Libertadores

Libertadores 2012: Godoy Cruz

Considerados os últimos cinco anos, o Godoy Cruz vive o melhor momento de sua história. Até 1994, o clube nunca havia conhecido sequer a segunda divisão do futebol argentino. Porém, ao chegar à B Nacional, precisou de nove anos de adaptação à Categoria. Em 2006, chega pela primeira vez à primeira divisão. De lá para cá são intermináveis as glórias alcançadas pelos bodegueros de Mendoza. No meio disso, teve até outro rebaixamento à segunda divisão em 2007, que foi nada menos que uma etapa necessária do processo de adaptação do clube ao futebol de elite. Prova de que estava preparado para triunfar no futebol do país foi que um ano depois já estava novamente na disputa da principal competição de clubes argentinos. A partir daí o clube, não parou mais de crescer.

O coroamento deste momento histórico teve um capítulo importante já em 2010, quando a equipe conseguiu vaga à Copa Libertadores de 2011. O nome de Mendoza entrava na história do principal torneio de futebol sul-americano. Apesar da eliminação na primeira fase, todos no clube veem a campanha como positiva. Foi eliminada por dois pontos, no difícil grupo que compreendia a LDU, Independiente e Peñarol (que se sagraria vice-campeão ao fim do torneio). Obteve vitória sobre LDU, em Mendoza, e Independiente, fora de casa. Mas, a falta de experiência, de elenco no banco de reservas, e as próprias dificuldades do grupo 8 (o mais equilibrado do torneio, juntamento com o grupo 3), frustraram as expectativas dos bodegueros de passarem à segunda fase.

No segundo semestre, a equipe foi um dos representantes locais na Copa Sul-Americana. Depois de passar pelo Lanús em duelo muito equilibrado, foi eliminada nos pênaltis pelo Universitário de Lima, no Perú. A participação nas duas competições continentais era algo impensável na região do Cuyo até então. E para coroar um ano histórico, o clube conseguiu voltar novamente a Libertadores, e pela segunda vez consequtiva. Porém, nem tudo são uvas no clube de Mendoza.

A perda de David Ramírez, que foi ao Vélez em janeiro, até hoje faz diferença em relação à equipe que se classificou à Libertadores 2011. E isso não somente na articulação de jogadas, e do resultado delas no ataque, mas também na defesa. Hoje, o sistema defensivo do Tomba leva muitos gols, pois ainda não aprendeu a reter a pelota no setor de meio-de-campo como o fazia antes e quase à perfeição. E foi justamente neste setor que o elenco perdeu ainda outra peça fundamental ao final do Clausura/2011, o uruguaio Carlos Sánchez. Embora o técnico Jorge Da Silva tenha se esforçado, em nenhum momento conseguiu encontrar dois atletas que cumprissem os papéis de Ramírez e de Sánchez. A consequência foi uma participação pífia no Apertura e a soma modesta de 24 pontos. Não fosse pela excelente participação no Clausura e os bodegueros não estariam de volta à Libertadores.

A queda de rendimento ocorreu não só pela saída de David Ramírez e Carlos Sánchez, mas também pela queda de rendimento de outros jogadores do elenco. Diego Villar ficou sobrecarregado na armação e terminou o ano esgotado fisicamente. Villar é a melhor saída do time pela direita e sua participação no setor significa um alto percentual dos gols. Em má fase Villar, interfere diretamente no desempenho da equipe. Ainda assim, foi dele o passe para um dos gols salvadores que levaram o Tomba à Libertadores 2012, no cotejo em que o Bodeguero foi a Santa Fe e venceu o Atlético de Rafaela por 2×0.

Outro setor que já não é o mesmo em termos de rendimento é a defesa. A imagem de uma defesa bem plantada atrás e com dois bons laterais marcadores ficou no Clausura. Isto pelo fato de que ao perder as peças fundamentais do meio-de-campo a equipe em nenhum momento abandonou sua disposição ofensiva. Tanto é assim que o Godoy Cruz foi quem mais fez gols na somatória de Clausura e Apertura. Foram 61 contra 58 do Vélez e 49 do Boca Juniors. Mesmo no Apertura, em que terminou apenas no 12º posto, marcou 28 gols contra 25 do campeão Boca Juniors. Somente Tito Ramírez fez 12, tornando-se não só o principal goleador do campeonato mas outro motivo de orgulho para a história do clube e para o futebol de Mendoza.

O problema é que o time atua da mesma maneira que o fazia em 2010 e, de certa forma, no Clausura de 2011. Os flancos são sempre ocupados por dois ponteiros e às vezes até congestionados com a presença dos dois laterais que sobem. Quando isto ocorre, o desenho da defesa mostra uma linha de três homens. Deveriam ser quatros, com o recuo do capitão Olmedo para a função de defensor. Só que mesmo Olmedo parece pouco adaptado à realidade recente do Tomba. É comum vê-lo à frente, já que sua saída de bola oferece qualidade para o ataque, além de qualificar, como poucos, o levantamento de bola para a área. Então, ocorre que os três homens da primeira linha ficam ófãos da proteção do capitão bodeguero em situações nas quais mesmo o terceiro homem da linha muitas vezes avança para ocupar um vão que fica entre a primeira linha e o meio-de-campo. Esse combate funciona pouco e oferece grandes possibilidades ao adversário de armar suas jogadas justamente a partir dali. Ou seja, Olmedo tenta fazer a função dele e a de Sánchez e sequer faz uma delas com competência.

Se a maioria das críticas a Jorge Da Silva foram injustas, duas delas de fato cabem na conta do Polilla. Ao menos seus laterais precisavam marcar mais e subir menos ao ataque. Convidamos o leitor a pegar algum vídeo em que a equipe foi derrotada. Não será surpresa se notar que quase todos os gols sofridos pelo Tomba foram resultados da apropriação dos flancos do campo pelo adversário. Dificilmente se vê os laterais ocupando o seu setor de origem e é bastante comum a imagem dos três zagueiros correndo sempre atrasados para cobrir o setor. Como resultado do esforço também é comum que os atacantes rivais cheguem livres à frente do desguarnecido arqueiro Sebastián Torrico. A outra crítica que cabe na conta do técnico uruguaio é o fato de que no lugar de modificar o esquema ele tentou, em demasia, encontrar peças que cumprissem a função principalmente de Sánchez. Decorre disso que as experiências foram muitas e justamente no momento em que por causa de contusões e suspensões o treinador já tenha sido obrigado a alterar a equipe e mexer no entrosamento que ela possuía.

O plantel do Godoy Cruz segue de férias até o dia 04 de janeiro, quando retorna para a pré-temporada. O treinador Jorge Da Sila se foi, por se sentir desprestigiado por uma diretoria que, a seu ver, não interveio nas críticas que sobraram na imprensa mendocina em razão da perda de rendimento do time. Talvez de forma precipitada o técnico declinou do Tomba para se integrar ao Banfield, último colocado no Apertura/2011. A diretoria está demorando muito para confirmar o substituto de Polilla. O nome mais forte é o de Omar Asad. Porém, nem todos no clube aprovam Omar el Turco Asad. Depois de classificar o Tomba à Libertadores de 2011, o treinador deixou o clube sem muitas explicações. Quem não aprova seu nome alega que ao deixar o Bodeguero, o treinador pensava em algo maior, como ser o comandante de River ou Boca. Acabou tento de partir ao Ecuador, onde foi treinar o Emelec.

O desafio do Godoy Cruz é dos mais difíceis na Copa Libertadores 2012. O seu grupo é composto por Universidad de Chile, o tradicional Nacional de Medelín, e o vencedor de Peñarol e Caracas da Venezuela. Inúltil dizer que novamente o Bodeguero caiu em um dos grupos da morte do torneio, assim como em 2011. No entanto, o escudo para proteger a equipe em mais este desafio é a organização. Todos no clube sabem disso, pois foi se organizando que o Godoy Cruz deixou de ser um tímido clube do futebol mendocino para trilhar as montanhas dos Andes e se apresentar no todo do futebol sul-americano. Isto, em todos os sentidos.

Aulas para crianças de 4 anos

Estamos falando da primeira instituição de futebol do interior argentino que conta com uma escola dentro do clube. E não se trata de uma escola comum, mas de uma referência de educação a ser seguida no mundo inteiro. Com a aplicação de uma pedagogia integradora, portadores de necessidades especiais são convidados aos bancos escolares e têm apresentado resultados satisfatórios. Últil dizer que crianças carentes também são convidadas, desde que apresentem bom rendimento escolar nas outras escolas da região. O regime é integral para os secundaristas, com a prática de diversos esportes. Jogadores de futebol têm o privilégio de completar seus estudos como em poucos lugares. Para se ter uma ideia, das categorias de base aos profissionais, todos podem ter o direito a um professor on line caso estejam viajando para competir pelo clube. Além disso, contam com professores plantonistas quando retornam de suas viagens ou mesmo quando estão em momentos de intensa competitividade.

Esta ideia veio do próprio presidente Mario Contreras, em 2009. Tão logo chegou ao poder no Tomba, Contreras decidiu que o clube seria diferenciado não somente em Mendoza, mas em toda a Argentina. Não que muitos dirigentes não falem a mesma coisa e exemplos dessa “balela” encontramos em todos os lugares. Ocorre que a primeira ideia do dirigente bodegueiro foi justamente voltada para a educação escolar dos garotos da base. Ideia que se estendeu depois para toda a comunidade. Então, no lugar de improvisar, contratou as pessoas mais qualificadas para cuidar do assunto. Surgiu o Instituto Godoy Cruz Antonio Tomba, referência inquestionável hoje para os clubes de futebol e até para as demais instituições educacionais ao redor do continente.

Crianças do ensino médio têm período integral e com muitos esportes

Diante de um feito como esse, que mais fica difícil para o Tomba organizar? Pouco. Fácil supor, daí, que ao assédio a seus jogadores, como Villar e o excelente Ariel Rojas, o clube já saiba o que fazer. Da mesma forma que à contratação de um técnico ideal para dotar de personalidade um elenco já vencedor. E também, por que não dizer, a todos os demais desafios que o momento histórico do Godoy Cruz o obriga a trilhar dia a dia, rumo à subida definitiva dos Andes e à permanência no topo do futebol da Argentina e da América do Sul.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

5 thoughts on “Libertadores 2012: Godoy Cruz

  • ronaldo alves bento

    Muito legal o texto, e o trabalho do Godoy Cruz muito importante é exemplo a ser seguido não só na Argentina mas também na América do Sul.Espero que se dê bem na Libertadores 2012.

  • carlos eduardo

    Não me canso de indicar este site como exemplo do jornalismo que vai além do futebol, como deve ser sempre. Um amigo me falou que ele nunca ver essas coisas nas homes dos jornais argentinos. Muito bacana esse trabalho de voces, parabéns.

  • Prado

    Só que eu entendi que o Godoy Cruz está ficando cada vez mais fraco. É isso? Então deve sair novamente na primeira fase, até pelo grupo que pegou.

  • Mauricio

    Legal, belo texto sobre o Godoy Cruz. Mas eu concordo em parte com o Prado. Acho que apesar do elenco reduzido o time parece ter outro tipo de força, a vontade de fazer história. Valeu.

  • canalha_RS

    O projeito de anos e anos… da sus frutos. Fraco? nah, tá errado. Nao parece fraco para nada.

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