Seleção

Argentina e Copa América: uma relação de muitas vitórias (Parte I)

O ano de 2011 já começou e com ele mais uma edição da Copa América vem aí. Com duração de 1º a 24 de julho, o torneio será disputado pela 43ª vez e o país-sede será a Argentina. Espera-se que depois de 18 anos a seleção anfitriã possa finalmente erguer a taça da mais antiga competição entre seleções do mundo. A Argentina, junto com o Uruguai, é a maior ganhadora da Copa, com 14 conquistas. E ao longo dos anos poderemos ver como a albiceleste construiu sua vitoriosa trajetória na competição ao longo das décadas.

Surgido como Campeonato Sul-Americano de Futebol, o torneio teve início em 1916 na própria Argentina, como parte das celebrações pelo centenário de sua declaração de independência. Com formato de disputa onde todos os times jogavam entre si (e que perduraria até 1967), o Sul-Americano de 1916 teve como favorito o próprio time argentino. No entanto, acabou com o vice-campeonato ao empatar sem gols com o Uruguai, que com o resultado sagrou-se campeão. Foram necessárias mais três edições para que finalmente a albiceleste obtivesse o título sul-americano pela primeira vez, em 1921. Anteriormente, a Argentina já havia sido mais duas vezes vice-campeã, sempre ficando atrás do Uruguai.

Disputado novamente na Argentina, o Campeonato Sul-Americano de 1921 contou pela primeira vez com o Paraguai, que acabara de se filiar à FIFA. E a campanha argentina naquele Sul-Americano foi perfeita: três vitórias em três jogos. No último jogo veio a vitória mais desejada, contra o Uruguai, numa revanche pelo Sul-Americano de 1917: 1 a 0, gol do artilheiro Julio Libonatti, que, ao lado do goleiro Américo Tesoriere, foi o destaque na primeira conquista sul-americana da Argentina.

Apesar da vitória e dos bons jogadores que atuavam naquela época, como Onzari (o autor do primeiro gol olímpico) e Orsi (primeiro argentino a ser campeão mundial), a Argentina precisou esperar mais quatro anos para levantar novamente o caneco. Depois de perder novamente para o Uruguai em duas edições (1923 e 1924), a Argentina voltou a sediar o Campeonato em 1925. Mesmo com as ausências do então campeão olímpico Uruguai e do Chile, o torneio recebeu as seleções do Brasil e do Paraguai. Com apenas três países, foi disputado num sistema de turno e returno. Como era de se esperar, tanto argentinos quanto brasileiros derrotaram os paraguaios com facilidade. Assim, os dois jogos entre Argentina e Brasil seriam decisivos.

No primeiro jogo, um massacre argentino: 4 a 1, com uma grande exibição de Manuel Seoane, coroada por três gols. No segundo jogo, o do título, os argentinos perdiam por 2 a 0 quando Friendenreich e Muttis trocaram “gentilezas” e deram início a uma briga generalizada no campo. Acalmados os ânimos, os argentinos chegaram ao empate e conquistaram de forma invicta seu segundo título sul-americano.

Em 1926, o Uruguai voltou a participar e conquistou seu 6º título. A Argentina, mais uma vez, foi vice-campeã. No ano seguinte, o Peru sediou pela primeira vez o Campeonato e não foi páreo para argentinos e uruguaios. No jogo decisivo entre os vizinhos, vitória argentina por 3 a 2 e mais um título garantido, sendo esse o primeiro conquistado fora de seus domínios. Em 1929, uma vez mais o Campeonato Sul-Americano foi realizado na Argentina e pela primeira vez na história a albiceleste ganhou pela segunda vez consecutiva. Um ano antes, a equipe perdera a final olímpica para o Uruguai. Logo, aquele Campeonato seria a grande oportunidade para a revanche. E ela aconteceu, com uma bela vitória por 2 a 0 sobre os então bicampeões olímpicos. Manuel “Nolo” Ferreira foi o grande nome da conquista argentina.

Por motivos econômicos e devido às pressões para a instauração do profissionalismo do futebol na Argentina (que ocorreu em 1931), Brasil e Uruguai, a Conmebol deixou de organizar o Campeonato Sul-Americano por cinco anos. Nesse meio tempo, a albiceleste disputou as duas Copas do Mundo até então realizadas, perdendo a final para o Uruguai em 1930 e sendo eliminada pela Suécia ainda na primeira fase em 1934. E no começo de 1935, o Peru sediaria uma edição do Campeonato Sul-Americano que seria qualificada como “extraordinária”, já que não foi organizada pela Conmebol.

Outra vez os uruguaios levaram a melhor sobre os argentinos. Jogando com camisas vermelhas, o selecionado charrúa venceu por 3 a 0 e reafirmou seu domínio no futebol da América do Sul. A Argentina teve Masantonio, grande atacante do Huracán, como artilheiro daquela competição, com quatro gols.

Argentina Campeã Sul-Americana de 1929

Em 1937 a Argentina novamente ganhou o direito de sediar o Sul-Americano. Após 12 anos sem enfrentar o Brasil, a albiceleste decidiu o título em duas partidas recheadas de polêmicas com os brasileiros. No primeiro jogo, onde a Argentina precisaria vencer para forçar uma partida de desempate, o time platino venceu por 1 a 0, gol de García. Ao final do encontro, os brasileiros protestaram veementemente contra a arbitragem, esquentando ainda mais o clima para a próxima partida. No segundo e decisivo jogo, muitas brigas, pontapés e paralisações. Ao final, a Argentina venceu por 2 a 0 e reconquistou o título após oito anos.

Dois anos após aquela final eletrizante houve outra edição do Sul-Americano. E, pela primeira vez desde 1916, a Argentina não compareceu ao torneio, por desavenças com a Conmebol. Logo depois, em 1941, outra edição “extraordinária” do Sul-Americano (a Conmebol havia parado com todas as suas competições por conta da II Guerra Mundial) foi realizada, dessa vez no Chile. Já contando com jogadores como Salomón, Pedernera, Sastre e Moreno a Argentina chegou ao seu sexto título continental, numa campanha impecável: quatro vitórias em quatro jogos.

Após ver mais uma vez o Uruguai levar o título em 1942, a Argentina entraria numa grande fase nos Campeonatos Sul-Americanos. Pela primeira e única vez na história do torneio, uma seleção venceria por três vezes seguidas.

A história da supremacia argentina no continente começou em 1945 no Chile. Novamente o país andino sediou uma edição “extraordinária” do Sul-Americano e a Argentina pôde desfilar craques como Pedernera, Muñoz, Boyé, Martino e Loustau. Empatou por 1 a 1 com o Chile, fez 4 a 0 na Bolívia, 4 a 2 no Equador e 9 a 1 na estreante Colômbia. Depois de uma belíssima vitória sobre o Brasil por 3 a 1, os argentinos derrotaram os uruguaios no último jogo por 1 a 0.

Labruna, De la Mata, Martino e Méndez com a camisa albiceleste em 1946

No ano seguinte, Pedernera e sua turma prosseguiram o show argentino. Jogando em casa, o time tinha por obrigação defender o título sul-americano, já que era grande favorito, assim como o Brasil. E, como era de se esperar, o último e decisivo jogo seria contra o “Scratch”. Mais de 80 mil pessoas viram aquele Argentina x Brasil no Monumental de Núñez entrar tristemente para a história. Naquele dia, um simples jogo de futebol transformou-se numa batalha campal. Um ano antes, o zagueiro Battagliero fraturou a perna num lance com Ademir de Menezes pela Copa Roca. A contusão gerou comoção na Argentina e o cheiro de vingança estava no ar quando os brasileiros entraram em campo. Tão logo o árbitro apitou, as duas seleções já travavam disputas ríspidas. Aos 28 minutos do primeiro tempo, após um lance onde o zagueiro argentino Salomón quebrou a perna, jogadores brasileiros e argentinos começaram uma briga generalizada no gramado. A seleção brasileira se retirou de campo e ficou nos vestiários para não retornar mais. O chefe do policiamento local solicitou aos brasileiros para que retornassem ao gramado, pois não poderia responder pela segurança do estádio. Ante as dúvidas, alguns jogadores argentinos foram ao vestiário e finalmente convenceram os brasileiros a voltar.

Mais de uma hora depois do início dos incidentes, os jogadores de Argentina e Brasil retornaram a campo e continuaram a partida. No final, a Argentina venceu por 2 a 0 e assegurou o “bi”. Mas as relações com os brasileiros ficaram estremecidas. A CBD romperia relações com a AFA e as duas equipes ficariam sem se enfrentar por dez anos.

Em 1947 o Equador recebeu pela 1ª vez uma edição do Campeonato Sul-Americano. E, confirmando o poder da grande seleção que montou, a Argentina faturou seu terceiro título consecutivo, totalizando nove conquistas sul-americanas. A albiceleste fez 7 a 0 na Bolívia, 6 a 0 no Paraguai e na Colômbia e ganhou seis das sete partidas disputadas. Marcou 28 gols em sete jogos e seu ataque era formado por Boyé, Méndez, Pontoni, Moreno e Loustau. Nomes consagrados como Pedernera, De la Mata, Martino nem foram convocados e os jovens Rossi e Di Stéfano ficaram no banco de reservas. Não havia como o “tri” escapar com tantos jogadores fora-de-série.

Mal sabiam os argentinos que o último jogo daquele Sul-Americano foi também o último de uma geração talentosa a serviço da seleção. No ano seguinte uma greve de jogadores contra uma lei aprovada pelo governo ganhou grandes proporções, levando à paralisação do campeonato argentino e ao êxodo de alguns dos principais jogadores locais ao futebol colombiano. Assim, não houve como a Argentina defender seu título em 1949. Na edição seguinte do torneio, realizada em 1953, a albiceleste também não compareceu pelos mesmos problemas.

Oito anos após disputar e vencer o Sul-Americano, finalmente a seleção argentina pôde voltar para a disputa da 22ª edição do torneio, sediado no Chile. Utilizando pela primeira vez em competições oficiais uma linha de ataque de um só clube, o Independiente, a Argentina chegou ao seu 10º título continental com facilidade. Derrotou com maestria Paraguai (5 a 3), Equador (4 a 0), Chile (1 a 0) e aplicou uma surra histórica no Uruguai, fazendo 6 a 1. Mesmo tendo estado ausente por um tempo, a força argentina na América do Sul ainda era bem grande.

Amanhã a segunda parte do especial “Argentina e Copa América: uma relação de muitas vitórias”.

Alexandre Leon Anibal

Analista de sistemas, radialista e jornalista, pós-graduação em Jornalismo Esportivo e Negócios do Esporte. Neto de argentinos e uruguaios, herdou naturalmente a paixão pelo futebol da região. É membro do Memofut, CIHF, narrador do STI Esporte (www.stiesporte.com.br ) e comentarista do Esporte na Rede, programa da UPTV (www.uptv.com.br ).

7 thoughts on “Argentina e Copa América: uma relação de muitas vitórias (Parte I)

  • Caio Brandão da Costa

    Oba, mais especiais! Adoro principalmente quando eles relembram épocas tão esquecidas pela maioria. Infelizmente, a Copa América perdeu boa parte do charme… espero que o intervalo copadomúndico de quatro anos valorize mais a conquista do torneio por estas bandas.

    Só uma correção: o torneio mais antigo de seleções é o campeonato britânico… perdurou por cem anos, de 1884 a 1984. A competição de futebol nas olimpíadas também é mais velha (1900, salvo engano), e é a mais antiga em vigor. Mais apropriado seria dizer que a Copa América é a competição continental mais antiga (não só entre seleções, mais “no geral” também).

    Abraços!

  • Alexandre Anibal

    Caro Caio,

    Antes de tudo quero agradecer pela sua audiência e pelas palavras. Espero que você siga lendo o site e os especiais. Afinal de contas, eles foram feitos para que todos possam desfrutar da rica história do futebol argentino.

    Você tem razão: a competição mais antiga de seleções foi o “British Home Championship”. Mas ele durou, como você bem lembrou, até 1984. Sendo assim, a Copa América é o torneio mais antigo de seleções que ainda existe. Já a competição olímpica de futebol não pode ser considerada por um motivo simples: ele é um torneio que está inserido nos Jogos Olímpicos e não é um torneio específico de futebol, como foi o “British Home Championship” e como ainda é a Copa América.

    Abração!

  • Tiago Melo

    Eu tinha para mim que a competição de futebol dos Jogos Olimpicos tinha começado em 1920. Foi antes mesmo?

  • Alexandre Anibal

    Foi bem antes, Tiago.

    Nas edições de 1900 e 1904 o futebol foi disputado em caráter experimental por alguns clubes. A partir de 1908 as delegações efetivamente começaram a competir com seleções nacionais.

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