Especiais

35 anos da Copa 1978: Argentina 2-1 Hungria

arg78-0
Kempes, Alonso, Olguín, Passarella, Bertoni, Tarantini, Fillol e Ardiles saúdam a plateia do Monumental ao fim da estreia

Há três décadas e meia, começava a campanha do primeiro título mundial da Albiceleste. Conquista que ainda hoje é encarada de forma dúbia no próprio país: de um lado, o bom futebol de grandes jogadores, diferentemente do time mais aguerrido e aplicado do que técnico e vistoso no bicampeonato, em 1986. Do outro, seu uso pela sanguinária ditadura, fator que costuma fazer a imprensa valorizar mais os vencedores de 1986, para certo ressentimento de alguns campeões de 1978.

Um golpe militar tirara do poder Isabelita Perón em março de 1976. Era a viúva e também vice-presidente de Juan Domingo Perón, o originalmente eleito. O uso político da seleção começou no próprio dia do golpe, como explicamos aqui – ela jogaria na mesma data. Muito sabido é que o infame Proceso de Reorganización Nacional não poupou nem mesmo próprios integrantes.

O cabeça da comissão organizadora era o general Omar Actis, que defendia gastos mais austeros. Em agosto daquele ano, teria sido assassinado por desavenças internas a caminho de uma entrevista coletiva sobre as contas do torneio, embora o crime tenha sido creditado à “guerrilha subversiva” (os montoneros negaram). Nas mãos do general Carlos Alberto Lacoste, amigo pessoal de João Havelange, os gastos previstos de 70 milhões de dólares saltariam para 518 milhões. Mas qualquer crítica era, como resposta, reduzida a simples “propaganda antiargentina”. O grosso da população acreditava.

Em paralelo à tensão, o técnico César Luis Menotti implantava novidades. Chegara à seleção após a Copa 1974 amparado pelo título argentino de 1973 do clube que treinava, o Huracán, que apresentava um belo futebol e até hoje não venceu outra vez o campeonato na era profissional. Um dos pilares daquele time era o lateral Jorge Carrascosa, que seria o capitão da Argentina na Copa. Contudo, pediu para sair. Segundo ele, por vários fatores, embora admitisse que sua consciência já não o fizesse enxergar o torneio de forma tão transcendente, reforçando a tese de que fez por motivação política.

arg78-1
Csapó (camisa 13) comemora seu gol, aos 10 minutos

Carrascosa não foi um único desfalque midiático. Mesmo antes da lista final (só definida a apenas nove dias da estreia), já não estavam na preliminar o então goleiro titular, Hugo Gatti (Boca), o zagueiro Vicente Pernía (também do Boca), os meias Juan José López (River) e Ricardo Bochini (Independiente) ou o atacante Héctor Scotta (Sevilla, ex-San Lorenzo). Gatti, ainda em 1977, ficou de fora ao declarar-se desmotivado por não ter seu pedido de folga aceito; queria tratar de uma lesão no joelho. O colega Pernía caíra em desgraça após expulsão em amistoso contra a Escócia em 1977 – quem iria a uma Copa seria seu filho, Mariano, pela Espanha em 2006.

Bochini, apesar do alto nível e de ter levado seu clube a um título dramático no início do ano (falamos aqui), ficou de fora assim como outro celebrado concorrente, o ainda adolescente Maradona (Argentinos Jrs), por opção de Menotti, assim como Scotta (maior artilheiro em um único ano na Argentina, com 60 gols em 1975), que sumiu das convocações após deixar o país – na época, isso provocava perda de visibilidade. Menotti só pensou em dois “estrangeiros”: Mario Kempes (superartilheiro por um Valencia treinado por Di Stéfano) e o zagueiro Osvaldo Piazza (Saint-Étienne, na época o papa-títulos francês).

O ex-Lanús Piazza, porém, deixou os treinamentos para voltar à França por conta de um acidente automobilístico da esposa. Já um suposto descaso de López o teria feito perder a consideração de Menotti: em 1976, ele convocara Jota Jota, Alonso, Ubaldo Fillol, Leopoldo Luque e Daniel Passarella junto ao River, mas pediram-lhe que os liberasse para jogarem a Libertadores. O técnico entendeu e os chamou para um almoço, para o qual El Negro não foi. Para o seu azar, Osvaldo Ardiles, do Huracán, se firmou bem na posição. Omar Larrosa, ex-Huracán e muito bem no Independiente, levou a outra vaga.

Para a que poderia ser de Bochini ou Maradona: José Valencia, do Talleres de Córdoba, e Alonso. O Talleres, o time que Bochini deixara no vice, vivia grande fase e também cedeu Luis Galván e Miguel Oviedo. Refletia ainda a valorização de Menotti por jogadores do interior, que inclusive compuseram quase a totalidade do time testado na Copa América de 1975. Os dois últimos cortados ao lado de Maradona foram Humberto Bravo, também do Talleres, e Víctor Bottaniz, do Unión de Santa Fe.

arg78-2
Luque aproveita rebote de Gujdái e empata cinco minutos depois

Para o mundial, os convocados Héctor Baley (goleiro do Huracán), Daniel Killer (zagueiro do Racing), Luque (atacante do River), Ricardo Villa (meia do Racing) e Ardiles receberam de El Flaco as primeiras chances na seleção quando ainda estavam, respectivamente, no Colón de Santa Fe, no Rosario Central, no Unión, no Atlético de Tucumán e no Instituto de Córdoba. Kempes era outro ex-Rosario Central. O também convocado meia Américo Gallego ainda estava no Newell’s Old Boys. E o outrora titular Gatti fora redescoberto quando atuava no Unión.

Além de Alonso, Ardiles, Baley, Fillol, Gallego, Rubén Galván, Kempes, Killer, Luque, Oviedo, Valencia e Villa, os restantes selecionados foram o goleiro Ricardo La Volpe (San Lorenzo), os zagueiros Jorge Olguín (San Lorenzo) e Daniel Passarella (River), os laterais Alberto Tarantini (sem clube) e Rubén Pagnanini, o meia Luis Galván, os atacantes Daniel Bertoni (os três, do Independiente) e os pontas René Houseman (Huracán) e Oscar Ortiz (River). A concentração foi de longos seis meses, desfalcando os principais clubes no campeonato Metropolitano, no primeiro semestre. O último jogo de Bertoni pelo Independiente fora a mencionada final contra o Talleres – após a Copa, foi ao Sevilla.

A Copa começou um dia antes da estreia anfitriã, aberta pela detentora do título, a Alemanha Ocidental, que empatou sem gols contra a Polônia, outra seleção prestigiada. Já a Argentina carecia de bons resultados em Copas desde o seu vice em 1930. Apenas nas de 1966 e 1974 conseguira avançar da primeira fase. E mesmo a dominação que exercia na América do Sul nos anos 30, 40 e 50 era passado – não vencia a Copa América desde 1959. O caminho não começaria fácil: seu grupo continha a respeitada Itália e as incógnitas Hungria e França.

E não começou mesmo. Os húngaros, que voltavam às Copas depois de doze anos (com o mesmo técnico de 1966, 1962 e 1958, Lajos Bároti), abriram o placar naquele 2 de junho de 1978. 77 mil presentes no Monumental de Núñez viram, já aos dez minutos de jogo, um chuveirinho magiar fazer a bola pingar para o volante Sándor Zombori desferir chute diagonal que Fillol espalmou livre para o meia Károly Csapó concluir.

arg78-3
A seis minutos do fim, Gujdái e Luque (caídos) dividem e a bola sobra para Bertoni, que vira o jogo

O troco viria de forma parecida: aos 15, o goleiro Sándor Gujdái não segurou um petardo de falta cobrado por Kempes e Luque aproveitou a sobra para igualar. Apesar do início empolgante, a partida se desenrolou para o jogo duro. Nova movimentação no escore só apareceu a seis minutos do fim. Luque foi lançado e derrubado por Gujdái, mas, antes de qualquer apito do árbitro português António Garrido, a bola que sobrou espirrada para Bertoni foi colocada por ele nas redes.

Os magiares perderam a cabeça e dois acabariam expulsos em minutos seguidos: o atacante András Törőcsik, considerado de habilidade comparável a de seus compatriotas dos anos 50 e que começara demonstrando lampejos disso, recebeu o vermelho aos 43 minutos do segundo tempo por manter o pé em Gallego. Pouco depois, o meia Tibor Nyilasi foi um minuto mais cedo para o chuveiro por um pontapé em Tarantini. Ambos já tinham cartão amarelo.

“Essa partida se viveu com muita ansiedade e a loucura lógica de uma estreia, mas foi importantíssima. Me dei conta de que poderíamos ser campeões pela maneira como assimilamos o gol sofrido”, afirmaria Menotti.

FICHA DO JOGO – Argentina: Ubaldo Fillol, Jorge Olguín e Daniel Passarella, Luis Galván e Alberto Tarantini; Osvaldo Ardiles, Américo Gallego e José Valencia (Norberto Alonso 30/2º); René Houseman (Daniel Bertoni 22/2º), Leopoldo Luque e Mario Kempes. T: César Menotti. Hungria: Sándor Gujdái, Péter Török (Győző Martos 1/2º), Zoltán Kereki, István Kocsis e József Tóth; Tibor Nyilasi, Sándor Zombori, Sándor Pintér e Károly Csapó; András Törőcsik e László Nagy. T: Lajos Bároti. Árbitro: António Garrido (POR). Gols: Csapó (10/1º), Luque (15/1º) e Bertoni (39/2º)

arg78-4
Nos minutos finais, a estrela húngara Törőcsik faz falta em Gallego. Já com cartão amarelo, é expulso

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

One thought on “35 anos da Copa 1978: Argentina 2-1 Hungria

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

16 − 4 =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.