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Kimberley: há 35 anos, um clube argentino na Copa

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Rocheteau procura passar por Tóth

Mar del Plata é mais famosa por ser um balneário prestigiado por argentinos em férias do que por seu futebol. O estádio José María Minella (que leva o nome de um grande ídolo de Gimnasia LP, River e seleção nos anos 30 nascido na cidade; outros marplatenses célebres são o goleiro Germán Burgos, o tenista Guillermo Vilas, o músico Ástor Piazzolla e o cineasta Héctor Babenco) não ajuda muito: construído para a Copa de 1978, ficou marcado pelas gafes do gramado, que soltava tufos de grama.

Os times da cidade também não são dos mais conhecidos – a seleção nunca usou jogadores vindos dos clubes de lá. Hoje, os mais proeminentes são o Alvarado, da 4ª divisão, e o Aldosivi, da 2ª; a cidade tem mais força no basquete, por meio do Quilmes e, principalmente, do Peñarol (a contar agora com o maior vencedor da Liga Nacional, o octacampeão Leonardo Gutiérrez, ouro olímpico em 2004) locais.

Nos anos 70, o futebol esteve mais em evidência. Aldosivi e Alvarado competiram em alguns torneios nacionais, a reunir a elite do campeonato argentino (então renomeado metropolitano) com os melhores das ligas do interior. Na época, quem mais se destacou foi o San Lorenzo local, que chegou a ter um artilheiro do certame, Norberto Eresuma, em 1976 (ele foi ainda vice-artilheiro em 1979). Mas ficava mais nas posições baixas dos grupos em que era sorteado, como os demais da cidade. Está na história como o clube a sofrer os primeiros gols da carreira profissional de Maradona, também em 1976.

Contudo, o mais proeminente clube marplatense no mundo criou a fama sem jogar, ao menos diretamente: há 35 anos, a camisa alviverde do Kimberley (que teve em Juan Valiente o terceiro na artilharia do Nacional de 1970) simplesmente esteve em campo por uma partida de Copa do Mundo, emprestada a Platini e outros da seleção francesa.

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Com a camisa do IFK Malmö, Pedro Dellacha cumprimenta o alemão-ocidental Hans Schäfer na Copa 1958: Argentina também já foi “vítima” do improviso…

Não foi um caso isolado do tipo. Na Copa de 1934, a partida pelo 3º lugar, em Nápoles, entre Alemanha e a então celebrada Áustria, gerou confusão inicial: ambas entraram em campo com suas tradicionais camisas brancas e calções negros e assim começaram a partida, até que o juiz ordenou que um lado trocasse de camisa – Matthias Sindelar e demais austríacos usaram a do Napoli. No Brasil, em 1950, México e Suíça usariam vermelho em jogo entre si em Porto Alegre, até que os colegas do goleiro “pentamundialista” Antonio Carbajal receberam a camisa alviazul do Cruzeiro gaúcho.

O outro caso ocorreu com a própria Albiceleste, em 1958: contra a Alemanha Ocidental, usou a camisa dourada do IFK Malmö (não confundir com o celeste Malmö FF, vice europeu em 1979 e onde surgiu Zlatan Ibrahimović). O craque Omar Corbatta até marcou já aos 3 minutos, mas os germânicos viraram com três gols, dando início à decepcionante campanha argentina na Suécia. Este jogo completou recentemente 65 anos; ocorreu em 8 de junho.

Há 35 anos, transmissões em preto e branco ainda eram comuns em larga escala e, nelas, França e Hungria poderiam gerar confusão caso usassem seus uniformes principais (camisa azul, calça branca e meias vermelhas para os gauleses, camisa vermelha, calça branca e meias verdes para os magiares). Mas, ao invés de pedir-se a apenas uma delas que levasse à Mar del Plata o uniforme reserva, um equívoco fez com que o pedido fosse feito às duas oponentes.

Em 10 de junho, os húngaros chegaram vestidos todos de branco e os franceses, com camisa branca, calça azul e o tradicional meião vermelho – o que, ainda assim, poderia confundir, não só a quem ainda assistia em preto-e-branco. Um dirigente do Kimberley, então, ofereceu as vestimentas do Dragón. Os Bleus ficaram com a estranha combinação. Isso tudo e a necessidade de costurar às pressas números nas costas (nem sempre a ficar com os jogadores oficiais: o camisa 18 Rocheteau usou a 7) atrasou a partida em 40 minutos.

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O salto de Trésor e uma das camisas do Kimberley naquele dia – esta seria de Battiston, que não jogou

No único jogo de Arnaldo Cézar Coelho na Copa 1978, a as listras verticais alviverdes não fizeram tão feio como no visual. Ainda que tenha sido um jogo de eliminados (os dois haviam perdido suas duas partidas anteriores e jogavam pela honra, levando só 23 mil espectadores), a França começou mais ofensiva, mas os arremates finais das melhores chances não chegaram perto do gol – um cabeceio de Henri Michel e um chute rasteiro de Berdoll. Na melhor húngara, Pusztai recebeu de Nyilasi na grande área, mas seu chute foi fácil para Dropsy.

Pusztai ainda cruzou rasteiro com perigo: Janvion quase marcou contra. Os magiares pareciam estar mais perto, até Lopez acertar um lindo chute de fora da área no ângulo de Gujdái. Em bobeada da zaga húngara, Rouyer esteve perto de ampliar, ao praticamente receber um passe do adversário. Bathenay tentou repetir Lopez ao arriscar de fora da área interceptando lançamento de Zombori

Foi em nova falha da defesa húngara que veio o segundo, aos 37. Janvion lançou para Berdoll bola que passou antes por um marcador, que furou o bloqueio. Berdoll conseguiu marcar sem muito trabalho mesmo levando três oponentes para uma corrida leve antes de dar um toque sutil no contrapé do goleiro. Nyilasi respondeu acertando o travessão em um cabeceio. Em triangulação entre ele e Zombori, o gol da Hungria veio, em belo chute deste na entrada da grande área, encobrindo Dropsy.

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Kimberley de 1970: Valiente (terceiro agachado) foi o terceiro na artilharia nacional; e imagem recente da equipe

Só que, no minuto seguinte, os gauleses brecaram a reação. Um cruzamento normal de Rouyer passou pelos zagueiros húngaros e Rocheteau, mesmo tocando fraco antes da pequena área, conseguiu colocar os 3-1. Por bem pouco não veio logo o quarto: uma saída ruim de Gujdái permitiu a Berdoll duas chances rebatidas pelo arqueiro, que segurou antes que Rocheteau pegasse também. O segundo tempo não foi tão frenético. Os derrotados tiveram seus chances, mas as mais claras foram as francesas, em duas assistências de Platini: Bracci acertou um petardo no travessão e  Berdoll chutou em cima de Gujdái.

E assim se escreveu a página mais conhecida do Kimberley e, talvez, do futebol marplatense. Nos torneios nacionais, o Dragón obteve no máximo um oitavo lugar geral, em 1971. Hoje, encontra-se na 5ª divisão argentina, dependendo de sua performance na liga local para poder disputar este nível (que já é regionalizado) do futebol nacional.

FICHA DA PARTIDA – França: Dominique Dropsy, François Bracci, Jean Petit, Gérard Janvion e Marc Berdoll; Christian Lopez, Marius Trésor e Olivier Rouyer; Dominique Rocheteau (Didier Six 30/2º), Dominique Bathenay e Claude Papi (Michel Platini 1/2º). T: Michel Hidalgo. Hungria: Sándor Gujdái, Győző Martos, Zoltán Kereki, László Bálint e József Tóth; László Pusztai, Sándor Zombori e Sándor Pintér; Tibor Nyilasi, András Törőcsik e László Nagy (Károly Csapó 28/2º). T: Lajos Bároti. Árbitro: Arnaldo Cézar Coelho (BRA). Gols: Lopez (22/1º), Berdoll (37/1º), Zombori (41/1º) e Rocheteau (42/1º)

http://www.youtube.com/watch?v=dLsEqhKcbDM

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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