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Blog FP: A geração de barro

O desempenho absolutamente frustrante da seleção argentina nos últimos tempos é algo que para muitos é difícil de entender. Como é possível que uma geração com tantos talentos possa ter tanta dificuldade em apresentar-se de forma minimamente decente? Por que o Messi que joga pela Albiceleste não é o mesmo do Barcelona? Apresentamos os argumentos do jornalista argentino Esteban Bekerman, subeditor do respeitado site 442 Perfil, em um texto escrito após a eliminação alviceleste na Copa América.

Mantemos os negritos e itálicos originais do autor, traduzimos também os apelidos usados (“Payador de la Redonda” para Sosa, “Doble Ancho” para Monti, “Huevo” para Pontoni, “Puente Rota” para Salomón, “Tucho” para Méndez”, “Charro” para Moreno”, “Portón de América” para Perucca e “Atómico” para Boyé) e acrescentamos as imagens.

A Geração de Barro

por Esteban Bekerman

Já não é segredo que, a despeito de exportar jogadores em quantidade, o futebol argentino padece de sérios problemas para produzir figuras de primeira qualidade em várias posições. E o que aconteceu na Copa América voltou a mostrar isso. Mas é só a ponta do iceberg para entender porque Messi e companhia estão tão longe de serem uma geração dourada.

De fato, a despeito da quantidade de jogadores argentinos que triunfam no exterior, ou do desempenho deslumbrante de alguns (que induzem muitos a pensar que a culpa da ausência de títulos é apenas de treinadores como Maradona e Batista), para dimensionar corretamente o que acontece, é necessário avaliar parâmetros que excedem esses grandes nomes. E sobretudo situá-las dentro de um contexto histórico, comparando a geração atual com aquelas que mereceram o rótulo de “douradas”.

Por mais que tenham aparecido defensores de boa técnica que permitiriam não ter de utilizar Zanetti como lateral-esquerdo ou Gaby Milito, que sem dúvidas também não estará na copa de 2014, a geração atual seguirá sendo de barro, e não de ouro se continuar mostrando a mesma falta de fogo sagrado na hora dos grandes confrontos.

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Gabino Sosa, “O repentista da redonda”. Luis Monti, “Largura Dupla”. René Pontoni, “O Ovo”.

Ocorre que, diferentemente do que acontece nas categorias de base, onde em geral a inexperiência impede os jogadores de mostrar talentos extra-futebolísticos, entre os profissionais o futebol é um esporte que, como esta Copa América demonstra, tem muito a ver com fatores como força mental e a capacidade de contar com xerifes ou – como diria Carlos Bianchi – líderes positivos.

E é nesse ponto, mais que na falta de jogadores de qualidade em algumas posições, que o futebol argentino tem fracassado rotundamente, por não contar com referências ou modelos que os mais jovens possam imitar, e que marquem para as grandes estrelas os limites da realidade, impedindo que a imprensa, os intermediários e mesmo suas famílias encham suas cabeças ou os façam pensar em contratos milionários mais do que no futebol.

Em suma, para falar de uma geração de ouro em qualquer esporte não apenas é necessário colocar na balança a qualidade técnica dos jogadores em questão, mas também a força da personalidade e a fome de glória que tenham demonstrado para levar o nome da Argentina ao lugar mais alto. Algo que a geração atual está muito longe de mostrar, principalmente quando comparada com aquelas três que, com grande nível de jogo e personalidade, mais títulos e prestígio trouxeram ao futebol argentino.

A primeira foi a dos anos 20, que deu ao futebol o empurrão que faltava para se transformar em paixões das multidões do país ao ganhar os sul-americanos de 1921, 1925, 1927 e 1929, mas também graças às inesquecíveis excursões de clubes, como a que o Boca realizou em 1925. Época de figuras de qualidade indiscutível, como Gabino Sosa, o Repentista da Redonda, que desde o seu Central Córdoba de Rosário vinha dar aulas com a Albiceleste, mas também de homens fortes, como Ramón Muttis ou Luis Monti.

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Vicente de la Mata, Norberto “Cartucho” Méndez, Adolfo Pedernera, Ángel Labruna e Félix Loustau; José “Ponte Quebrada” Salomón, Juan Sobrero, Juan Fonda, León Strembel, Claudio Vacca e Natalio Pescia

Quando essa fase terminou, com os vice-campeonatos olímpico de 1928 e mundial de 1930, a segunda geração de ouro do futebol argentino – para muitos, a mais brilhante de todas – fez sua aparição brilhante em 1937, vencendo em Buenos Aires a Copa América sobre o Brasil com outro craque surgido no Central Córdoba: Vicente de la Mata, que depois de jogar essa final pela seleção com 19 anos atuaria em altíssimo nível pelo Independiente por mais de dez anos.

Lamentavelmente, a segunda guerra mundial impediu que essa geração tivesse a oportunidade de demonstrar seu valor em uma Copa do Mundo. Mas a Argentina sobrou nos anos 40 na Copa América e em cada amistoso jogado contra seus vizinhos, estabelecendo uma completa supremacia graças à qualidade e à personalidade de homens como Moreno, Pedernera, Pontoni, Boyé, Perucca, Cartucho Méndez e o grande zagueiro José Ponte Quebrada (porque por ele ninguém passava) Salomón.

Evidentemente, a última geração de ouro do futebol argentino foi a que deu ao país os títulos mundiais de 1978 e 1986. Olhando com calma os elencos que tornaram possíveis esses títulos, é fácil concluir que seus membros foram parte de uma mesma camada: a dos anos 70, tempo em que quase todos estrearam no profissionalismo.

Independente dos que fizeram possível essas duas conquistas argentinas em mundiais, certamente aquela geração surgida no final dos anos 60 contribuiu com uma infinidade de jogadores, deixando claro outro requisito fundamental para que se possa falar de uma “geração de ouro”: a superabundância de craques no campeonato local, que também havia nos anos 20 e 40, a ponto de haver estrelas de primeiro nível em clubes pequenos. Algo que claramente está muito longe de ocorrer atualmente.

(Publicado originalmente em 442 Perfil)

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José Manuel Moreno, “O Caubói”. Ángel Perucca, “O Portão da América”. Mario Boyé, “O Atômico”

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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