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30 anos do título argentino na (primeira) Copa das Confederações

Extinta em 2017, a velha Copa das Confederações reunia o vencedor anterior da Copa do Mundo às nações campeões continentais e, desde 2001, também o país anfitrião da Copa do Mundo seguinte, dando ares de evento-teste ao torneio. Que nasceu bem antes do termo sport washing virar corrente a competições sediadas no mundo árabe: seu embrião foi finalizado há trinta anos, ainda sob o nome de Copa Rei Fahd, o então monarca da Arábia Saudita – e que desde 2001 também batiza a maior mesquita da América Latina, em Buenos Aires. Grande mérito da edição inaugural foi mostrar ao mundo como Redondo, novato na seleção, era mesmo um craque.

O embrião da Copa das Confederações teve os sauditas não só como anfitriões, mas também como últimos vencedores da Copa da Ásia, ainda pelo ano de 1988 – a edição de 1992 do torneio, vencida pelo Japão, só começaria nove dias depois do fim da Copa Rei Fahd. Na verdade, os árabes, polindo a geração que levaria pela primeira vez o país a uma Copa do Mundo, eram os bicampeões. E haveria alguma rivalidade na decisão: seu técnico ainda era o brasileiro Nelsinho Rosa, campeão brasileiro com o Vasco no recente 1989.

Os EUA vinham como campeões da primeira edição da Copa Ouro, em 1991. A conexão sul-americana residia com os uruguaios naturalizados Tab Ramos e Fernando Clavijo, além da ancestralidade argentina de Marcelo Balboa e da meteórica passagem no San Lorenzo do técnico iugoslavo Bora Milutinović em fins dos anos 80.

A Costa do Marfim havia acabado de vencer pela primeira vez a Copa Africana de Nações e se representava com uma equipe basicamente caseira; Sam Abouo (depois do Monaco) e Serge Maguy (depois do Atlético de Madrid) ainda estavam ambos no Africa Sports e seriam os únicos a ter alguma trajetória em equipes europeias expressivas, quando os demais, quando muito, passaram por inexpressivas equipes francesas. O grande jogador marfinense daquele tempo, Basile Boli, autor do gol do título do Olympique de Marselha na Liga dos Campeões de 1993, havia optado por defender a seleção francesa.

Faltaram representantes da Oceania e, sobretudo, da Europa – seja pela reunificada Alemanha, na qualidade de detentora do título mundial, seja pela Dinamarca, a surpreendente recém-campeã da Euro, sobre os próprios alemães. Eventualmente, a Albiceleste trataria de apaziguar essa pendência; já havia vencido por 2-0 a Austrália em 18 de junho daquele 1992 e, já em fevereiro do ano seguinte, levaria a melhor sobre os dinamarqueses, em um tira-teima direto pela Copa Artemio Franchi. Essa taça, revivida nesse 2022 na disputa entre Argentina e Itália, seria inclusive o último troféu comemorado por Maradona. A vitória sobre a Alemanha, por sua vez, viria mesmo sem ele, em um 2-1 em Miami já em 15 de dezembro de 1993.

Na ocasião daquela Copa Rei Fahd, Dieguito já vinha podendo jogar normalmente, encerrada a suspensão de 15 meses que a FIFA lhe impusera pelo escandaloso doping positivo para cocaína. Vinha recomeçando no Sevilla, junto ao fiel escudeiro Carlos Bilardo, o treinador da seleção em 1986 e 1990. Mas o sucessor de Bilardo, Alfio Basile, não tinha a mesma relação paternal com El Diez e se deu ao luxo de, ao menos para aquele torneio, abrir mão do astro. Seu pupilo era “o Maradona da camisa 5”: Fernando Redondo, cujo Tenerife havia acabado de virar um 2-0 para 3-2 sobre o Real Madrid na rodada final de La Liga e, com isso, entrega-la de bandeja ao Barcelona.

Basile, o preparador físico Echeverría e o assistente Merlo. À direita, Ruggeri e Goycochea

Redondo recebera ainda em 1988 uma primeira convocação da seleção, mas não chegara a ser usado. E, bem antes de bater de frente com Daniel Passarella, escandalizara o país ao recusar a convocação à Copa do Mundo de 1990, pouco atraído pelo malandro e resultadista estilo bilardista. Em um primeiro momento, ficou no ostracismo: Basile não o chamou à Copa América de 1991, que encerrou um jejum de 32 anos da seleção no torneio – com um elenco substancialmente diferente da equipe-base com a qual Bilardo chegara a duas finais de Copa do Mundo, embora seguissem intocáveis o xerife Oscar Ruggeri, o talismã Sergio Goycochea e o carismático ponta Claudio Caniggia.

Os três permaneciam assim, mesmo que El Cabezón Ruggeri estivesse clubisticamente em baixa no modesto Ancona ou que Goyco, sem nunca decolar à altura na carreira clubística, jogasse no Cerro Porteño. Outros remanescentes ativos da Era Bilardo estavam nos bastidores, seja pelos goleiros reservas (o falastrão Luis Islas e o zerado Fabián Cancelarich), seja notadamente na comissão técnica: ela permanecia empregando o preparador físico Ricardo Echeverría, o roupeiro Rubén Tito Benrós e o massagista Miguel Di Lorenzo, o “Galíndez” – mais famoso no Brasil pela célebre água fornecida a Branco em 1990, reducionismo que oculta o pé quente que era o único homem campeão internacional com seleção e o trio Boca, River e San Lorenzo.

Mas Coco Basile trouxera seus homens de confiança: El Panadero Rubén Díaz, seu ex-colega no Racing desde os tempos de jogador, e El Mostaza Reinaldo Merlo, futura lenda como técnico no mesmo Racing por aval do próprio Basile. Redondo, por sua vez, enfim estreara pela seleção exatamente naquele 2-0 em junho sobre a Austrália. Seu segundo e terceiro jogos seriam exatamente naquela Copa Rei Fahd, da qual saiu como grande revelação e craque do torneio, com seu estilo construtor complementando-se à perfeição com o estilo destrutor do caudilho Diego Simeone – que até trabalhara com Bilardo desde os idos de 1988, mas ficara de fora da Copa 1990 e enfim se firmara desde seu protagonismo naquela Copa América de 1991.

Foi justamente Simeone quem criou a Redondo o apelido de El Príncipe, exatamente em meio à Copa Rei Fahd, como revelou nessa entrevista à revista El Gráfico. Outra revelação da Copa América 1991, o atacante Gabriel Batistuta era mais um a seguir firme e forte, bem como outros campeões daquele torneio: os laterais Fabián Basualdo e Ricardo Altamirano, o defensor Sergio Vázquez e o meia-atacante Leo Rodríguez. Já outras novidades além de Redondo estavam no meia José Luis Villarreal, no atacante Alberto Acosta e no volante Diego Cagna, nenhum deles consolidado na história da Albiceleste.

Ao invés de um quadrangular, os organizadores optaram por um torneio de tiro curto, sorteando as quatro participantes diretamente entre semifinais para definirem então o jogo do ouro e o do bronze. Até mesmo os árbitros se revezariam entre o apito e as bandeirinhas: o sírio Jamal Al-Sharif foi o juiz da estreia argentina para então ser na decisão o auxiliar de Lim Kee Chong, um chinês étnico proveniente das Ilhas Maurício. Em 15 de outubro, o torneio já conheceu um primeiro finalista, com a surra saudita por 3-0 sobre os ianques. No dia seguinte, os argentinos não deixaram por menos.

Redondo na semifinal com a Costa do Marfim, Batistuta na decisão com a Arábia Saudita

Batistuta não teria uma grande atuação na decisão, mas compensara em cheio nas semifinais: com dois minutos de jogo, Simeone o deixou na cara do gol para concluir linda jogada coletiva, onde o próprio Cholo (fazendo jus à camisa 10 que vestiu naquele torneio) matara a bola no peito em meio a passes de primeira tocados por Redondo ou Leo Rodríguez. E, com dez, com a marcação africana frouxa ao perder a bola em pleno campo de defesa, o notório fominha roubou a bola do próprio companheiro Caniggia para ele mesmo, Batigol, finalizar da meia-lua um certeiro chute rasteiro no cantinho.

Caniggia teve o momento dele já aos 23 do segundo tempo, quando saiu o terceiro: El Pájaro usou sua característica velocidade para driblar o goleiro marfinense, que praticamente saiu desesperado da área para diminuir ângulo a Cani – que ainda assim conseguindo na sequência descolar um cruzamento preciso (apesar do arqueiro ter tentado usar as mãos, mesmo fora da área) para o pulo do zagueiro Ricardo Altamirano, elemento-surpresa no ataque. Caniggia também foi generoso aos 36, atraindo a marcação para o matador Alberto Acosta ter uma via livre e tranquila para galopar até a cara do gol e anotar o quarto.

No dia 19, o costarriquenho Rodrigo Badilla então apitou o jogo do bronze (EUA 5-2 Costa do Marfim) para, um dia depois, ser o outro bandeirinha de Lim Kee Chong na grande decisão. O jogo se definiu em um espaço de seis minutos: aos 18, Leo Rodríguez, futuro ilustre reserva de Maradona na Copa 1994, ignorou os atacantes à sua volta ao acreditar em um chute rasteiro da entrada da área após múltiplas tabelas com Simeone e terminar premiado. Aos 24, Caniggia deixou o dele, outro golaço: recebeu livre, mas de costas ao gol, girando o corpo com categoria para fuzilar as redes sauditas.

A debilidade anfitriã ficou patente aos 19 do segundo tempo: Batistuta, não exatamente um garçom, tentou cruzar pela direita, mas a bola fraca logo parecia ser rechaçada pela zaga árabe – que simplesmente lhe devolveu. Bati não titubeou e mesmo sem ângulo preferiu chutar diretamente ao gol. A bola explodiu na trave e chegou a Simeone, que teve a categoria de deixar um saudita no chão antes de concluir ao gol vazio.

No minuto seguinte, os hermanos retribuíram a gentileza nos números finais do jogo: primeiro por um passe errado na própria retaguarda e depois por um frango incrível de Goycochea, cujas mãos deixaram passar um defensável tiro de fora da área. A poesia do lance viria com o tempo: o arremate foi justamente de Saeed Al-Owairan, imortalizado pelo seu gol maradoniano na Copa 1994.

Abaixo, a ficha técnica do jogo, com notas da revista El Gráfico. Em seguida, íntegras das matérias pós-jogo, com negritos do original. A primeira foi assinada por Aldo Proietto e é cheia de ressalvas de um jornalista ressabiado pela desclassificação ainda na primeira fase no pré-Olímpico aos Jogos de Barcelona, onde o mesmo Basile levara gente do naipe de Simeone, Astrada, Latorre, Turco Mohamed (todos integrantes do título da Copa América 1991), Gamboa, Berizzo, Pochettino, Garfagnoli (todos do Newell’s logo finalista da Libertadores em junho e campeões argentinos e julho). Foi o ponto baixo em meio à série invicta que a seleção principal, com muitos deles, construiria entre 1991 e 1993 ao longo de 31 partidas oficiais e duas não-oficiais – contra o Resto da América e o Resto do Mundo, ainda em 1991.

Basualdo, Altamirano, Vázquez, Goycochea, Ruggeri e Redondo; Caniggia, Simeone, Batistuta, Leo Rodríguez e Villarreal: os mesmos onze titulares da semifinal e da final

As equipes da Conmebol classificadas às Olimpíadas de 1992 seriam precisamente Colômbia e Paraguai – e, mesmo com o bicampeonato na Copa América em 1993, o alerta seria profético com os famosos 5-0 impostos em Buenos Aires pelos colombianos dali a menos de um ano, resultado que deixou a Albiceleste a um gol de não ir nem mesmo à repescagem; já a outras duas notas foram assinadas por Gonzalo Abascal. Uma delas, voltada apenas à grande revelação do torneio, também soaria profética…

ARGENTINA: Goycochea – 5, Basualdo – 6, Vázquez – 6, Ruggeri – 7, Altamirano -6; Villarreal – 5 (Cagna aos ’81), Redondo – 8, Simeone – 8, Leo Rodríguez – 6 (Acosta aos ’73); Caniggia – 7, Batistuta – 5. ARÁBIA SAUDITA: Al-Otaibi – 5, Al-Khilawi – 4, Al-Roomi – 5, Ahmed Al-Dosari – 5, Al-Alawi – 5, Abdullah Al-Dosari -6, Al-Bishi – 5 (Al-Razqan – 5 aos ’67), Amim – 5, Al-Muwallid – 6, Al-Jaber – 5 (Mehalel – 5 aos ’45), Owairan – 6. JUIZ: An-Yan Lim Kee Chong – 6.

NÃO BASTAM AS BATALHAS, É PRECISO GANHAR A GUERRA

Esta série invicta da Seleção Nacional da Argentina desde Alio Basile para aqui nos alegra a todos. O nível de futebol exibido em muitas partidas, também nestes da Arábia Saudita, acende o entusiasmo e renova a esperança. Estamos trilhando o caminho correto.

Até agora fomos bem em todas as batalhas, Copa América incluída, mas devemos lembrar que o mais importante é a guerra que virá no próximo ano contra Colômbia, Paraguai e Peru pelas eliminatórias para a Copa do Mundo 1994. Como costuma dizer acertadamente Julio Grondona: “a classificação é mais difícil que o Mundial”.

Por sorte, o treinador tem isso claro e sua inteligência lhe permite superar o ar triunfalista que campeia desde alguns setores, especialmente aqueles imersos em uma presunçosa batalha ideológica em defesa dos líderes antinômicos como são Bilardo e Menotti. O técnico atual, autodefinido como “basilista”, sabe que o feito até agora é muito bom, mas está seguro de que não servirá de nada se não é coroado com a classificação para o Mundial. Sabe, também, que a Argentina será a equipe a ser vencida, que nossos rivais não gostam muito de nós que chegaram com equipes – especialmente Colômbia e Paraguai – de alto nível competitivo.

Será conveniente que os jogadores e os torcedores tomem consciência da realidade e que saibam que as partidas são aquelas que se disputam em campo e não nas redações nem nos estúdios da rádio e da televisão. Estes últimos formam parte de um show – geralmente de péssimo gosto – que não deve interessar-lhes nem preocupa-los.

A SELEÇÃO NÃO É UMA MIRAGEM

Qual outra coisa lhes põe assim eufóricos, felizes?

-Nenhuma, senhor. Só o futebol. Esta é a sua festa.

Então voltei a observa-los, me contagiei novamente de sua loucura, me comovi uma vez mais com sua emoção. Faltavam apenas minutos para que Argentina e Arábia Saudita decidissem o campeão da Copa Rei Fahd e os 70 mil espectadores explodiam irreconhecíveis. Todos juntos eram um só canto – “Saudi é uma boa estrela, Saudi ganhará” – e haviam, por uma vez, abandonado sua uniformidade na vestimenta. Os capuzes vermelhos voavam pelo ar para deixar que as cabeças se cobrissem com as bandeiras verdes. Muitos deles – crianças e jovens – mostravam orgulhosos ao mundo os retratos do Rei Fahd.

Festejado por Simeone, Vázquez e Goycochea, Leo Rodríguez comemora seu gol abrindo o placar na final

Restava, para ver a analisar, a partida final, decisiva. Ficava, na recordação de todos, uma semana inesquecível – de verdade – em um país incrível – de verdade. Porque ninguém dos que viajamos nos esqueceremos jamais da Arábia Saudita. Com suas mulheres que nem sequer podem olhar os homens nos olhos; com seu fanatismo religioso que não lhes impede de executar em uma praça pública os narcotraficantes e os homicidas, ou amputar as mãos dos ladrões. Com a tremenda contradição que provoca conhecer sua febre consumista em shoppings tipicamente ocidentais. Ou a impressão de ver, em cada uma das revistas que chegam desde a Europa, as mulheres riscadas com marcador negro, ou os cassetes de Maradona, todos eles à venda, mas também com a figura da estrela coberta por pintura negra. E no meio de um estilo de vida tão diferente, a paixão que nos iguala, que nos une: o futebol. Porque também é possível encontrar uma várzea ao estilo de Barracas no meio de Riad; porque também eles adoram seus craques e porque investiram três milhões de dólares na organização desde Copa Rei Fahd, talvez com a secreta intenção de impressionar os homens da FIFA e postular-se como futura sede de uma Copa do Mundo.

É assim. A Arábia Saudita está instalada para sempre na memória. Mas ficam coisas para contar, futebolísticas e das outras, desta maravilhosa viagem no tapete mágico.

A CONSAGRAÇÃO. Chegou através de um indiscutido 3-1 sobre a Arábia, uma equipe de evidente menor hierarquia. Jogou bem a Argentina? Por momentos, sim; por momentos, não tanto. O golaço de Leo Rodríguez que serviu para iniciar a vitória resultou uma amostra do que podem lograr estes homens quando se encontram em um estádio. A tripla tabela com Simeone foi uma maravilha. A partir desse gol, e com o público congelado, a equipe cresceu, mostrou espasmos de sua hierarquia, ganhou comodamente, em definitivo. Mas, quem sustentou isso?

AS PRIMEIRAS FIGURAS. Fernando Redondo e El Cholito Simeone, quem duvida? Os dois foram a confirmação contundente que deixou esta Copa Rei Fahd. O volante do Tenerife impressionou a todos. Sua clareza para distribuir o jogo na metade do campo, sua capacidade para antecipar o rival, sua confiança para mostrar-se sempre como recebedor. Disse El Coco Basile depois da partida: “de onde saiu esse garoto? Por que não havia jogado antes? Por que está no Tenerife e não no Real Madrid ou Barcelona?”.

El Cholito Simeone não ficou atrás. Seu rendimento na final foi bárbaro. Por agressividade mental e desdobramento pressiona ele sozinho toda uma equipe contrária. Ademais, El Cholito contagia bom humor e ganas na intimidade das horas prévias.

A CONQUISTA. Do deserto… a empreenderam no domingo 18 El Coco Basile e todo o corpo técnico, junto a um grupo da organização. Passaram a tarde entre as dunas, suportando o vento e a areia golpeando-lhes na cara. Quando regressaram ao hotel, não pareciam muito conformes com a experiência. Esse grande sujeito que é Mostaza Merlo, com gesto de “para o quê terei ido?”, se despachou com um juízo acadêmico: “mas atenção, a parte cultural esteve muito boa”. Um grande Mostaza.

A tabela de Simeone e Rodríguez no primeiro gol da decisão

EL COCO, REGRESSO (I). A dez mil metros de altura, no voo que o trazia de volta a Buenos Aires, Alfio Basile foi desgranando suas primeiras conclusões:

*”Volto melhor do que cheguei. A Seleção não jogava assim desde a Copa América. A conclusão é positiva. Os jogadores não mudaram, segue os mesmos garotos humildes de sempre”;

*”A equipe andou bem atrás e adiante, mas é certo que se sobressaíram os volantes. Se eles funcionam, o resto se torna fácil”.

*”Rendendo assim, não devemos ter medo de ninguém. Por isso, agora vamos enfrentar a Polônia, que ganhou das Holanda pelas eliminatórias. Eu quero testar com equipes de todo o mundo”.

*”O futebol argentino joga distinto do resto do mundo. Nós temos três volantes de recuperação e dois atacantes e meio. Por isso, talvez, nos custe um pouco recuperar a bola, mas não me fica nenhuma dúvida de que – quando a temos – agrediremos qualquer um, certeza…”.

OS NÚMEROS. A seleção recebeu 300 mil dólares por partida, e por se consagrar ganhadora recebeu um prêmio especial de 150 mil dólares a mais, que ficou rateada para os jogadores. Ademais, eles receberam um prêmio de 6 mil dólares, mais 50 dólares de vales-transportes diários. Mas a metade desses vales teve um destino especial: os bolsos de Tito Benrós (roupeiro) e Galíndez (massagista).

O DIRIGENTE RECONHECIDO. Eduardo Deluca, o diretor argentino que se desempenha com êxito como secretário da Confederação Sul-Americana de Futebol, esteve com a equipe, depois antecipou sua viagem a Zurique para participar de importantes reuniões da FIFA, e voltou a Buenos Aires, sempre pensando e falando de futebol. Como sempre.

EL CANI E EL BATI. Batistuta bem na primeira partida, Caniggia bem na final. Cada um teve seu momento. Não puderam consolidar uma atuação com continuidade, de 180 minutos. Por quê? As razões são diferentes. O atacante da Fiorentina tenta sempre, às vezes acerta, outras não, mas vive conectado. Caniggia é distinto. Se concentrou diferente para o cotejo definitivo e melhorou seu nível, embora esteja condicionado de sua mentalização e nem sempre a alcança ou a propõe.

Caniggia: duas assistências na semifinal e gol na decisão

EL COCO, DE REGRESSO (II): “A intenção é jogar sempre, sem depender do erro do rival. Uma equipe com cinco volantes não agride nunca, por isso nós preferimos outra coisa.

*”A série invicta nos fortalece, mas tampouco se precisa engrandecê-la demais. Viemos à Arábia de banca e fomos banca, isso nos dá tranquilidade. Mas não temos que dizer que fomos uma máquina”.

*”É preciso ver como respondemos ante uma equipe forte da Europa. Seguiremos fazendo ao nosso jeito, embora isto seja um conceito antigo. Esclareço: o que tentamos é, dentro do futebol moderno, jogar como sabemos”.

*”Redondo era o grande jogador da televisão a cabo. Aqui rendeu seu grande vestibular ante o futebol argentino, tem um toque de distinção muito pessoal e na Europa ganhou em agressividade”.

*”Não me agrada que comparem esta seleção com a que obteve a Copa América. Esta equipe ganhou nada mais que duas partidas, aquela, ao contrário, triunfou em um torneio renhido, passando por cima de todos”.

*”Para nós, qualquer coisa é importante. E claro, o mais importante é a Copa do Mundo”.

*”Necessitava dar um novo golpe de credibilidade à Seleção. Quero que o torcedor esteja contente”.

A BRONCA. Do Cabezón Ruggeri, na recepção que o Príncipe Faisal ofereceu a todas as delegações. O plantel argentino chegou vestido com os mesmos conjuntos que usaram diariamente e que levaram nas viagens. Os norte-americanos, por sua parte, com elegante terno e gravata. El Cabezón, raposa velha, se aproximou do jornalista para fazer-se escutar: “é uma vergonha que não tenhamos trazido terno e gravata”. Ruggeri tem razão, a Seleção vice-campeã do mundo deve cuidar de sua imagem.

AS DÚVIDAS. El Negro Villarreal. Não conseguiu se firmar em nenhuma das duas partidas. Como se a presença de outros volantes de hierarquia o inibisse. O jogador do Boca ainda não demonstrou na Seleção seu verdadeiro nível. Sergio Goycochea. O gol da Arábia na final é sua responsabilidade. Uma bola sem muitas complicações lhe escapou quase na altura de sua cara. Foi sua única falha, mas custou um tento contra. Sentado no banco espera Islas, o que não é pouco.

Mesclados entre os diretores árabes, comemoram Simeone, Batistuta, Caniggia, Vázquez, Cagna, Ruggeri, o assistente Merlo e o médico Ernesto Ugalde em pé; Acosta, o reserva Claudio García, o preparador Echeverría, o roupeiro Benrós e o reserva Cancelarich agachados.

A SAUDADE. Também pertence a Oscar Ruggeri. No aeroporto de Zurique, e com os olhos vermelhos de emoção, deixou a frase de despedida: “Fico triste porque gostaria de seguir viagem até a Argentina. Continuar com o grupo. É muita a alegria que se vive estando juntos…”. El Cabezón não está bem no Ancona e sonha com a possibilidade de passar ao Sevilla com Maradona e Bilardo. “Me comentaram que Diego tem vontades de que eu vá. E sabes que o que ele diz…”.

A FELICITAÇÃO. Na recepção que o Príncipe Faisal ofereceu às quatro delegações, Joseph S. Blatter, secretário geral da FIFA, se aproximou do capitão argentino, Oscar Alfredo Ruggeri, e se produziu o seguinte diálogo:

-Ruggeri? Eu sou Joseph Blatter…

-Sim, lhe conheço, encantado…

-Quero felicita-los por como jogou a Argentina. Isso é o futebol, isso é o futebol…

A FINAL. “Esta equipe é melhor que a de 1986, porque não tem Maradona e, apesar disso, mostra uma qualidade enorme”, disse Gary Bloom, o comentarista da televisão inglesa. “É a Seleção mais poderosa do mundo na atualidade”, foi a contunde afirmação de Thierry Hubac, da revista francesa Onze. Mas, para além das opiniões – importantes – do jornalismo internacional, está a realidade da Copa Rei Fahd em mãos dos argentinos, de sete gols a favor e só um contra, de nenhum jogador expulso, de uma equipe que convida a acreditar, a sonhar, que – apesar de ter passado pelo deserto – está claro que não é uma miragem.

FERNANDO DA ARÁBIA

O jogador distinto que se vê no campo também é diferente fora dela. Em sua maneira de caminhar, na roupa elegante com estilo europeu, no corte de cabelo particular, no modo de falar, com um leve sotaque do bairro norte portenho. Lhe agrada mostrar-se sério e pensativo, e quando responde, busca cada uma das palavras cuidadosamente, fazendo largas pausas. Fernando Carlos Redondo sabe que as pessoas sabem que ele não é igual aos outros…

“Saio muito contente depois destas duas partidas. A equipe teve um bom rendimento, ganhou, mostrou uma identidade, sustentou uma atitude muito clara em sua linha de jogo. Quero destacar muitas coisas, os grandes jogares… quais? Todos, não vou fazer diferenças. Mas, ademais, é excelente a convivência, o trato, a relação. O feito de estar em uma Seleção onde existe um bom grupo humano me causa um grande prazer. Que falta à equipe? Nos juntar e crescer. Não há nada mais que me preocupe, seria bom que pudéssemos nos reunir em mais ocasiões, deste modo haveria um maior entendimento. Sim, li e escutei que enfrentar os rivais sul-americanos pode nos complicar. Eu não creio. A Seleção tem personalidade, vamos tratar de impor nosso jogo e, caso deva se meter perna forte, se meterá. Mas sempre pensando em jogar, porque é ali onde estabelecemos as diferenças, é o que as demais equipes não têm. Devemos ser consequentes com nossa convicção, há uma história que nos respalda. Na Espanha mesmo vejo que os jogadores argentinos não podemos renunciar a isto por nada do mundo. Eu me sinto um defensor ao extremo deste estilo”…

Trecho da nota traduzida: o Príncipe Redondo como um verdadeiro Rei

Tem 23 anos. Seus começos no Argentinos Jrs já são uma linda recordação. A renúncia à Seleção conduzida por Bilardo fala de uma demonstração de prioridades: preferiu continuar seu estudos de Ciências Econômicas. Seu presente indica que se encontra muito à vontade no Tenerife de Jorge Valdano.

“Basile interpreta plenamente esta maneira de jogar, quer que a seleção tente sempre. Isso me faz sonhar. Então, entro em campo e me proponho uma só coisa: nunca deixar de querer a bola, de buscar jogar, me saiam bem ou mal as coisas. Se em uma final preferiria um bom resultado a um mal rendimento? Creio que geralmente um bom resultado é fruto de um bom jogo. A maioria das vezes acontece assim. De antemão, nunca resigno a busca da beleza. Sempre vou tentar outra vez, e si não se pode jogar bem, aceitarei e tomarei como algo mais para capitalizar. Que parece um discurso? Não é assim, é o que sinto. Minha equipe, o Tenerife, está muito bem, atravessando uma etapa lógica de formação, com coisas para melhorar no aspecto defensivo. Mas temos logrado uma mentalidade atacante, algo muito difícil em um clube pequeno da Espanha. Por que estou ali e não no Barcelona ou no Real Madrid? Porque é a equipe que me levou. Passar a um grande da Europa é meu objetivo, mas não me desespero, trato de viver passo a passo. Ademais, ter Jorge Valdano como técnico é sonhador, me identifico com ele para além do futebol, com seu estilo de vida”.

Foi eleito o melhor jogador da Copa Rei Fahd na Arábia, em uma votação onde não participaram os jornalistas argentinos…

“O regresso à Seleção não é uma revanche, em absoluto. É uma satisfação, um orgulho, sempre foi assim. Bilardo? O respeito, deu um título mundial e um vice-campeonato do mundo à Argentina. Mas não me identifico com seu futebol, eu preferiria ser campeão jogando bem. Obviamente que tem méritos, não os retiro; tampouco lhe faria crítica alguma. Tento aportar algo às coisas que me interessam, da quais eu me sinto partícipe… se jogaria na Seleção com ele como técnico? Agora não é e por isso não penso nisso. O presente é outro. Se me considero inteligente? Sim, inteligente, e isto significa tratar de fazer sempre o que eu acredito. Sou autêntico, sincero, nunca diria algo sem refletir, nem vou deixar de manifestar o que penso e o que quero. Tem a ver com minha filosofia de vida, com minha educação, com desejos a concretizar. A ideia de futebol que defendo é a mesma que escolhi para minha vida…”.

Diz tudo isto Fernando Carlos Redondo, futebolista de profissão, símbolo recente de um estilo, de uma maneira de jogar. E quando a conversa termina, pensa um minuto para deixar flutuando a última frase, a que ele sabe que o resume:

“Quando entro em um estádio, me proponho uma só coisa, e prefiro responde-lo com algo não estritamente futebolístico. Me proponho a nunca deixar de ser eu mesmo…”.

https://twitter.com/Argentina/status/1583095696780976129

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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