Especiais

Trinta anos da primeira Copa do Mundo de Maradona

Maradona, que estreara pela Argentina contra os húngaros, neles fez seus primeiros dois gols em Copas, na boa recordação que tem de 1982

Não pôde ser em 1978. Foi em 13 de junho de 1982 o dia em que o mais celebrado jogador argentino experimentou a primeira de suas 21 partidas mundialistas. Trinta anos atrás, uma Copa que lhe terminaria amarga já começava do mesmo jeito, mesmo em uma equipe que combinava o bom time vencedor quatro anos antes com as promessas consistidas nele e em Ramón Díaz, campeões do mundial sub-20 de 1979.

Mesmo em uma época em que os campeonatos pelo mundo estivessem bem longe de ter seu desenrolar repassado globalmente quase que de forma instantânea, Diego Armando Maradona já era famoso em todo o planeta, das praças e calles portenhas para os fechados países comunistas – seu debute pelo selecionado fora contra a Hungria, em 27 de fevereiro de 1977, e até o mundial, já havia jogado contra a Romênia, Polônia e, duas vezes, contra Bulgária, Tchecoslováquia e União Soviética, dentre as 29 aparições com a camisa alviceleste que já tivera até então.

Vendido como o mais habilidoso jogador da seleção detentora do título (ele já era chamado de El Pibe de Oro na época), a mídia em torno dele só poderia aumentar com o acerto com o Barcelona, fechado às vésperas do mundial. Dieguito já deveria ter ido jogar no exterior antes: fora mantido tanto tempo no Argentinos Juniors por conta do ilustre torcedor Guillermo Suárez Mason, general morto em 2005 com mais de 250 acusações de sequestro, desvio de dinheiro público, assassinato e crimes contra a humanidade. Mason também era membro da infame loja maçônica italiana P2, relacionada a diversos escândalos de corrupção e até na morte do Papa João Paulo I.

O padrinho do pequeno clube do bairro de La Paternal usava para o time recursos da estatal petrolífera, conseguindo segurar o astro até 1981, quando acertou-se um empréstimo ao Boca Juniors. Nove dias depois da assinatura com o Barcelona, ocorrida no dia 4 de junho (Mason supostamente teria recebido comissões nos dois contratos), Maradona já estaria jogando no Camp Nou, na partida contra a Bélgica que abriu a Copa do Mundo de 1982.

A estreia mundialista frente aos belgas rendeu uma das mais famosas imagens de Maradona (à esquerda), mas também suas primeiras frustrações no torneio

Um estrangeiro mais atento notaria que, após vencer o Metropolitano de 1981, o Boca Juniors de Maradona ficara de fora das fases finais dos dois torneios argentinos que se seguiram, dois campeonatos nacionais em sequência. O River Plate vencera o do segundo semestre de 1981, enquanto o do primeiro semestre de 1982 seria faturado, com a Copa em curso, pelo Ferro Carril Oeste.

Além disso, seu último gol pela seleção fora no 1 a 1 contra o Brasil pelo Mundialito de 1980, cinco jogos antes do realizado há três décadas. Teriam se passado os tempos em que Diego justificava estádios cheios para vê-lo no Argentinos, onde até 1980 fora goleador máximo de cinco campeonatos argentinos (um recorde, sendo quatro deles seguidos, outra marca), enquanto em seus três semestres no Boca não conseguira uma artilharia sequer neles?

Mas, na estreia, Maradona exibiu todo o seu repertório de dribles e jogadas plásticas, com direito a uma bola na trave em cobrança de falta. O que poderia ser um bom prenúncio, o placar final fez com que se voltasse contra ele. A Bélgica venceu por 1 a 0, com um gol (em impedimento) de Erwin Vandenbergh.

A plateia argentina, já deprimida com a humilhação na Guerra das Malvinas (a capitulação seria anunciada um dia depois, às 23:59 de 14 de junho), preferiu voltar-se contra o astro em vez da violência dos adversários, a agirem como verdadeiros Diables Rouges ao repetidamente chutarem, empurrarem e derrubarem o jovem; e ao árbitro tchecoslovaco Vojtech Christov, impassível às agressões belgas.

“Maradólar” teria feito diversas jogadas individualistas que acabaram sem objetividade com o intuito de justificar aos que seriam seus espectadores no Barça os 8 milhões de dólares que o clube da Catalunha pagara por ele, duramente criticados por um futuro colega de equipe, Quini: “nada que jogue futebol vale 8 milhões de dólares”.

Naqueles tempos, era uma quantia assombrosa por um jogador. Apenas três anos antes havia ocorrido a primeira compra acima de um milhão, quando o inglês Trevor Francis fora do Birmingham City para o Nottingham Forest, o suficiente para ser rotulada como “o equivalente no futebol da quebra da barreira do som”. Para os pessimistas, o dinheiro teria subido à cabeça do oriundo da favela de Villa Fiorito – Maradona até pagara as despesas de estadia de vinte familiares para acompanhá-lo no mundial.

O segundo jogo foi contra a Hungria, que vinha da maior goleada de todas as Copas: um 10 a 1 sobre El Salvador com direito ao primeiro hat trick de um reserva na história da competição, László Kiss. Em Alicante, Maradona não jogou muito diferente do que contra os belgas, o que pode ser notado por quem tiver a paciência de comparar os dois primeiros vídeos que seguem ao final do texto. Só que, dessa vez, as coisas funcionaram, incluindo seus dois primeiros gols em Copas.

O primeiro foi bem chorado: aos 28 do primeiro tempo, dois minutos após Daniel Bertoni ter aberto o placar, o ponta da Fiorentina quase fez seu segundo ao chutar cruzado. Ferenc Mészáros espalmou mal no lance, e um Maradona a galope e acossado por um húngaro completou de cabeça na pequena área a bola que lhe sobrou. O segundo tento de Dieguito já foi mais fruto de habilidade própria. Tabelou duas vezes com Mario Kempes e, de fora da área, fuzilou o goleiro magiar.

A partida contra a seleção contra a qual debutara por seu país cinco anos antes terminou em um empolgante 4 a 1 para os ressuscitados campeões mundiais, que, também em Alicante, venceriam os salvadorenhos por 2 a 0 sem maiores complicações.

Os resultados levaram a Argentina de volta a Barcelona, já em febre por conta do novo reforço do principal clube local. Assim como nas duas Copas anteriores, haveria uma nova fase de grupos em vez de mata-matas na segunda fase. O “da morte” foi composto pela Albiceleste, pelo deslumbrante Brasil e por uma então opaca, mas sempre respeitada, Itália, para três jogos entre si no então estádio do Espanyol, o hoje demolido Sarrià (com acento grave mesmo, conforme o nome original em catalão).

Contra a Azzurra, Maradona voltou a ser anulado. Não por um time inteiro ou por Marco Tardelli, sobre quem declarara ser o jogador mais violento da Copa, mas por uma severa marcação individual de um zagueiro ironicamente chamado Claudio Gentile. Conforme as duas imagens anteriores, Il Gheddafi (o defensor da Juventus nascera na Líbia, ex-colônia italiana) colou em El Diez, em um espetáculo de coices do início ao fim, incluindo um dentro da grande área.

Entretanto, assim como contra os belgas, a violência para cima de Diego não foi punida. Pior: quem receberia cartão seria ele, cujos protestos, para o árbitro romeno Nicolae Rainea, estavam enérgicos demais. A Argentina perdeu por 1 a 2 e ficaria obrigada a vencer os rivais brasileiros para seguir com chances. O reserva Franco Causio futuramente esclareceria que Gentile, por conta da atuação diante de Maradona, seria, em vez daquele mesmo Tardelli, o escolhido para marcar Zico (com quem Causio jogaria na Udinese), outro a sofrer nas mãos e pés do impune bigodudo.

O lance que originou sua expulsão e ele retirando-se cabisbaixo, consolado por Tarantini

No clássico sul-americano, El Pibe e os demais argentinos, com os nervos à flor da pele, não foram páreos para os brasileiros, que, apesar das falhas defensivas, vinham demonstrando o melhor futebol da Copa e defendiam uma invencibilidade de doze anos contra a Albiceleste. Frustrado e já com o jogo em 0 a 3 para os canarinhos – o belo gol de honra de Ramón Díaz só viria aos 45 minutos do segundo tempo -, Maradona, aos 37 da segunda etapa, perdeu a cabeça e intencionalmente desferiu um chute nas partes íntimas de Batista.

Assim, sua saída de campo e da Copa do Mundo de 1982 veio em uma melancólica expulsão em decorrência da falta covarde no volante do Grêmio, erro que ele admitiria já pouco após a partida: “Realmente agredi Batista. Tinha de ser expulso, e estava excessivamente nervoso. E como não estar? A gente sofre marcação violenta, nos dão pontapés. (…) Não creio que tenhamos acabado, a questão é que somos massacrados em campo e fora dele”.

Depois do mundial, Maradona seguiu na cidade de Barcelona, não sem mais traumas (chegou a precisar de psicólogo inicialmente). Uma estadia de altos e baixos nos blaugranas e confusões o fariam sair pelas portas dos fundos, para o pequeno time italiano do Napoli, em 1984. Mas ainda precisaria enfrentar a pecha de ser apenas um bom e malabarista jogador até a Copa do Mundo seguinte. Seria só a partir do México e do que faria e conseguiria em seguida na principal equipe da Campânia que Diego passaria a ser Deus aos olhos de muitos.

httpv://www.youtube.com/watch?v=g3mZfmBqlyg

httpv://www.youtube.com/watch?v=64pLXRN_XCM

httpv://www.youtube.com/watch?v=VrCwT9BBSwc

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

7 thoughts on “Trinta anos da primeira Copa do Mundo de Maradona

  • Willian Alves de Almeida

    SENSASCIONAL, TE AMO D10S

  • Caio Brandão

    Ainda não tão sensacional, ao menos em Copas, hehe. Era algo que deixava no ar que ia explodir, mas não acontecia. Uma bom exercício de imaginação sobre como era Maradona antes e depois de 1986, para quem não viveu a época, é compará-lo ao Robinho.

    O brasileiro teve altos e baixos no Real Madrid, de onde saiu dos fundos dois anos antes da Copa de 2010 (Maradona saiu do Barça assim, em 1984) para um tradicional, mas pequeno e pouco vencedor time celeste da liga mais forte do mundo, o Manchester City (Napoli, no caso de Maradona). Até 2010, depois de dois anos da troca, não conseguiu muita coisa no novo clube, assim como o argentino no calcio até 1986.

    Agora, imagina o Robinho protagonizando uma conquista brasileira na África do Sul, como Diego fizera no México. E, na temporada que se seguiu ao mundial, levando o City ao título inglês e da FA Cup (o Napoli foi campeão italiano pela primeira vez na temporada 1986-87, quando venceu também a Copa da Itália).

    Foi mais ou menos essa a trajetória do Maradona (que teve ainda a Copa da UEFA de 89 e um segundo título italiano em 1990 antes de decair). Ele já tinha feito sucesso na terra natal, mas só virou uma certeza mundial no Olimpo da Bola a partir de 1986, depois de várias cabeçadas até chegar lá. Infelizmente, o Robinho continuou um craque irregular (mesmo quando até vai bem, não empolga mais) e a carreira dele desgringolou em relação ao que poderia ter sido ou estar sendo.

  • Navarro Montoya

    Digam o que quiserem, mas Maradona foi o maior. Ninguém nunca uniu tanta genialidade e talento com alma, brio e huevo dentro das quatro linhas.
    Maradona ao contrário de Pelé e Messi jogou no futebol italiano(em seus grandes tempos), futebol este mil vezes mais difícil de se jogar, futebol este conhecido por sua escola de zagueiros e sistemas defensivos.
    Ao contrário de Pelé que jogava em um time da região mais rica do Brasil e de Messi que joga na poderosa equipe Catalã, Dom Diego fez história em uma esquadra de uma região e uma cidade discriminada historicamente na bota.
    Se tirassem Pelé tanto do Seu Santos quanto da seleção de 70, mesmo assim seus companheiros conseguiriam as glórias que conquistaram, a seleção de 70 com Pelé ou sem Pelé seria campeã e o santos de coutinho, pepe e etc cosegueria seus triunfos. Já o mesmo não pode-se dizer em relação ao Napoli, que por mais que tivesse bons jogadores, sem Maradona não conseguiria nada no futebol Italiano contra tantas equipes poderosas. E a Albiceleste sem el pibe de oro também não conseguiria ser campeã em 86.
    Olê,olê,olê,olê, Diego,Diego!
    “O mamma mamma mamma, o mamma mamma mamma, sai perché mi batte il corazon? Ho visto Maradona, ho visto Maradona, eh, mammà, innamorato son”

  • Caio Brandão

    Agradeço o prestígio aqui e em outros textos meus e do site, Navarro! Mas não me leve a mal agora. Mesmo admirador do futebol argentino e colaborador deste site, para mim Pelé continua o maior, e olhe que acho a pessoa dele, como Edison, abominável, assim como não sou santista. Mas não consigo deixar de constatar que, tecnicamente, a única coisa em que Diego podia mais com o Rei era no uso da perna esquerda. Lógico que fazia chover, mas Pelé era um jogador muito mais completo, com um arsenal maior para o jogo.

    Quem disse que os principais torneios ESTADUAIS brasileiros deviam em nível alguma coisa aos italianos (historicamente, o mais forte europeu) nos anos 60? Vale lembrar que a Europa, mesmo com seus 40 e poucos países, cabe quase inteira dentro do Brasil, um país continental (a Itália, por exemplo, é do tamanho do Rio Grande do Sul). Os campeonatos estaduais, além de alto nível, eram valorizados como verdadeiros nacionais. E Pelé venceu dez em um dos principais deles.

    Se o Napoli do Maradona era um clube tradicional mas desfavorecido, o Santos também o era: antes de Pelé, dois títulos paulistas para a equipe da Baixada. Até se recuperar no novo milênio, venceu apenas mais um (1984) depois da saída dele. Será mesmo que o pessoal da Vila chegaria a tanto sem o astro? Isso sem mencionar Taça Brasil, Libertadores, Intercontinentais…

    O argumento de que ele era rodeado de craques, para mim, só o realça: ele era o Rei em uma época da maioria dos maiores craques do século XX – Beckenbauer, Cruijff, Yashin, Eusébio, Di Stéfano. Em que pese a enorme qualidade dos rivais de Maradona, Platini, Zico e Van Basten estão um degrau abaixo destes monstros.

    E será que o Brasil teria alcançado os títulos de 1958 e 1970 sem ele (em 1962, decididamente foi, assim como os argentinos sem o Pibe em 1978)? Futebol não é ciência exata. Não dá simplesmente para eliminar seus gols e dizer que um Brasil com complexo de vira-latas venceria França e Suécia por 3 a 2 em 1958.

    Mesmo em 1970, será que Jairzinho, Rivelino e Tostão teriam feito tanto se a marcação não estivesse mais preocupada com a grande personalidade em campo? Pois, se o Rei não jogou profissionalmente na Europa (e aí eu digo: o azar não foi o dele. Foi dos europeus), cansou de fazer maratonas com o Santos por lá e em todo o canto do mundo. Os amistosos contra “o time mais forte do mundo” haviam de ser sempre encarados como verdadeiras finais pelos oponentes. E era raro os brasileiros, com seus OITENTA jogos anuais, darem-se mal.

    Por fim, uma cena de um dvd que tenho do Maradona pelo Napoli. Indagado em 1989 ou 1990 (não sei a data de cor) se era maior que Pelé, afirmou categoricamente que o brasileiro era insuperável, até sem graça com a pergunta, mesmo naquela época em que o cetro era indiscutivelmente do argentino. Uma humildade e senso de realidade que, pelo jeito, se perderam com as “dorgas”. Pois, por elas e outros motivos, também acho a pessoa de Diego nada louvável.

    Grande abraço e siga nos acompanhando!

  • Navarro Montoya

    Grande Caio Brandão!!!
    Realmente na questão dos estaduais que vc levanta, me fez refletir, e é verdade, os estaduais no tempo do Pelé era incoparavelmente mais forte e mais equilibrados do que os dos dias de hoje e os títulos conquistados naquele período devem ter um peso maior. Então méritos pro grande Santos de Pelé.
    Respeito a sua qualificada opinião de que o Rei foi o melhor de todos, e a minha opinião é flexivél em relação a esté polêmico assunto, sempre que discuto com alguém sobre isso, ouço os que Pro Pelé dizem, mas ainda ninguém conseguiu me convencer…. Pra mim Maradona é o maior!!!
    Agora reflita, imagine o contrario… Se Dom Diego tivesse jogado no Santos de Pelé, e o rei tivesse jogado no Napoli dos anos 80….. Se Maradona fosse Brasileiro e tivesse jogado com tustão, garrincha, rivelino e todos os outros, e se Pelé fosse Argentino e tivesse jogado na seleção de 86, ou na de 90 com Caniggia….
    E como disse anteriormente ninguém nunca uniu tanta genialidade e talento, ainda que seja em uma pequena perna esquerda só, como Maradona, e fora o lado técnico a alma que Maradona entrava na cancha era diferente de tudo o que já vi… No mais valeu!!!! Muito bom este saite!!!!!!!!!!!!!

  • Colorado SC

    Em 24/08/1982, o INTERNACIONAL Venceu (nos penaltis apos empatar em 0 x 0) o Barcelona de Maradona e Shuster no Camp Nou, com mais de 100.000 torcedores do barça, pelo torneio Joan Gamper. Em seguida, o COLORADO bateu o Manchester por 3 x 1 e se tornou o único time não europeu ( até hoje!) a vencer o Gamper. Considerando o mundial de 2006 em que o Inter venceu de novo o “super barça”, e o empate em 2 x 2 em 2011 pela Copa Audi, podemos atribuir ao poderoso Barcelona o título de “FREGUÊS COLORADO”. VAMO VAMO INTERRR!!! O Matador de Europeus!!

  • Pingback: Diego Maradona: As melhores 32 histórias do craque argentino em nosso site

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

nove + catorze =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.