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Há 60 anos, 5 atacantes do mesmo clube na seleção

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Em pé, os pontas Micheli e Cruz. Agachados, Cecconato, Lacasia e Grillo

Nos tempos clássicos, nenhum outro clube conseguiu transpor o ataque inteiro para a Albiceleste como o Independiente de 1953-55. Foram sete jogos, 18 gols, nenhuma derrota e uma Copa América vencida. A primeira experiência completa 60 anos hoje e foi histórica também por outros motivos.

Dos anos 30 aos 50, a tática mais usada foi o WM: três na defesa, dois meias e um quinteto ofensivo com pontas, dois atacantes mais recuados e, entre estes, o centroavante. A preocupação defensiva ganhou força nos anos 60, por meio de um argentino, o técnico Helenio Herrera, com sua catenaccio marcando os anos dourados da Internazionale; desde então, ficou raro ver mais de três atacantes juntos. Na Argentina, o quinteto de ataque mais célebre teve Juan Carlos Muñoz, José Manuel Moreno, Adolfo Pedernera, Ángel Labruna e Félix Loustau.

Estes entraram para a história como a linha de frente de La Máquina, o grande esquadrão do River Plate nos anos 40. Mas, mesmo no clube de Núñez, atuaram só 18 vezes juntos, em parte por Moreno jogar no México entre 1945-46. A seleção nunca os usou conjuntamente. Outro ataque famoso foi o do Racing campeão de 1958: Omar Corbatta, Juan José Pizzuti, Pedro Manfredini, Rubén Sosa e Raúl Belén. Todos estiveram na seleção que venceu a Copa América de 1959, mas não juntos, embora em alguns jogos 4/5 estivessem presentes (com Pedro Calla, do Argentinos Juniors, no lugar de Sosa).

A glória única coube mesmo ao arquirrival racinguista, o Independiente. Foi o melhor momento do Rojo no período: vivia seu maior jejum de títulos nacionais, doze anos entre 1948 e 1960. Ainda assim, ao contrário do atual (que completa onze anos neste 2013), a equipe costumava brigar pelos títulos, principalmente no início da década, com o ataque Rodolfo Micheli, Carlos Cecconato, Carlos Lacasia, Ernesto Grillo e Osvaldo Cruz. Todos escalados juntos para a primeira visita da Inglaterra à Argentina.

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Micheli, Cecconato, Lacasia, Grillo e Cruz no Independiente

Destes, só Grillo, o mais talentoso, já estreara pela seleção (em 1952, contra Portugal e Espanha na Europa). Poderia ter sido um a mais no River, mas não gostou de ser usado como ponta-direita e, ainda nos juvenis, foi ao Independiente. Seu talento o levou ao Milan em 1957, e um ano depois pôs o clube à frente do Real Madrid na final da Liga dos Campeões – Di Stéfano & cia, porém, viraram a partida, a contar com os também argentinos Héctor Rial no Real e Ernesto Cucchiaroni no Milan e os uruguaios José Santamaría no Real e Juan Alberto Schiaffino no Milan. Grillo fez sucesso também no Boca: tri argentino nos anos 60 e vice na Libertadores de 1963.

Micheli era o ponta-direita que fornecia cruzamentos; Cecconato, o motorzinho entre o meio e o ataque; Lacasia, o tanque centroavante, imponente pelo físico robusto (seu apelido era Gordo); o ponta-esquerda Cruz, inábil mas veloz, foi o mais longevo no clube (único presente no título de 1960) e seleção (Carasucia campeão da Copa América de 1957 e único presente na Copa de 1958). Ainda venceu a Taça Brasil de 1961 pelo Palmeiras.

Dois anos antes, a Argentina havia assustado os ingleses. Perdeu por apenas 1-2 em Londres, em dia de grande atuação do goleiro Miguel Rugilo, do Vélez, a partir dali sempre chamado de León de Wembley. Vale lembrar que a mãe do futebol ainda considerava-se a melhor seleção do planeta, esnobando as Copas do Mundo e o vexame que dera em 1950, quando enfim estreara no torneio. Na Europa, sempre que uma seleção despontava como a melhor, era convidada para ir à Inglaterra enfrenta-la. Quando o English Team não surrava, sempre se saía invicto contra não-britânicos – tabu que ruiria naquele mesmo 1953, em novembro, para a Hungria de Puskás (6-3 para os magiares).

Os súditos da jovem Elizabeth II (coroada no ano anterior), desta vez, saíram da Grã-Bretanha para excursão pelas Américas e estavam invictos há 14 jogos. Até o árbitro veio junto: Arthur Ellis. A parada argentina da turnê reservou as datas de 14 e 17 de maio, no Monumental de Núñez. Em ambas, o técnico Guillermo Stábile usou a mesma escalação: Julio Musimessi (Boca), José García Pérez (Racing), Pedro Dellacha (Racing), Eliseo Mouriño (Boca), Ernesto Gutiérrez (Racing), Francisco Lombardo (Boca) e o ataque rojo. Norberto Méndez (Racing), único remanescente de Wembley e maior artilheiro das Copas América (17 gols), substituiria Gutiérrez no decorrer do primeiro jogo.

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Lombardo, Mouriño, o técnico Stábile, Dellacha, Musimessi, García Pérez e Gutiérrez; Micheli, Cecconato, Lacasia, Grillo e Cruz, contra a Inglaterra; e a escalação argentina em WM

Já os escolhidos por Walter Winterbottom há 60 anos foram Ted Ditchburn (Tottenham Hotspur), Bill Eckersley (Blackburn Rovers), Tommy Garrett (Blackpool), Ray Barlow (West Bromwich Albion), Malcolm Barrass (Bolton Wanderers), Billy Wright (Wolverhampton Wanderers), Johnny Berry (Manchester United), Jack Froggatt (Leicester City), Tommy Taylor (Manchester United), Roy Bentley (Chelsea) e Redfern Froggatt (Sheffield Wednesday).

Taylor, um dos falecidos no desastre aéreo de Munique em 1958, abriu o placar, cabeceando um típico chuveirinho aos 41 minutos. No minuto seguinte, porém, veio o empate, na jogada que marcou a ocasião: Grillo saiu driblando pela esquerda e, sem ângulo, encobriu Ditchburn. “Pedi (a bola) a Lacasia e me fui. Não me recordo de quantos deixei no caminho. Já estava na área e me faltava ângulo para o arremate. Então, peguei por cima”, disse ele. Aos 57 minutos, Micheli virou a partida, e Grillo anotou 3-1 aos 78.

Lembrado também pela timidez fora de campo, Grillo afirmou, ainda sobre seu primeiro gol, que “de mil bolas assim, só uma se mete no gol. Creio que foram mais importantes os gols no Uruguai, quando os ganhamos por 2-1 e quebramos um tabu de 14 anos sem vencê-los” – na verdade, um tabu para clássicos em Montevidéu, onde também marcou duas vezes na dita vitória, em 1956.

A validade da partida hoje de 60 anos, contudo, é contestada pelos adversários. “A humilhação foi tanta que não figura em nenhum livro de história do futebol inglês”, garante a El Gráfico, em texto dedicado a Grillo em edição especial lançada em 2011 sobre os cem maiores ídolos da Albiceleste. A justificativa britânica é a de que os titulares não foram utilizados naquele jogo.

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Duas imagens diferentes com o gol de Grillo na Inglaterra

Porém, não só o uniforme oficial foi o usado como alguns dos derrotados já tinham renome na seleção: Ditchburn, Eckersley, Wright e Bentley estiveram na Copa de 1950. Wright também iria à de 1954, assim como Taylor. Foi, de certa forma, como as opções secundárias usadas pelo Brasil nas Copas América de 2001, 2004 e 2007 e em certos amistosos caça-níqueis da CBF.

A escalação inglesa para o dia 17 foi Gil Merrick (Birmingham City), Alf Ramsey (Tottenham e futuro técnico campeão mundial em 1966), Eckersley, Wright, Harry Johnston (Blackpool), Jimmy Dickinson (Portsmouth), Tom Finney (Preston North End), Ivor Broadis (Manchester City), Nat Lofthouse (Bolton), Taylor e Berry. Este outro jogo não seguiu até o final devido a fortes chuvas que levaram o árbitro Ellis a interrompê-lo aos 24 minutos, ainda sem gols, e encerrada-lo depois de outros 36 de espera.

A vitória de seis décadas atrás é tida como o primeiro grande triunfo argentino sobre uma seleção de alto porte de fora do continente (até ali, a Argentina enfrentara Portugal, Bélgica, Egito, França, Iugoslávia, Suécia, a própria Inglaterra, Irlanda e Espanha, algumas das quais só alcançaram alto prestígio mais tarde), sendo um alento na tumultuada situação política do país: em 1952, Perón fora reeleito, mas perdera Evita e enfrentava forte oposição. 14 de maio logo foi declarado “o dia do futebolista argentino” pelo sindicato da categoria. Já o Independiente forneceria outras vezes seu ataque à seleção.

Depois da Inglaterra, aquele quinteto também esteve junto em um 1-0 na Espanha, em Buenos Aires, em julho. Foram as únicas partidas de Lacasia na Albiceleste; seu posto no clube ficou com o malabarista Ricardo Bonelli em 1954 e, com este, a dianteira roja foi integralmente utilizada pela seleção em quatro de seus cinco jogos seguintes: 3-1 contra Portugal em Lisboa em 1954 (ano em que o clube fez 6-0 no Real Madrid em Madrid); e 5-3 no Paraguai, 4-0 no Equador e 2-2 com o Peru na Copa América de 1955, em que Micheli foi artilheiro e a Albiceleste, campeã. O torcedor rojo, porém, lembra com mais carinho de um 5-1 no Racing, ainda naquele 1953, com três de Grillo, um de Bonelli e outro de Cruz. Especialmente por ter sido na última rodada, tirando as chances de título que o grande rival ainda tinha.

Atualização em 18-06-2013: neste dia completaram-se quinze anos do falecimento de Ernesto Grillo e dedicamos-lhe um especial – clique aqui.

http://www.youtube.com/watch?v=fSQyOPwjRKQ

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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