Gimnasia y Esgrima de La Plata: 125 anos do decano argentino – parte II
Continuamos com as comemorações do cumple do Passeio do Bosque de La Plata. Nesta parte, abordaremos o momento em que o futebol saiu do ginásio e foi para o campo, ao ar livre. Também as primeiras disputas, no que foi a primeira temporada da equipe em uma competição oficial. As surpresas alegrias e por fim o sofrimento em razão de as portas do clube se fechar ao futebol, em 1905. Tudo isso tendo como pano de fundo a fundação da nova capital da província de Buenos Aires, a cidade de La Plata.
O espírito do futebol irrompe no clube e o torna popular e massificado
Foi dito que o futebol era praticado no clube até 1901 somente na modalidade interna e de ginásio, o que hoje seria o futsal. A partir do primeiro ano do século passado, o esporte bretão foi às ruas graças ao aproveitamento de alguns terrenos cedidos ao clube pelo governador Bernado Irigoyen. Então, realizou-se a primeira partida de futebol na cancha destacada no post anterior. Apenas um jogo besta entre duas equipes de sócios. Nada mais. Porém, este foi não somente o momento oficial em que o futebol de campo se iniciou na instituição do Bosque. Foi a representação de muito mais que isso. De muitas outras coisas.
As origens de La Plata e sua implicação na massificação do Lobo
Até 1880, a cidade de Buenos Aires era a capital do país e também da província bonaerense. A partir desta data, foi decretado que Buenos Aires seria somente a capital federal, o que deixava a província de La Plata órfã de seu centro administrativo. Contudo, essa situação não foi bem aceita pelos provincianos, que nutriam um profundo orgulho de sua cidade principal. De repente ela foi como que “sequestrada” e cedida ao controle federal. Disso resultou duas coisas. Uma delas foi uma profunda revolta – que quase originou uma guerra civil -, o ressentimento e o sentimento de vingança. Este último, como um braço de certo complexo de inferioridade que começava a se expandir nos corações dos bonaerenses.
A outra, foi a necessidade de correr atrás do prejuízo e construir rapidamente um outro centro administrativo. Um edital foi anunciado nos quatro cantos do mundo sobre a necessidade de se recrutar arquitetos e engenheiros para o desenho dos principais prédios públicos e do seu entorno. Da mesma forma, um número grande de operários passou a ser bem-vindo no pasto de La Ensenada, pouco habitado, à época, por nativos.
Dois anos depois, em 23 de outubro de 1882, a cidade de La Plata foi inaugurada e oferecida à província como uma espécie de pérola que em nada deixava a desejar em relação à então capital federal do país.
Pois bem, construída e inaugurada, a cidade se ressentia de sentidos, que também precisavam ser edificados, já que a nova capital não tivera infância e nem passado. Isto em relação a tudo, inclusive quanto aos costumes sociais. De um lado estavam os ricos, políticos e funcionários do governo. Também parte considerável dos arquitetos e engenheiros, que resolveram adotar a cidade para viver e crescer com ela. O Gimnasia foi idealizado por essa gente e para a sua diversão.
De outro lado estava o povo, quase sete mil pessoas para quem ninguém pensava em nada. Além disso, os crioulos foram beneficiados então com a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias, o que lhes permitia dispor de um tempo ocioso para alguma diversão. Aos poucos, essa população começou a garimpar algum terreno dos aristocratas, em um processo que ocorreu na Argentina, na província de Buenos Aires, na cidade de La Plata e no clube Gimnasia y Esgrima. E no plano do futebol, isso significava uma maior apropriação do esporte em relação aos ingleses. E esse povo novo, os crioulos, que reivindicavam espaço, tinha uma particularidade.
Em seu temperamento havia o elemento da agressividade, da impulsividade, do fervor exacerbado. Uma energia poderosa e por vezes obscura, que poderia ser canalizada para quaisquer coisas. Essa energia não era irmã da estratégia ou do cálculo frio de um esporte, por exemplo, como a esgrima. Assemelhava-se ao contato ríspido, ao choque e à luta corporal. Também era irmã da velocidade, da continuidade, do movimento que se processa até o esgotamento físico.
O esporte que combinava com tudo isso era o bretão. E duas coisas facilitaram o processo. O fato de o Gimnasia passar a praticá-lo ao ar livre e também a existência de inúmeros terrenos baldios por todos os cantos e também no entorno da cancha do Lobo, os chamados potreros.
Ora, toda essa energia “escura” era contrária à cordialidade com que os britânicos queriam dotar o futebol. Por este motivo, vários clubes ligados aos ingleses vão desaparecer ao mesmo tempo em que o futebol crioulo, com seus clubes, vai ocupando o seu lugar. Nascido com pedigree, o clube do Bosque há de abraçar o caráter crioulo do futebol local para continuar a existir. Só que esse processo era travado já no clube ainda antes de ele deixar o ginásio pelo ar livre.
A mudança por dentro
Um grupo de senhores que apreciava o futebol pelejava internamente para que o clube se voltasse ao esporte. Foi esse grupo o responsável pela adoção de sua prática internamente. Foi ele que batalhou até que o deporto fosse para fora dos muros do ginásio. Foi ele que incentivou e apresentou ao governador Irigoyen a proposta de incentivo a esse e a outros esportes ao ar livre. Situação que tornou possível a doação ao clube dos terrenos para a prática do futebol de campo.
Nem um deles era ligado ao povo. Mas era como se estivessem adivinhando o que poderia ocorrer. Não se tornasse o Gimnasia um clube de futebol e era possível até que o Lobo não existisse hoje. Mas que isso: abriram caminho para a verdadeira identificação tripera com o caráter mais essencialmente argentino do esporte: o seu aspecto crioulo.
As primeiras partidas e 1905, o ano do começo e do fim
A resposta popular foi imediata. Todo mundo gostava de futebol e torcia pelo Mens Sana na cidade. As partidas amistosas foram se sucedendo. Em 1905, então, o clube associou-se à Argentine football Association. Foram seis partidas na própria cancha. Nada menos que cinco vitórias e um empate.
Foram anotados 31 gols e sofridos apenas nove. Na estreia, uma vitória de 1×0 sobre a Associación Atléctica de Medicina. No elenco, nomes até hoje conhecidos no clube: Ramsay; Moreda e Roberts; Brocar, Larrain e Guesales Ferrando; Jalour, Sachten, Tolosa, Tellechea e Islas. Desses, o tacante Islas era banco.
Instaurada a competição, o clube foi para o zonal III da terceira divisão, que compreendia um total de oito disputantes. Nada da aberração de mata-a-mata. As disputas eram por pontos corridos e as partidas e em turnos de ida e volta. Vejamos como foi toda a temporada do Gimnasia em 1905.
Gimnasia 1×0 Asscociación Atléctica de Medicina
Local: La Plata. data: 05/05/1905. Primeiro gol: Sachten.
Villa Ballester 4×1 Gimnasia LP
Local: Villa Ballester; data: 21/05/1905; às 14:30
Gimnasia La Plata 5×1 Porteño A.
Local: La Plata; data: 28/051905
River Plate 3×2 Gimnasia La Plata
Local: Darsena Sul; data: 01/06/1905.
Catedral Norte 5×1 Gimnasia
Local: Adrogué; data: 04/06/1905.
Gimnasia La Plata 8×0 General Belgrano
Local: La Plata; data11/06/1905.
Asociación Atlética de Medicina 0x1 Gimnasia LP (primeira vitória como visitante).
Local: Darsena Sur (cancha do River); data: 02/07/1905.
Gimnasia 10×1 River Plate (virou 5 e terminou 10).
Local: La Plata; data: 09/07/1905; às 14h00.
Colegio Militar 0x0 Gimnasia (não houve a partida e o Lobo ficou com os pontos).
Local: seria na cancha do Colégio Militar, que no entanto abandonou a competição justamente naquela data.
Porteño 3×3 Gimnasia LP
Local: cancha do Porteño; data 30/07/1905.
Gimnasia 0x0 Colégio Militar (não houve partida, o Lobo ficou com os pontos).
Local: La Plata; data: 05/08/1905.
Gimnasia 3×1 Catedral al Norte (última partida na cancha).
Local: La Plata; data: 12/08/1905.
Gimnasia 1×3 Villa Ballester
Local: o Lobo atuou em uma cancha improvisada nas ruas 51 com 20; o local era de propriedade do Club Friends, que disputava um outro zonal; data: 11/09/1905.
General Belgrano 0x0 Gimnasia LP (o Lobo já começava a viver suas crises e não se apresentou para o jogo). O Belgrano ganhou os pontos.
Local: cancha do General Belgrano; data: 17/09/1905.
Tabela final do zonal, que apresentou o Villa Ballester como o campeão:
EQUIPES |
J. | V. | E. | D. | G.F. | G.C. | PONTOS |
Villa Ballester | 14 | 10 | 3 | 1 | 30 | 12 | 23 |
Porteño | 14 | 10 | 1 | 3 | 46 | 29 | 21 |
Gimnasia y Esgrima La Plata | 14 | 8 | 1 | 5 | 36 | 21 | 17 |
Catedral al Norte | 14 | 7 | 2 | 5 | 22 | 25 | 16 |
General Belgrano | 14 | 8 | 0 | 6 | 20 | 29 | 16 |
Asociación Atlética de Medicina | 14 | 4 | 2 | 8 | 14 | 35 | 10 |
River Plate | 14 | 4 | 1 | 9 | 16 | 41 | 9 |
Colegio Militar | 14 | 0 | 0 | 14 | 0 | 20 | 0 |
O título do zonal III ficou com o time do Villa Ballester, que embora tenha vencido a competição, não ficou com o caneco, que coube à equipe C do Alumni, o clube mais poderoso da época. O terceiro posto local foi um feito notável para o GELP. Além do mais, conseguiu a maior goleada da sua história justamente na primeira temporada. Já contam longínquos 107 anos desde aquela tarde em que o River apanhou feio do Lobo, sem que jamais, na história, conseguisse descontar essa diferença. Notável também era a visível força dos triperos dentro de seus domínios. Foi apenas uma derrota em casa, para o campeão do zonal III. Uma só. Mas ela não ocorreu por acaso.
Poucos dias antes do duelo contra o Porteño, a equipe já sabia que ficaria sem o seu estádio. A Universidade local seria nacionalizada. No projeto de ampliação estava o uso do terreno onde o clube do Bosque tinha a sua cancha. No local seria construído mais um campus universitário, que caberia à Faculdade de Física e Matemática, além de um espaço menor que seria disposto à construção do Colégio Nacional. Até então, o Lobo não empatara nenhuma partida nem dentro nem fora de casa, o que aconteceu justamente no cotejo diante o Porteño.
O jogo seguinte era o último na cancha que fez do Mens Sana uma equipe de massa. Era a despedida e fazia por bem que levantasse o ânimo e vencesse pela última vez diante de seus torcedores. Fez 3×1 sobre o Catedral al Norte, mas o elenco não teve o menor ânimo de comemorar o triunfo. Na partida seguinte, que seria também diante da torcida tripera, o clube atuou na cancha do Friends. Perdeu por 3×1 para o Ballester, no que foi a única derrota “em casa” na competição.
Teria ainda um último jogo, como visitante, contra o General Belgrano. Sequer se somaram os onze titulares para ir ao encontro. Conta-se que um dos atletas foi encontrado caído próximo a um terreno baldio, todo sujo e bêbado. Alguns dizem que era o zagueiro albiazul, Lartigue; outros, que era o meia Posadas. Não se sabe bem. De qualquer forma, os dois jogadores, embora ainda não existisse a rivalidade de hoje, recusaram terminantemente a vestir a camisa de um outro time, recém-fundado, para onde se dirigiu a maioria do elenco tripero.
Do seio do Gimnasia, portanto, nasceria o seu maior rival histórico. Mais que isso, a equipe que seria uma espécie de espelho onde o clube do Bosque veria nas conquistas do rival a sua própria história de frustração e de dor. Não porque o rival não fosse um merecedor das glórias futebolísticas. Mas porque, no Bosque, em 125 anos de história, uma sensação sempre conviveu com as frustrações, a de que o Mens Sana também poderia conquistar grandes títulos, já que nunca fizera menos do que o outro para chegar à glória. Esse rival era o Clube Atlético Estudiantes, a costela-de-Adão do velho Lobo do Bosque de La Plata.
GRANDE MATÉRIA! AINDA BEM QUE EXISTE ESTE SITE, POIS PROPORCIONA APRENDER MUITO SOBRE O FUTEBOL ARGENTINO!
Sensacional cara, show de bola mesmo.
Parabéns ao site Futebol Portenho por mais esse texto rico de informações!!!
Os amigos aí dos comentários disseram tudo. Grande matéria. Mais uma que mostra a diferença editorial deste site em relação aos meios argentinos. Eu não vi nenhuma homenagem como essa ao Gimnasia, isso porque o club est[a fazendo 125 anos.
Ah, detalhe, essa forma como vc apresentou o fim da equipe em 1905 e o nascimento do Pincha foi demais, de arrepiar.
SENSASCIONAL!!!! LOOOBO! LOBO!!!!
Show demais este texto, deve ser uma dor enorme para os triperos ver o Estudiantes com uma história vencedora na Argentina, e saber que o time foi criado de dentro do Gimnasia.
Eu gostei dos detalhes. Só uma dúvida, a pontuação do gimnasia não está errada?
Opa, valeu pelo toque, L. Carlos. A tabela entre empates e derrotas estava invertida. Vale lembrar que, na época, as vitórias valiam 2 pontos (empates, como atualmente, 1).
Parabéns pelo maravilhoso e riquíssimo texto. Uma pergunta: Vai ter continuação do texto contando mais da história do Lobo? Seria ótimo uma resposta positiva, pois fiquei com um gostinho de quero mais!!! Abraços a todo o pessoal do site FP!
Sim, meu caro. Vamos dar sequência ao aniversário do Lobo. Amanhã talvez tenhamos a 3ª parte. Grande abraço.
Muito bom este site!
Os Triperos nao sentimos dor pelos poucos logros do nosso futebol profisional.
Ao contrario (deixo poruñol!), los escazes de logros nos han enseñado que es lo realmente importante: SER UNO MISMO. Campeón puede ser cualquiera (hasta nosotros, en 1929), y hay en America Latina ejemplos de “clubes” fundados hace poco ganando importante torneos. Pero ser Gimnasia, el viejo club (el mas antiguo, aunque no naciera como club de futbol, algo que tampoco sucede con Quilmes…) del Bosque, con su hermosa camiseta, su escudo único y una larga historia de fidelidad a los colores (y no a los exitos deportivos) y un entrelazado profundo en la sociedad platense (La Plata sin Gimnasia, no sería La Plata…) nos dan una alegría cotidiana que otros hinchas, cuyos clubes tienen más logros, jamás manifiestan. Gimnasia es REALMENTE un sentimiento, una forma de ser, muy platense, muy argentina. Somos de lo poco real que queda en el fútbol argentino, cuando todo se transforma en plástico y propaganda. Que grande GINASIA!