Futebol e Rugby – Parte 4: o Asociación Alumni
Finalmente, hoje – dia em que a Argentina enfrenta às 21 horas a Geórgia na Copa do Mundo – será falado da trajetória do Alumni, que, dentre aquelas pioneiras equipes “britânicas” do futebol argentino, acabaria por ser a mais importante (acima, o distintivo do antigo Alumni Athletic Club, e à direita, o do atual Asociación Alumni).
Suas origens estão ligadas à Buenos Aires English High School, fundada em 1884, no bairro de Belgrano, pelo escocês Alexander Watson Hutton. Este é considerado o pai do futebol argentino: foi fundador da nova Liga Argentina de Futebol da Associação, que em 1893 retomou a disputa de um campeonato de futebol – a liga anterior, homônima, sucumbira com a não-realização de seu campeonato de 1892. Além de inscrever a equipe de sua escola no certame, Watson Hutton participou dela como árbitro.
A primeira participação da BAEHS, porém, foi fraca, com seu time terminando em quarto entre cinco participantes, com apenas uma vitória, dois empates e cinco derrotas, chegando até a desistir de participar de seu último jogo. O elenco foi desfeito no ano seguinte, e a instituição acabou não participando do campeonato de 1894. Alguns de seus ex-jogadores atuaram nele defendendo outros clubes, como o Lanús Athletic e o Lobos Athletic. No ano seguinte, a equipe da English High School foi retomada e voltou ao campeonato, o que fez o próprio Lobos retirar-se, mas a escola terminou novamente em último. Ela, outra vez, desistiu de participar do campeonato posterior – para o qual retornou o Lobos, que foi inclusive o vice-campeão de 1898.
Naquele ano, então, Watson Hutton fundou o English High School Athletic Club, constituído não só por alunos, mas também por professores, ex-alunos e, mais raramente, parentes de outras pessoas ligadas à escola. Para voltar a disputar o campeonato principal, o novo clube teve de passar pela recém-criada segunda divisão, em 1899. O vice-campeonato, a um ponto do campeão Banfield, garantiu-lhe o acesso e entusiasmo.
O vice da primeira divisão foi outra vez o Lobos, de cidade homônima situada a 102 quilômetros de Buenos Aires. No ano seguinte, a liga, por reclamações de outras equipes, estabeleceu que dela só poderiam participar clubes situados em raio de 50 quilômetros da capital federal.
O Lobos então dissolveu-se e muitos de seus jogadores vieram a reforçar o retorno à elite dos colegiais, que enfim tiveram uma campanha bastante diferente: de forma invicta, com cinco vitórias e um empate, destronaram com duas rodadas de antecedência o Belgrano Athletic (campeão anterior) e o Lomas Athletic, o grande time da década que se encerrava naquele ano. No mesmo ano, o clube foi eleito pelo The Buenos Aires Herald, o anglófono jornal da comunidade britânica, como o mais popular da capital federal.
No ano seguinte, a equipe teve de renomear-se por uma exigência da liga, que proibiu o uso de nomes de institutos educacionais (o caso do time) e empresas comerciais, entendendo-os como uma indevida propaganda que atentaria contra o espírito desportivo. Foi aí que se adotou o nome Alumni Athletic Club, proposto pelo atleta Charles Bowers e calorosamente aprovado por Watson Hutton. Seria uma referência às Alumni Associations comuns nos Estados Unidos – associações que alguns ex-alunos de determinadas escolas criavam para manter seus vínculos com as mesmas; o Club San Andrés, objeto do especial “futebol e rugby” anterior, surgiria em 1911 exatamente sob este espírito em relação à St. Andrew’s Scots School, da qual Watson Hutton também fez parte.
O que não mudou foi o desempenho dos alvirrubros: naquele 1901 e nos dois anos que se seguiram, o título foi deles, sempre de forma avassaladora e por antecipação: nos somados 22 jogos dessas três campanhas, a equipe só conheceu uma derrota. Foi, já com o tetracampeonato assegurado, para o Belgrano Athletic, equipe que vinha se mostrando a principal rival. De certa forma, Alumni e Belgrano foram os primeiros grandes rivais de bairro em Buenos Aires, hoje repleta de clássicos assim. O Belgrano interromperia a série do Alumni em 1904, deixando-o no vice-campeonato. Paralelamente, em 1901 e 1903, o time da BAEHS faturou também a Copa Competencia, torneio que reunia clubes rosarinos e das associações argentina e uruguaia, vencendo nas duas ocasiões o Rosario Athletic – que lhe derrotou na final de 1902.
A série de conquistas na liga, por sua vez, foi retomada já em 1905, culminando em um tri consecutivo, com o time conhecendo apenas três derrotas em 34 jogos – metade destes apenas no campeonato de 1907, o mais expandido (onze concorrentes) até então, e logo nesse o título veio de forma invicta. O clube já era ali o maior vencedor do país, ultrapassando as conquistas do decadente Lomas Athletic (vencido por ele na final de 1906). Em 1905 e 1906, foi finalista da Copa de Honor, similar à Competencia, mas com decisão em jogo único em Montevidéu. Em ambas as ocasiões, decidiu contra o Nacional.
Os uruguaios venceram a primeira e foram derrotados na segunda. Depois dela, o Alumni decidiu não disputar mais este torneio em razão da rispidez com que fora tratado por jogadores e torcedores adversários, que não se coadunavam com o britânico espírito fair play da equipe. Em 1906, houve certa “tríplice coroa”, pois o clube ganhou também a Copa Competencia, humilhando o Belgrano com um 10 x 1 na final. O mesmo torneio foi conquistado em 1907, sobre o CURCC (time que deu origem ao Peñarol). Já a conquista nacional deste ano foi das mais avassaladoras, com um ataque que produziu 25 gols a mais que o segundo time mais goleador, e uma defesa que sofreu 12 gols a menos que a segunda menos vazada.
Em 1908, o arquirrival de bairro voltou a interromper a série, deixando o Alumni com o vice. E, novamente, os alvirrubros responderiam com outro tricampeonato. No ínterim, ganharam também a Copa Competencia em 1908 (sobre o Montevideo Wanderers, vencedor da Copa Honor daquele ano) e 1909 (sobre o CURCC). A liga de 1910, por sua vez, teve o sabor especial de comemorar o centenário da Revolução de Maio; a comunidade britânica de Buenos Aires, da qual os membros do Alumni faziam parte, presenteou a cidade com uma torre-relógio no bairro de Retiro, popularmente conhecida como Torre de los Ingleses (e, oficialmente, Torre Monumental, desde a Guerra das Malvinas).
Uma das poucas derrotas do período ocorreram no ano do segundo tricampeonato, em 1911: foi para o recém-ascendido Racing (em um dos dois confrontos que as duas equipes travaram em suas histórias), que naquela década se tornaria o outro gigante do amadorismo argentino e simbolizaria, até por trajar-se com as cores argentinas, a ascensão do estilo criollo (como era chamado o descendente do colonizador espanhol) sobre o britânico.
Esta nova supremacia deveu-se em boa parte à drástica decisão do Alumni de retirar-se das disputas futebolísticas em 1912. O elenco, que raramente contava com pessoas de fora da BAEHS, estava envelhecido, e o clube passava por problemas de despesa. Depois de não comparecer aos três primeiros jogos, foi desafiliado. Alguns de seus jogadores foram integrar no decorrer do campeonato o Quilmes. Então em último, o cervecero (também um clube surgido na comunidade britânica e que apenas posteriormente abriu-se aos criollos) deu uma grande arrancada e sagrou-se campeão; só o seria outra vez em 1978.
Até a sua saída de cena, o Alumni vinha sendo o primeiro celeiro da Seleção Argentina, que teve seu jogo inaugural em 1901 ou 1902 (há discordâncias, tratadas no especial dedicado ao Lomas). E ninguém simbolizou melhor esta simbiose (a seleção, antes de adotar em 1908 a tradicional camisa alviceleste, chegou a usar o uniforme do Alumni em alguns jogos anteriores) que a família escoto-argentina dos Brown, composta nos gramados pelos irmãos Alfredo, Eliseo, Jorge, Ernesto e Carlos e pelo primo Juan; os três primeiros foram ainda artilheiros do campeonato argentino, assim como Spencer Leonard, Carlos Lett, Ernesto Lett e Arnold Watson Hutton, filho de Alexander.
Na foto ao lado, os já ex-jogadores Juan e Jorge Brown, que formaram a primeira pareja célebre do futebol argentino, em capa para uma El Gráfico de 1923 – até exatamente aquele ano, Juan foi o recordista de jogos pela Argentina (sendo superado então por Pedro Calomino, do Boca Juniors); ele foi também o único dos Brown que chegou a disputar uma Copa América – justamente a primeira delas, em 1916, como jogador do Quilmes.
Por sua vez, Jorge, o mais velho e mais emblemático de seus irmãos, foi o primeiro grande ícone da Albiceleste, sendo inclusive apelidado de El Patriarco. Se os Brown foram ao Quilmes, Arturo Jacobs e Arnold Watson Hutton passaram ao rival Belgrano Athletic depois de 1911. Hutton, aliás, já jogava ali antes: praticava futebol no Alumni e rúgbi no Belgrano.
O ambiente familiar do Alumni tinha também outras fontes além dos Brown e dos Watson Hutton: os irmãos Eugenio e Juan José Moore (os únicos gêmeos que defenderam a Argentina) e Guillermo e Heriberto Jordan; o referido Jacobs e Carlos Buchanan (cunhados); e, ainda, o fato de muitos dos integrantes do elenco serem maçons: foi o caso de, pelo menos, Buchanan, Carlos Lett, Patricio Browne, os Moore e cinco dos seis Brown (Carlos foi o único sem comprovação).
Todos esses jogadores, exceto os irmãos Jordan, jogaram pela Argentina, assim como seus colegas Walter Buchanan (sem parentesco com Carlos), José Buruca Laforia, Alfredo Dickinson (curiosamente, seus irmãos Carlos e Jorge atuavam no Belgrano e jamais jogaram juntos com ele também na seleção), Tomás González, Héctor Henman, Henry Lawrie, Lionel Peel Yates, Guillermo Ross, Heriberto Simmons, Maximiliano Susán e Gottlob Weiss.
Ainda hoje, exatos cem anos depois de sua última participação, o Alumni, com suas dez conquistas, é o maior vencedor do campeonato argentino depois dos cinco grandes, que só o ultrapassaram já no profissionalismo. O Boca Juniors o igualou em 1940 e o superou em 1943; o Racing (quem mais chegou perto dele no amadorismo, com nove ali) o igualou em 1949 e o superou no ano seguinte; o River Plate, respectivamente em 1953 e 1955; o Independiente, respectivamente em 1971 e 1977; e o San Lorenzo, em 1974 e 1995.
Vale ressaltar que todos estes, e também os dois times que se encontram mais perto de alcançá-lo em curto prazo – Vélez Sarsfield, com oito (tem possibilidade de superá-lo ao fim de 2012, caso consiga vencer seguidamente os três semestrais campeonatos argentinos a ocorrerem até lá, incluindo o atual), e Estudiantes de La Plata, com seis -, tiveram certo benefício dos períodos de dois campeões por ano, seja nos tempos de duas ligas separadas (como ocorreu nos anos 10, 20 e 30), seja nos de dois campeonatos distintos (como há atualmente, desde 1991, e como já ocorrera também entre as décadas de 60 e 80).
O Estudiantes (criado em 1905), por sinal, baseou-se integralmente no uniforme do Alumni para criar o seu. Outra herança deixada pelo time da BAEHS no que diz respeito a uniformes está nas seleções uruguaias. A de futebol foi a adversária contra quem a Argentina, cheia de atletas do Alumni, realizara 22 de seus primeiros 25 jogos – em três deles, com oito alvirrubros; em sete deles, com sete; em três, com seis; no restante, normalmente com cinco, e no mínimo, com três.
O prestígio do time era tão grande que a célebre camisa celeste acompanhada de calças e meias pretas passaram a ser utilizadas pelo selecionado charrua em homenagem ao River Plate uruguaio (fora o nome, sem ligação com o atual River Plate de lá, que ironicamente tem uniforme parecido com o do Alumni, e com o argentino, que inclusive é mais novo), que usou tal vestimenta ao derrotar o clube em 1910. Essa roupa acabaria adotada pelos demais selecionados uruguaios, e com o de rúgbi (segundo sul-americano mais forte) não foi diferente.
Depois de 1911, além da história, o Alumni vinha vivendo apenas como uma associação de veteranos ex-alunos da Buenos Aires English High School, exatamente como as Alumni Associations estadunidenses que lhe inspiraram o nome. Quarenta anos depois, então, o setor de esportes do colégio pediu autorização à chamada Asociación Alumni para utilizar este nome nos gramados – desta vez, nos de rúgbi.
O pedido teve aprovação imediata e unânime, em reunião presidida pelo mesmo Charles Bowers que cinquenta anos antes propusera ao time de futebol da escola chamar-se de tal maneira (Bowers, por sinal, presidira a própria União Argentina de Rúgbi entre 1941 e 1943). Inicialmente disputando categorias juvenis, o agora Asociación Alumni voltou às disputas entre equipes adultas em 1960, na terceira divisão do rúgbi argentino, conquistada já naquele ano. Em 1969, logrou-se o acesso à elite.
No novo esporte, reeditou os clássicos contra o Belgrano Athletic, que já se dedicava ao rúgbi desde 1899 (sendo um dos fundadores da então União de Rúgbi do Rio da Prata); desde então, houveram 44 jogos, com 26 triunfos do Alumni e 14 do Belgrano, clube a ser objeto do próximo especial desta série.
Os primeiros títulos do Alumni no rúgbi de elite só viriam a partir de 1989: foram, até o momento, cinco no Torneio da URBA, quatro deles consecutivos entre 1989 e 1992 (o quinto veio em 2001), e dois deles com o especial sabor de conquistar sobre o arquirrival. O último título foi em 2002, no torneio nacional (que, apesar do nome, é menos valorizado que o provincial, da URBA, do qual é o sexto maior vencedor).
Ainda hoje, a instituição Asociación Alumni defende princípios de seus fundadores britânicos em relação ao amadorismo e ao fair play – este, tanto por parte dos jogadores quanto também dos torcedores, que não devem criticar os atletas e arbitragem, nem dirigir-se à torcida adversária. “O objetivo imediato de uma equipe do Alumni nunca é ganhar, e sim jogar bem. (…) Mais que desejar a vitória de sua equipe, a torcida do Alumni espera que seja merecida”, informa o site oficial do clube.
Ótimo material, rico em detalhes.
Puxei este comentário do Clarín, após o jogo com a Geórgia – se bem que agora vêm aí os All Blacks :( :
Los LOGROS del deporte nacional.
RUGBY: avanzamos a cuartos en el mundial.
BASKET: MyF – VOLLEY M – HOCKEY CyP: finalistas de América.
TENIS: finalistas Davis
FUTBOL: Papa sacó bien un lateral en Copa Roca.
Dá pra notar que no futebol a corneta sobra…
Opa, obrigado :)
De fato, a vitória dos All Blacks era esperada. Restou o consolo dos Pumas terem sido reconhecidos por eles como o adversário mais difícil nessa Copa – e a NZ já havia enfrentado a forte França (venceu o clássico contra a Inglaterra nas quartas e está na outra semifinal, contra Gales) e a boa Tonga (que venceu os franceses na primeira fase, mas ficou em terceiro). De fato, a Argentina soube complicar bem até os últimos dez minutos.
Olá Caio,
De onde que você conseguiu pegar as fotos historicas do Alumni e da Selecao Argentina?
O Patricio Browne é meu bisavô e queria muito consegui-las em melhores resolucoes. Muito obrigado e parabens pela pesquisa e post. =)
Abs.
Nossa, que demais, Patrick! Espero que o texto tenha agradado então :)
As retirei do IFFHS… o site não é dos mais fáceis de navegar, mas uma busca no google imagens simplifica. Digita IFFHS e, entre aspas, o nome do seu bisa.
Grande abraço. E, se porventura souberes de alguma anedota bacana, por favor compartilhe conosco!
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