Quem a Argentina já utilizou do futebol brasileiro
Nesta quarta-feira de 19 de setembro, o corintiano Juan Manuel Martínez e o palmeirense Hernán Barcos, titulares do jogo contra o Brasil em Goiânia, tornaram-se os dois mais recentes jogadores que a seleção argentina aproveitou do cenário vizinho. Neste especial, o lembraremos então dos dez que os antecederam – praticamente um time inteiro, permitindo uma escalação com goleiro, defensores, meias e atacantes.
O pioneiro foi histórico por um motivo ainda mais abrangente: foi igualmente o primeiro que a Argentina aproveitou não apenas do futebol tupiniquim, mas do estrangeiro como um todo. Trata-se de um atacante que fez sucesso em um grande clube carioca nos anos 70 após ter pertencido e se saído bem no San Lorenzo na década anterior. Flamenguistas e tricolores poderiam supor tratar-se de Narciso Doval, mas este tivera sua única aparição na seleção em 1967, quando ainda estava nos azulgranas.
O jogador em questão é um ex-colega dele nos cuervos, Rodolfo José Fischer, do Botafogo. El Lobo tinha rivalidade no sangue: seus avós estavam em lados opostos na Primeira Guerra Mundial, tendo ele origem alemã na linhagem paterna e russo-polonesa na materna. Para completar, seu pai era um brasileiro – da imigração germânica – que posteriormente estabeleceu-se na Argentina, na província de Misiones, fronteiriça aos três Estados do sul do Brasil. Após um início irregular no San Lorenzo, firmou-se em 1967, ali chegando à seleção. Em maio de 1972, pouco antes de um amistoso contra o Paraguai no dia 25 (e a semanas do CASLA garantir o título Metropolitano), negociou com o alvinegro.
Foi contratado para suprir a ausência de Roberto Miranda. A viagem ao Rio de Janeiro para fechar o negócio nas vésperas da partida inclusive colocou Fischer em dúvida para a mesma, mas jogou e ali tornou-se o primeiro “gringo” da Albiceleste. Como ela preparava-se para a Taça Independência, organizada pelo Brasil para comemorar os 150 anos do grito do Ipiranga, manteve-se no selecionado, quando ainda respirava-se a proibição do sindicato de jogadores argentinos para a convocação de quem jogasse fora do país.
Como botafoguense, realizou outras oito partidas, até o fim do torneio, para depois não ser mais chamado pela Argentina, que por um tempo ainda manteve a tradição de deixar no ostracismo os “estrangeiros”. Não tardou a virar ídolo no Glorioso, mesmo integrando os tempos de jejum. O Botafogo foi vice-campeão brasileiro de 1972, com o torneio reservando um infernal 6 a 0 no Flamengo (no dia do aniversário do rival, em 15 de novembro) em que ele marcou duas vezes. Foi ainda semifinalista da Libertadores de 1973, com destaque para os gols que fez em cada encontro contra o Peñarol, na primeira fase. Vale ressaltar que passar dela já era uma dureza: só o primeiro avançava e o grupo reunia também Palmeiras e Nacional.
Fischer ficaria em General Severiano até 1975, passando pelo Vitória no ano seguinte. Ele, quarto maior artilheiro do San Lorenzo (141 gols em 272 partidas), para onde retornou em 1977, viria a tornar-se também o estrangeiro com mais gols no campeonato brasileiro, com 35, ultrapassando o próprio Doval. Esta marca foi sua por cerca de um quarto de século, sendo em 2003 superado pelo colombiano Víctor Aristizábal e hoje estando atrás também do sérvio Dejan Petković – com o detalhe de que jogou menos tempo e em torneios de menos partidas que estes, que desfrutaram do turno e returno contra todos da era dos pontos corridos.
O segundo, inversamente, estava esquecido na seleção no início da década de 70 e voltou especialmente para a Copa de 1974: Roberto Alfredo Perfumo. Considerado um dos melhores zagueiros centrais do futebol, surgiu no grande Racing dos anos 60, sendo uma das figuras da Equipo de José. Trata-se do conjunto que, em 1967, trouxe pela primeira vez à Argentina o título da Taça Intercontinental, após a única Libertadores vencida pelos blanquicelestes de Avellaneda.
Sua liderança lhe renderia a alcunha de El Mariscal (“O Marechal”), e uma boa amostra dela está no fato de ter sido capitão da seleção argentina em 25 de suas 37 partidas por ela, ter sempre sido titular e substituído apenas uma vez. Ele participara da Copa de 1966, estreando precisamente no último amistoso preparatório para o mundial da Inglaterra. Após a não-classificação para a de 1970 e uma crise financeira no Racing e na Argentina, Perfumo veio para o Cruzeiro. Precisava-se de um grande substituto para Procópio.
Marcou época em um time que já reunia Tostão, Dirceu Lopes, Brito, Piazza, Zé Carlos e outros, participando do tetracampeonato mineiro seguido entre 1971 e 1974, ano este em que foi vice-campeão brasileiro. Afastado da seleção desde que deixara seu país, as notícias de seu sucesso chegaram à comissão técnica argentina, que o convocou para o mundial da Alemanha, o primeiro em que a Albiceleste contou com “estrangeiros”.
Perfumo deixou Minas Gerais em 1975 para, veterano, tornar-se ídolo também no River Plate. O zagueiro de 33 anos venceu os dois títulos anuais (Metropolitano e Nacional), que quebraram em dose dupla uma seca de dezoito anos para os millonarios. Foi ainda vice-campeão da Libertadores de 1976, perdida justamente para os antigos colegas do Cruzeiro – onde, em 1994 e em 2006, foi eleito para o time dos sonhos em eleições promovidas pela revista Placar.
O terceiro veio em 1984, sendo o mítico Ubaldo Matildo Fillol. Ex-Racing e River Plate, tinha passado o segundo semestre de 1983 no Argentinos Juniors quando fechou com o Flamengo. Hoje, pode-se concluir que não fez um bom negócio: o time de La Paternal adentraria na fase mais brilhante de sua história (títulos argentinos em 1984 e 1985, ano em que venceu ainda a Libertadores) exatamente depois que El Pato saiu.
O Flamengo, bicho-papão brasileiro no início da década, vinha reformulando-se após as saídas dos “europeus” Zico e Júnior e do aposentado Raul, cuja vaga Fillol veio para ocupar, já que Cantarelli nunca se firmava na titularidade. Mas um conjunto que ainda reunia Mozer, Leandro, Tita, Adílio, Nunes e os jovens Jorginho e Bebeto continuava a ser temível, não se imaginando que só em 1987 seria outra vez campeão (ou não, para seus rivais e os torcedores do Sport).
O campeão mundial de 1978 ocupou os arcos daquele Flamengo em transição até 1985. Mesmo que sua passagem pelo Rio tenha sido considerada irregular, mais lembrada por algumas falhas, como rubro-negro ele integrou toda a campanha argentina nas eliminatórias para a Copa de 1986. Desta forma, foi o primeiro a manter-se regularmente na seleção mesmo jogando no Brasil. Ainda em 1985, deixou o país para jogar no Atlético de Madrid.
Ironicamente, mesmo participando ativamente do vice-campeonato na Recopa Europeia de 1986, em um raro momento de brilho na década do já decadente clube madrilenho, Fillol acabou preterido por Carlos Bilardo para o mundial: os arqueiros foram Nery Pumpido, Luis Islas e, surpreendentemente, Miguel Zelada – um obscuro ex-Rosario Central que vinha jogando desde 1979 no América do México, alimentando a anedota de que só foi chamado para servir de anfitrião para a delegação, pois nunca entraria em campo pela Argentina.
Só em 2000 um brasileño voltaria à seleção: Juan Pablo Sorín, o lateral-esquerdo do grande River Plate dos anos 90 – Libertadores de 1996, Supercopa de 1997 e quatro campeonatos argentinos constavam no currículo de Juanpi, além de já ser da seleção desde 1995, quando ainda estava no Argentinos Juniors. Contratado pelo Cruzeiro, ele teria três passagens pela equipe, ganhando a eterna idolatria cruzeirense na primeira, onde o próprio afirmou ter sido o auge da carreira. Já na chegada, participou do título da Copa do Brasil. Em 2000, também foi semifinalista do campeonato brasileiro. O clube inclusive terminara a fase inicial na liderança, perdendo para o futuro campeão Vasco a vaga na decisão.
O argentino teve o reconhecimento de melhor jogador de sua posição no torneio, recebendo a Bola de Prata da Placar. Após nove meses afastado da seleção (não só pela transferência, mas por ter, ainda no River, perdido a titularidade para Diego Placente), retornou a ela em junho de 2000 e manteve a assiduidade mesmo quando o time não foi tão bem, como em 2001, quando o campeonato mineiro foi decidido entre Atlético e o campeão América e, no Brasileirão, seu clube lutou para não cair.
Sendo a sua garra um dos principais atributos que conquistaram o torcedor e outro a sua habilidade ofensiva mesmo sendo um defensor, deixou a equipe da melhor forma possível: marcando o solitário gol de um título, a da Copa Sul-Minas de 2002 (ano em que vencera também o estadual), jogando a maior parte da decisão, contra o Atlético Paranaense, com um corte profundo no rosto após um encontrão com o adversário Gustavo. Nunca ter perdido os sete jogos que disputou contra um “outro” Atlético nessa primeira passagem também só lhe ajudou.
Assim como o “antecessor” Perfumo, Sorín foi a uma Copa do Mundo (a de 2002) vindo do clube mineiro e igualmente marcou presença na escalação dos sonhos do Cruzeiro na eleição de 2006 da Placar. Voltou duas rápidas vezes, em 2004 e ao fim de 2008, sem o mesmo brilho. Mas tanto apegou-se que escolheu a Raposa para realizar o seu jogo de despedida, contra o clube em que se formou e torce, o Argentinos Juniors, em 2009 (quando teve tempo para participar do título estadual) – e o Mineirão como cenário.
Entre 2005 e 2006, o Corinthians teve Carlos Alberto Tévez e Javier Alejandro Mascherano, que já vinham sendo estrelas internacionais antes de deixarem a Argentina, respectivamente pelos rivais Boca Juniors e River Plate – ainda em 2004, foram vice-campeões na Copa América e figuras nas Olimpíadas de Atenas, onde conseguiram um inédito ouro para a seleção.
Carlitos acertou com o Timão ao fim daquele ano e, nos primeiros meses, foi deixado de lado pela Argentina, tal como Sorín passara. Foi só após o meia-atacante realizar um convincente primeiro semestre, com os alvinegros já na liderança do campeonato brasileiro que acabaria conquistado, que El Apache voltou a ser chamado, em junho, para confrontos das eliminatórias.
Seu desempenho arrasador na metade seguinte do ano, em que foi o nome principal da quarta conquista brasileira corintiana (recebendo com justiça a Bola de Ouro), o manteve na delegação nos compromissos seguintes: mais eliminatórias, amistosos prévios para a Copa de 2006 e na convocação para o mundial, tendo se desligado do Corinthians pouco após o torneio. Masche, por sua vez, chegou ao clube paulista em julho de 2005, influenciado pelo amigo e amparado pelo sucesso do mesmo.
O raçudo zagueiro e volante começou bem, mas logo lesionou-se, porém, não participando ativamente da campanha do título. Seu respaldo na seleção, todavia, já era tal que foi chamado para a Copa de 2006, tendo voltado a jogar por ela justamente a dez dias da estreia no mundial e estando nas cinco partidas da campanha na Alemanha. Com o fim da lua-de-mel de Tévez com a torcida, deixou com ele o Parque São Jorge e juntos foram colocados por Kia Joorabchian no West Ham United ao fim de agosto de 2006.
Os três nomes seguintes foram fornecidos pelo Internacional, a partir de 2010, quando o clube estava uma verdadeira colônia argentina. O título da Libertadores, já insuficiente para o veteraníssimo goleiro Roberto Abbondanzieri, ressuscitou para a seleção os afastados Andrés Nicolás D’Alessandro e Pablo Horacio Guiñazú, peças-chaves do Colorado já há alguns anos – venceram com ele a Sul-Americana de 2008 e em 2009 foram vice-campeões brasileiros, com Guiñazú inclusive sendo premiado com a Bola de Prata como um dos melhores volantes.
D’Ale, a ser escolhido o melhor jogador sul-americano do ano de 2010 por conta do título continental vermelho, voltou à Albiceleste já no primeiro amistoso dela pós-Libertadores, em setembro. A carreira do meia declinara tanto que não vinha sendo chamado desde 2005, quando estava escondido no Wolfsburg, perdendo um lugar na Copa de 2006 que suas antigas exibições no River Plate pareciam garantir. Todavia, El Cabezón não se firmou totalmente em seu retorno, não sendo chamado nem mesmo para o Superclássico de 2012 – vale lembrar que ele até estaria no do ano passado, mas uma lesão o impediu.
Guiña, sim, participou do Superclássico de 2011, no que foi sua volta à seleção depois de oito anos, quando, credenciado pelo título do Independiente no Apertura 2002 (ainda hoje o último título nacional do Rojo), recebera algumas oportunidades de Marcelo Bielsa. Desde o jogo em Belém ano passado, o volante teve ocasionalmente novas chances: foi até relacionado nos jogos que a Argentina fez nas semanas passadas, pelas eliminatórias para a Copa de 2014, e volta para o Superclássico de 2012. Antes dele, porém, Mario Ariel Bolatti tornou-se o oitavo “brasileiro” na seleção argentina.
Este chegou a Porto Alegre no início de 2011 e, ao contrário dos dois compatriotas, já vinha sendo bem presente nas convocações argentinas, desde 2009. Integrara o último momento de glória do Huracán, no polêmico vice-campeonato para o Vélez Sarsfield no Clausura daquele ano, em que acabou também como o improvável herói da classificação para a Copa de 2010. Isto porque ele marcou o gol da vitória sobre o Uruguai dentro do estádio Centenário em um confronto direto pela última vaga sul-americana (os uruguaios, que não perdiam em casa para os rivais desde 1976, tiveram de se arriscar na repescagem).
Com isso, este outro volante não deixou de ser lembrado por Maradona para o mundial da África do Sul, quando já pertencia à Fiorentina. Sem se firmar na Itália, Bolatti veio para o Inter, onde chegou a ser comparado a Falcão após uma estupenda fase inicial – tanto que, apesar de ficar de fora da última Copa América, fora regularmente chamado para amistosos preparatórios do primeiro semestre de 2011. Ele esteve com Guiñazú no Superclássico de 2011.
O Superclássico do ano passado marcou a estreia do décimo dessa lista: Walter Damián Montillo. Ele chegara a defender as seleções de base em 2003, integrando o elenco do mundial sub-20 (sendo ali colega de Tévez e Mascherano e de outros argentinos que jogaram no Brasil, como Hugo Colace, Fernando Cavenaghi e Germán Herrera) após um promissor início no San Lorenzo, mas só veio a estrear pela principal no jogo em Belém pela partida de volta da nova Copa Roca, com o técnico Alejandro Sabella tomando notícia do grande sucesso do meia no Cruzeiro.
Montillo chegara a Belo Horizonte em 2010, após impressionar os brasileiros pela Universidad de Chile na Libertadores (o Flamengo tentou contratá-lo após ser eliminado por La U por conta de um golaço dele), impulsionando a Raposa, então em posição mediana, a um vice-campeonato nacional. Já no ano seguinte, em que foi campeão mineiro, salvou-se individualmente na combalida equipe que lutou contra o rebaixamento no torneio nacional.
Nas duas diferentes situações, ele faturou a Bola de Prata como um dos melhores de sua posição no Brasileirão. Embora tenha agradado a maior parte dos críticos na estreia pela seleção principal, acabou não tendo outras chances e apenas agora, novamente para o Superclássico, voltou a ser lembrado por Sabella. No entanto, ao menos no jogo desta quarta-feira, foi relegado ao banco e dele não saiu.
Ontem, El Burrito Martínez fez, além do gol argentino, o Corinthians ser uma das três equipes que mais cederam jogadores à Albiceleste (juntando-o aos três cada de Inter e Cruzeiro). Também passou a ser o primeiro a, pertencendo a um clube brasileiro, marcar pela Argentina sobre o Brasil. Já El Pirata Barcos tornou-se o primeiro vindo do Palmeiras na seleção e também o segundo a estrear por seu país a partir do futebol brazuca, depois de Montillo – com o diferencial de não ter integrado sequer selecionados juvenis. Vinha de duas convocações anteriores, para jogos das eliminatórias, mas ainda não havia entrado em campo.
Martínez já havia defendido a Argentina anteriormente, tendo estreado por ela em 2011, inclusive participando do Superclássico anterior. Este atacante recuado pertencia ao Vélez Sarsfield, compondo o bom tridente ofensivo com Santiago Silva (então em fase melhor) e Maxi Morález que conduziu os fortineros a um grande primeiro semestre no ano passado: o clube do bairro de Liniers faturou o Clausura e foi semifinalista da Libertadores, perdendo a vaga na decisão por triz – mais especificamente, por um pênalti perdido por Silva nos minutos finais, contra o Peñarol. Antes, em 2010, foi eleito o melhor jogador argentino que atuava em seu país.
Barcos, do seu lado, teve uma carreira mais errática. Veio das categorias inferiores do Racing, que o repassou para clubes de diversos países até vendê-lo à LDU Quito, em 2010. Já vinha de uma boa passagem no Equador quando defendera o Olmedo e voltou a fazer sucesso lá: anotou os gols do título da Recopa Sul-Americana do ano, em que foi também vice-artilheiro e campeão nacional. Atraiu o Palmeiras após ter sido também vice-campeão da Sul-Americana de 2011, perdida para a sensação Universidad de Chile, com uma naturalização equatoriana sendo sondada. Saindo-se bem nos bons (título da Copa do Brasil) e maus momentos (a ameaça de rebaixamento) do conjunto alviverde, conseguiu chamar a atenção de Sabella.
Atualização após a matéria: em 12-03-2013, Montillo passou a jogar pela Argentina como jogador do Santos. À altura de 2016, segue sendo o único que defendeu a Argentina vindo de dois clubes brasileiros.
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