Seleção

Messi, o escolhido

Foto por Matías Izaguirre

Desde Buenos Aires – No dia 7 de setembro deste ano, o Futebol Portenho acompanhou o triunfo da seleção argentina de futebol diante de seu similar do Paraguai por 3 a 1. O jogo, válido pelas eliminatórias da Copa de 2014,  foi em Córdoba e contou com mais uma espetacular atuação de Lionel Messi. Nossa equipe se fez presente com dois profissionais; um brasileiro e um argentino. Por mais estranha que possa parecer a situação, era a primeira vez que Matías Izaguirre – nosso colaborador portenho – acompanhava uma demonstração de Messi. Aliás, o que Messi faz não pode ser chamado simplesmente de atuação ou partida.

Vendo a imagem da felicidade estampada no rosto de um companheiro de profissão tão tarimbado, surgiu a ideia de que escrevesse algumas poucas linhas daquilo que pôde assistir com seus próprios olhos, sem nenhum recurso digital de televisão (com as vantagens e desvantagens que isso possa oferecer).

Em poucas horas, às 21 hrs, Messi estará em campo no estádio Malvinas Argentinas na cidade de Mendoza. Enfrentará o clássico rio-platense diante do tradicionalíssimo Uruguai de Forlán, Cavagni, Suárez, Lugano e companhia. As linhas abaixo servem de uma prévia daquilo que poderá ocorrer na noite de hoje.

Messi, o ecolhido

Por Matías Izaguirre;

Imagino qual a melhor maneira de falar do Messi, aquela que lhe faça justiçam a mais apropriada. Depois de um tempo, deixo de tentar. É um pouco menos que impossível. Pois ainda que tente, meu texto jamais poderia sequer aproximar-se a estes pequenos incêndios de arte que criaMessi quando vai com a bola grudada no pé.

Milhões de olhos se hipnotizam ante cada um de seus movimentos. Em todos os jogos acontecem o mesmo. Um mundo que não reconhece barreiras o sigue. E por um momento, diante da televisão, acontece o milagre. Todas as fronteiras que inventaram os homens ficam suspensas. As diferenças políticas, culturais, ideológicas e, principalmente, sociais passam a um segundo plano. Uma trégua de 90 minutos. E assim o vemos correr como um coelho, dando pequenos pulos, esquivando pernas. Acelerando, freando. Fazendo gols de todos os lugares. Genialidades de todos os dias. Um sorriso olhando para o céu e com os dedos indicadores para o alto.

E como já se disseram coisas, me atrevo a acrescentar o que acho, agora que finalmente o vi ao vivo, em Córdoba. Agora que fui privilegiado por ter visto algumas das melhores pinceladas de seu repertório (marcou um golaço de falta diante do Paraguai pelas eliminatórias). Não há nestas linhas nenhuma pretensão de originalidade. Falamos do Messi, qual originalidade seria maior do que mencionar o seu jogo?

Penso, então, que para falar de um artista, às vezes é lícito recorrer a outras ramificações da arte. Neste caso, o cinema. Quem tenha visto o filme Matrix, rapidamente se dará conta do que digo. Existe uma cena no final da primeira parte onde Neo (Keanu Reeves) luta com o agente Smith (Hugo Weaving) e parece morto. E de fato, cai. Mas se levanta. Revive. Consegue entender –de uma vez- do que está feita a matrix. E, o que é mais importante, não é que apenas compreende. Começa a acreditar. É uma questão de fé. E é porque acredita que pode ver todas essas intermináveis fileiras de números verdes, os algoritmos que regulam essa realidade simulada. Nesse momento, apenas por desejar e mover levemente a mão consegue que se detenham as balas, que caiam no chão como folhas secas. Um Smith furioso corre para destruí-lo, mas ao enfrentá-lo a velocidade de Neo mudou para sempre. Luta concentrado, mas sem fazer muito esforço. O agente Smith, em contrapartida,   dá tudo o que tem. É pouco. Sente-se tão patético como se um funcionário de escritório quisesse de verdade ganhar uma corrida contra Usain Bolt.

Tudo isso é Messi, senhores. Ao menos para mim. Vê aquilo que os demais não conseguem sequer conceber. Sonha desperto. Imagina possíveis passes, gols e jogadas antes que aconteçam. Cria. E depois, faz o que para outros jogadores da elite mundial –nem falemos de tipos comuns como nós- parece impossível. Vê todos os fios invisíveis que atravessam um campo de jogo, a combinação de todas as jogadas. E o faz com tanta naturalidade. Move-se a uma velocidade que, se impressiona pela televisão, melhor nem lhes digo ao vivo. É o escolhido. O tempo dirá se de todas as épocas ou não. Enquanto isso, enquanto jornalistas e invejosos de bem variada pelajem discutem, nós –que amamos o futebol- desfrutamos de seu imenso talento.

Porque em um futebol onde é bem corriqueiro que se tente tirar proveito de cada mínimo toque, de qualquer detalhe menor, ele nem sequer se incomoda em protestar. Não se queixa das grosserias. Não enlouquece os árbitros. Apenas joga. Às vezes, é verdade, passa alguns minutos “desconectado” da partida, mas em algum momento a bola chega até ele e algo acontece.

Apenas um milésimo de tempo avança devagar, como quando alguém se levanta no meio da noite, no escuro, para ir ao banheiro. Quase posso imaginá-lo adormecido, com os olhos apenas abertos, despenteado, adivinhando na penumbra o caminho. E vai com pantufas. O resto –companheiros, rivais, juízes, jornalistas, médicos e público- sabem que algo está por acontecer. Messe se parece muito à palavra certeza. Um milésimo depois, Messi acelera e já está remontando uma jogada de perigo. Os diários logo usaram adjetivos já muito gastos. Principalmente se a jogada termina em obra de arte. Outra vez o lugar-comum. E assim, passam os jogos e os rivais, que ficam atrás com uma facilidade espantosa.

Por sorte para a seleção argentina, há um tempo começou a acreditar que também nestas terras do sul pode ser especial. De novo, tudo se reduz a uma questão de fé. Pode porque acredita. Senão não se entende como como quando dois ou três rivais aparecem na sua frente, ele, sem duvidar, encara pelo meio. E, o melhor, acontece. Ainda não sei se isso será desafiar à física, mas se parece bastante. E, entretanto, seguimos dizendo que o que vemos nele é futebol. Somos conservadores. Não queremos inventar palavras. A fé é conservadora.

Dizem, que às vezes é melhor crer ou estourar…

 

Texto traduzido por Leonardo Ferro



Leonardo Ferro

Jornalista e fotógrafo paulistano vivendo em Buenos Aires desde 2010. Correspondente para o Futebol Portenho e editor do El Aliento na Argentina.

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