupo de cumbia (estilo do qual o craque é um grande fã), logo lançaria a música “Burrito Bailador”. Mas os títulos só viriam já sem os outros três, no Clausura 2002. Em seguida, Ortega e o colega Husaín acabariam como únicos chamados do futebol argentino para a Copa do Mundo.

O fracasso da seleção na Ásia não o impediu de ir ao emergente futebol turco, ao Fenerbahçe. Mas também não se adaptou ali e em um semestre quis sair. Foi suspenso 19 meses pela FIFA até voltar ao futebol, no Newell’s – como Maradona tentara. Foi importante na Lepra campeã de 2004 (ali ela superou o rival Rosario Central em taças nacionais) e não se furtou de marcar nas três vezes em que enfrentou o River por ela. Mas voltou à velha casa após a Libertadores 2006. A reestreia foi mitológica: saiu do banco para levar a melhor em dividida, correr e de fora da área encobrir Saja num 5-0 no San Lorenzo em que fez contida narração de Atilio Costa Febre exaltar um “eu vou, eu vou! Basta para mim! Te quiero até o final de nossas vidas! Até o final de nossas vidas te quiero! Te amo futebolisticamente! Sempre foste meu, Ariel! Um gol incrível!” – confira a partir dos 3min50s do segundo vídeo abaixo.

Os problemas ébrios, porém, se escancaravam, relevados a cada lampejo do Burrito. Como quando no ano seguinte, em que teria no começo sido impedido por um colega de se jogar da varanda de um hotel, para no 2º semestre descarregar arsenal de jogadas plásticas em 2-0 no Boca, penúltima vitória do River em Superclásicos não-amistosos. Em 2008, o inverso: triunfo, depois crise. No 1º semestre, foi capitão da última vez em que o River foi campeão (ver aqui). Mas o técnico Simeone, irritado com nova recaída de Ariel para o álcool, sequer o pôs no banco na última rodada, já após o título.

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Newell’s, Independiente Rivadavia, All Boys e (enfrentando o River) Defensores de Belgrano, suas outras camisas argentinas. Só no Newell’s foi razoável

Com propostas dos EUA, Emirados e Estudiantes, Ortega acabou na 2ª divisão: foi emprestado ao Independiente Rivadavia, da província de Mendoza, ao lado do Chile, onde ele já tratara-se do vício. Nenhuma parte se deu bem: o Rivadavia só ficou no meio da tabela; Ariel, que teria o avião particular do presidente do clube à disposição para duas consultas semanais em Santiago, não seguiu com o tratamento; e o River, de campeão, passou à lanterna do campeonato seguinte. Ainda que sem também Carrizo e Loco Abreu, ainda havia Buonanotte (protagonista do título anterior) e Falcao García. Notou-se que o jujueño era útil também para atrair a si as maiores atenções e responsabilidades, deixando as costas destes dois mais leves. Buonanotte nunca mais jogou tanto. A volta veio em dez meses.

Seus demônios continuaram: ao fim de 2010, uma confusão em reunião familiar chegou a coloca-lo uma noite na cadeia. E ele, que vinha jogando razoavelmente sob Ángel Cappa, não recebeu a mesma paciência de Juan José López. O atraso de um dia na volta aos treinamentos após as férias de virada de ano foi a gota d’água para que Jota Jota desligasse Ortega do elenco no início de 2011, embora a torcida clamasse por Ariel na pré-temporada. Ou seja: das três temporadas cujos promedios rebaixariam o clube meses depois, o Burrito só participou exatamente de metade; é de se imaginar se, com ele em campo na outra metade, o clube não tivesse conseguido ao menos três pontos a mais, a exata diferença (para o Tigre, que se safou) que o colocou na fatídica repescagem contra o Belgrano.

Naquele negro 1º semestre de 2011, Ortega vinha jogando por um concorrente do River contra o descenso, o All Boys, onde também não foi bem. Insatisfeito com a proposta do ex-colega e técnico Almeyda em ser admitido de volta apenas como integrante da comissão técnica mesmo com o Millo na 2ª divisão, seguiu a carreira emprestado por mais um ano, na 3ª. Ironia: no Defensores de Belgrano, clube próximo até nas cores, mas cheio de diferenças – apesar do nome, situa-se no bairro de Núñez, vizinho ao de Belgrano, onde por sua vez, também apesar do nome, está o Monumental de Núñez, estádio que por um ano o craque teve que passar pela frente todos os dias até chegar à instalações do Defe. Também não ajudou ali: seu novo e último time foi 18º na temporada 2011-12.

Com ainda um ano de contrato pelo River, o Burrito quase fechou com os semiamadores do Independiente de Chivilcoy, da 4ª divisão, mas o declínio não chegou a tal ponto e ele parou. Vitoriosíssimo no River (6 nacionais e 1 Libertadores), Ortega não foi tão longe quanto poderia “entre outras coisas, porque se a cabeça era fraca, o coração era forte: enorme se comparado com uma cabeça pequena”, na bela definição de Joza Novalis. Pendência que não impediu o Monumental ser tomado há uma semana por 60 mil vozes a celebrar “Orteeeee, Orteeee…” uma última vez. Abaixo, a melhor compilação de suas jogadas e emocionante vídeo da despedida, que teve Saviola, Francescoli e diversos outros ícones riverplatenses daquela saudosa virada do milênio, como Sorín, Astrada, Gallardo, Hernán Díaz, Rivarola, Solari, Coudet, Cardetti, Monserrat…

http://www.youtube.com/watch?v=ozRUYzKiDSI

http://www.youtube.com/watch?v=hcpfKB1TEWM

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Poças imensas da chuva torrencial de papel picado para saudá-lo uma última vez no Monumental, semana passada

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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