Em dois Racings para um Independiente: José Serrizuela, o tubarão da Copa 1990
Ser vira-casaca em Avellaneda, cujo clássico fez ontem 115 anos, está longe de ser incomum. Difícil é ter sua competência reconhecida pelos dois lados como o ex-zagueiro José Tiburcio Serrizuela (lê-se “Seriçuêla”). El Tiburón (“O Tubarão”, também um trocadilho com seu nome Tiburcio, pelo qual também é comumente referido na mídia argentina) não tende a ser exatamente uma opção ao time dos sonhos de Racing e Independiente, mas fez por onde para ser titular em uma final de Copa do Mundo desde seu desempenho por um outro Racing, o de Córdoba, e por um outro gigante, o River. Integra justamente uma rara família que pode se gabar de ter dois jogadores com títulos por dois grandes do futebol argentino. Hoje ele faz 60 anos e assim vale relembrar sua curiosa carreira.
Virando a casaca no Sul da Grande Buenos Aires
Serrizuela nasceu em Tala Pozo, no interior da província de Tucumán. Mas criou-se na Grande Buenos Aires desde a juventude e a dupla Racing e Independiente foi procurada por ele desde cedo, mas nenhum o aprovou em um primeiro momento. Recusado também pelo Estudiantes e dispensado pelo Banfield, acabaria contemplado exatamente no tradicional rival banfileño, o Los Andes, da cidade vizinha de Lomas de Zamora (ela e Banfield situam-se ao sul da região metropolitana portenha). Um pouco por acaso: voltava de trem para sua casa em Florencio Varela quando errou de estação, descendo em Lomas. “Me lembrei que em Lomas havia o Los Andes e por dentro disse que não podia voltar derrotado para casa. Então cruzei a catraca e perguntei ao rapaz da banca de revista qual ônibus levava ao campo do Los Andes e fui direto para lá. Justamente nesse dia, estavam testando o meu ano, 1962. Esse fator mudou minha vida”, detalharia em 2018 ao jornal lomense La Unión.
Ele tinha 16 anos e chegou ao time adulto das Milrayitas (“Mil Listrinhas”, apelido que descreve perfeitamente a camisa) aos 18, na segunda divisão de 1980: “de não ter jogado nunca de titular até os 16 anos nos juvenis e jogar vários anos no acesso, chegar aonde cheguei é um montão. São muitas poucas pessoas que alcançam. E por isso é um orgulho para mim, para meu pai, para meu irmão. Que um jogador tenha passado por este caminho e chegue à final de uma Copa, é muito lindo. E é a linha que gosto de baixar, dizer aos mais jovens que não temam, que nunca baixem os braços, porque se te colocas um objetivo e te esforças, as coisas chegam”.
Não que tenha sido fácil só por ser aprovado no Los Andes. Eram tempos mais duros da Primera B, com uma única vaga de acesso, ao campeão Sarmiento, bem distante do 6º lugar do Los Andes. Em 1981, as vagas se estenderam ao vice-campeão. Tiburcio, dotado de um bom chute de longa distância, marcou seus dois primeiros gols, no 2-0 sobre o Arsenal e no 2-0 sobre o Atlanta, mas o 5º lugar seguia longe dos ascendidos Nueva Chicago e Quilmes. A segundona de 1982 foi recheada com um clube de peso, o San Lorenzo, primeiro gigante rebaixado no futebol argentino. Inaugurou-se um novo formato, dividindo os 22 clubes em dois grupos de onze. O time com maior soma geral subiria diretamente e, sem surpresas, seria o Sanloré. A segunda vaga de acesso contemplaria o vencedor de um mata-mata entre os quatro melhores de cada grupo, desconsiderando-se o campeão.
Faltou pouco ao Los Andes, dois pontos. Para 1983, o time, terceiro em sua chave, conseguiu se incluir naqueles mata-matas. E chegou à decisão, contra a camisa mais pesada do Chacarita. O treinador alvirrubro, por sinal, era outro que se associaria aos dois Racings e também ao Independiente: Pedro Marchetta. El Negro, ainda um técnico iniciante, relembraria à revista El Gráfico sobre aquela campanha do Los Andes que “no início, éramos um desastre. Me xingavam os amigos, os inimigos, eu tinha que tirar minha mãe do alambrado para que deixasse de xingar. No segundo turno, ganhamos todas as partidas e jogamos a final. Perdemos de 2-0 e empatamos em 3-3 na revanche, o árbitro nos cozinhou vivos. Mas foi uma grande campanha”. Serrizuela marcara quatro gols na temporada regular e tornou-se cobrador oficial de pênaltis, somando assim mais cinco gols nos mata-matas, incluindo dois nos 3-3. E também esbanjou saudosismo, ao La Unión:
“Los Andes é o número 1, o que me deu a chance de jogar como adulto. Se bem joguei no River, que foi quem me deu a chance de jogar uma Copa, e no Independiente, onde consegui três títulos com timaços, como Los Andes não há nada. Vivi seis anos bonitos no clube, com grandes companheiros e equipes muito boas, como na temporada 1983, onde estivemos muito perto de conseguir o acesso. A equipe jogava muito bem, era terrível, e o segundo turno foi brilhante. Nesse ano, havíamos feito uma pré-temporada muito dura em Córdoba e por isso nos custou arrancar. Mas quando nos encontramos, fomos uma máquina. Nós não estávamos nas apostas, mas fomos caras-de-pau e estivemos muito perto. Guardando proporções, creio que foi uma das melhores equipes das que joguei. Foi uma pena não conseguir o acesso”.
Em 1984, o novo gigante na Primera B seria o Racing e o Los Andes, novamente, ficou a dois pontos dos mata-matas – enquanto o zagueiro tinha seu ano mais artilheiro na temporada regular, com sete gols, incluindo em cada duelo com La Academia – a estrear, naquele calvário, exatamente contra os lomenses. Em paralelo, o Rosario Central era rebaixado da primeira divisão. Marchetta foi contratado pelos rosarinos para tira-los dali, e lembrou-se daquele zagueiro, que rumou juntamente com o colega Rubén Rojas a Arroyito para 1985. O Racing continuava na segundona, mas o Central a venceu brilhantemente, com onze pontos a mais que a segunda melhor equipe da fase inicial. Serrizuela contribuiu com seis gols, dois deles sobre antigos rivais de vizinhança do Los Andes: o Talleres de Remedios de Escalada (goleado em casa por 4-0) e, sobretudo, o Banfield, surrado por 5-1.
Em paralelo, a primeira divisão argentina iniciou um calendário “europeu”, implementando a temporada 1985-86 enquanto a segunda divisão ainda foi disputada de janeiro (ou melhor, fevereiro) a dezembro de 1985. Os times que subiram teriam um primeiro semestre vago em 1986. E assim Tiburcio, emprestado pelo Central, reforçou pontualmente outro vizinho do Los Andes, o Lanús. A segunda divisão, então restrita a times da Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe, seria nacionalizada e também adotaria o calendário europeu, a partir da temporada 1986-87. O primeiro semestre de 1986 serviu para filtragem, dividindo os vinte clubes restantes da Primera B de 1985 em dois grupos de dez. Os quatro primeiros de cada chave se juntariam aos campeões do interior na segundona nacionalizada de 1986-87, enquanto os demais precisariam recomeçar na terceira divisão.
Em tempos bem mais modestos, os grenás suaram, mas conseguiram a permanência precisamente com o 4º lugar no Grupo A. Serrizuela contribuiu com três gols, inclusive em vitória por 4-3 sobre o próprio Los Andes.
No primeiro Racing, chegando à Copa de 1990
A sobrevivência lanusense não bastaria para Tiburcio permanecer no Central. Para reforçar-se com Roberto Gasparini, o grande craque do Racing de Córdoba (condutor do surpreendente vice-campeonato nacional desse clube em 1980, para o próprio Central), antes da temporada 1986-87 os rosarinos o adquiriram em troca do passe de três jogadores. Serrizuela foi um deles, junto do atacante Raúl Chaparro e do volante Víctor Wolheim. O ex-clube seria o campeão, mas só um componente dali iria a uma Copa do Mundo: Edgardo Bauza. E como reserva de Tiburcio. Em sua tardia temporada de estreia na elite, El Tiburón marcou um gol, aplicando exatamente a lei do ex, convertendo um pênalti na derrota de 5-3 para os canallas na 8ª rodada. Seu novo clube foi apenas o 15º, gerando um promedio que significaria luta contra o rebaixamento na temporada 1987-88.
O Racing do bairro cordobês de Nueva Italia brincou com o perigo, mas sobreviveu – o técnico, inclusive, foi Marchetta. Serrizuela foi inclusive o vice-artilheiro do elenco, com cinco gols, que incluíram um dérbi com o Talleres e os gigantes River e San Lorenzo. O mais precioso, porém, deu-se ainda na 19ª rodada, o único no duelo contra o Unión. É que o time santafesino seria o grande concorrente contra o descenso, a ponto de ao fim da temporada os dois clubes ficarem igualados e precisarem de um jogo-extra depois que na rodada final o próprio Unión vencesse por 1-0 o duelo direto pelo returno. Três dias mais tarde, eles se reencontraram na neutra Bombonera, que viu um 1-1 seguido de prorrogação e pênaltis. Apenas a primeira cobrança, do adversário, foi desperdiçada; Tiburcio converteu a sua, a segunda do Racing cordobês, que se garantiu na primeira divisão.
O zagueiro, por sua vez, acabaria catapultado a um River dos mais chamativos. O Millo, sob euforia de contratar ninguém menos que César Menotti para treina-lo, atacou o mercado com um pacotão de reforços. Jorge Higuaín (pai de Gonzalo), Milton Melgar e Jorge Rinaldi eram peças-chave do próprio arquirrival Boca. Julio Zamora, Fabián Basualdo e um jovem Abel Balbo vinham do Newell’s arrasadoramente campeão de 1987-88. O volante Sergio Batista, o “maradoniano” Claudio Borghi e o velho ídolo Daniel Passarella estiveram na seleção de 1986. Carlos Enrique e Gerardo Reinoso tinham no currículo a última Libertadores do Independiente, enquanto Mario Bevilacqua era o artilheiro do Talleres. Serrizuela, assim, era na época um dos reforços mais “humilde”, junto do goleiro rebaixado com o Unión (Oscar Passet), de um zagueiro escondido no Godoy Cruz (Daniel Oldrá) e do goleiro reserva do Talleres (Ángel Comizzo).
Mas seria El Tiburón um dos nomes que mais vingariam em um timaço no papel que não deu liga em campo; no máximo, ficaram a sete pontos da liderança na 31ª rodada. Ao fim da temporada, os melhores times abaixo do campeão Independiente disputaram um mata-mata pela outra vaga na Libertadores de 1990, a liguilla. Chamuscado, Menotti caiu no decorrer dela, que acabaria servindo de grande consolação. É que a semifinal da liguilla opôs Boca e River, onde o zagueiro acabaria protagonista: marcou gol na vitória millonaria de 2-1 assim como cavou a expulsão do adversário Alfredo Graciani, a desferir-lhe um soco, embora Passarella acabasse expulso junto na confusão que se gerou. Seria o último jogo da carreira do ídolo, desfalque para a decisão.
A liguilla seria vencida sob o comando de uma dupla técnica formada por outros ídolos históricos em Núñez, a velha dupla de meias Norberto Alonso e Reinaldo Merlo. Que seguiram inicialmente no cargo mesmo com queda precoce na Supercopa (torneio que reunia os campeões da Libertadores), logo no primeiro mata-mata, contra o Grêmio. Para a temporada 1989-90, o trabalho deles (que, por fidelidade ao presidente que os contratara, não reeleito em dezembro, dariam em janeiro lugar a Daniel Passarella) seria caracterizado exatamente por uma solidez defensiva capaz de manter o Millo nas cabeças do primeiro turno mesmo com poucos gols.
Pois essas características estariam bastante vinculadas justamente a Tiburcio, pelo que se vê em seu perfil no livro Quién es Quién en la Selección Argentina: “sólido para a marcação, de boa técnica e um potente arremate de longa distância. Na seleção, foi uma alternativa defensiva que Carlos Bilardo teve em conta para a Copa do Mundo de 1990, como um stopper aplicado e firme”. É que Serrizuela chegou à seleção exatamente por conta daquele torneio com o River. A dupla defensiva da seleção 1986, José Luis Cuciuffo e José Luis Brown, assíduos na seleção até 1989, estava envelhecida e frágil fisicamente, obrigando o técnico Carlos Bilardo a recorrer a novidades de última hora: Juan Simón havia sido “desenterrado” em 1989 após nove anos de ausência, mesmo hiato que o retorno de Edgardo Bauza encerrara já no início de 1990, pois não jogava pela seleção desde 1981.
Serrizuela, sem ainda qualquer partida pela Argentina, foi incluído entre os pré-convocados, que no fim de abril viajaram para a concentração na Itália. Assim, ele não se fez presente nas rodadas finais do River campeão de 1989-90 – temporada que também marcou a despedida do Racing de Córdoba na primeira divisão. Órfão do Tiburón, o clube jamais voltou à elite até hoje. O zagueiro estreou pela Argentina já em 3 de maio de 1990, no 1-1 em Viena contra a Áustria. No dia 8, novo 1-1, em Berna, com a Suíça. Veio então vitória de 2-1 em Tel Aviv sobre Israel. Para a estreia, Bilardo optou por Néstor Fabbri para acompanhar Juan Simón e o líbero Oscar Ruggeri na defesa em 3-5-2. Camarões venceu por 1-0 e Tiburcio ganhou uma chance no lugar de Fabbri para a segunda rodada. Quase um presente de aniversário, pois o pega com a URSS se deu em 13 de junho.
Aponta-se que teria falhado contra os soviéticos no lance que causou a fratura do goleiro Nery Pumpido: para cobrir o espaço propiciado pelo Tiburón ao perigoso Igor Shalimov, Pumpido precisou desembestar-se e o volante Julio Olarticoechea fez o mesmo. Esses dois colegas se chocaram no lance que tiraria Pumpido da Copa e que, por linhas tortas, reforçou a seleção com Sergio Goycochea. Mas, no geral, o novato convenceu Bilardo – quase marcou em três cobranças de falta, uma espalmada para escanteio e as outras a passar pouco acima do travessão. Um desses lances é a imagem que abre a matéria. Pelo resto da Copa, Serrizuela só não jogaria contra o Brasil: estava suspenso após cartões amarelos naqueles jogos que completaram a fase de grupos, contra URSS (2-0) e Romênia (1-1). A eficiência de seus chutes fez-se notar sobretudo nas nervosas decisões por pênaltis dos mata-matas seguintes; abriu os trabalhos argentinos contra a Iugoslávia e a anfitriã Itália, sem comprometer.
Ou quase. Ao diário La Unión ele explicou porque, contra a Azzurra, acabou endereçando a bola no meio do gol e teve sorte: “eu sabia o que tinha que fazer nessa situação: escolhia um canto antes de chegar à marca do pênalti e chutava forte, muito decidido e concentrado, tratando de enganar o goleiro, mas sem mudar de ideia. Tinha minha cerimônia. E, no que chutei contra a Itália, fui com a ideia de arrematar na direita de Zenga, mas vejo que se inclina até essa trave e decidi mudar porque, se chutasse como eu queria, ele pegaria. A bola, por sorte, saiu no meio, forte, e se bem ele a tocou, não pôde pegar. Foi um alívio”. Em 2020, nos trinta anos da campanha, deu outros detalhes ao Clarín, como o de que o tão meticuloso Bilardo não treinava pênaltis (“a verdade é que eu não treinei nunca. Passam mil coisas na cabeça. Mas eu confiava em converter”) e que teria sido o assistente Carlos Pachamé quem escolhera os chutadores.
E falou mais: “com o tema da quarentena, voltei a ver as partidas. Não havia feito em 30 anos. E agora me dou conta de que tínhamos uma grande seleção, muito aplicada e com a marca de Bilardo. Há uns dias, Diego disse que a equipe de 1990 era de audazes e creio que é o resumo perfeito. Com outra condição física, teríamos podido ser campeões. Porque esse plantel tinha jogadores de hierarquia, com muito caráter, e jogava bem o futebol. Na Itália, chegamos com vários jogadores que arrastavam lesões e vinham se recuperando. Me parece que com os anos as pessoas valorizaram o esforço que se fez para se sobrepor”. Mesmo na época, sua concentração contra os anfitriões foi reconhecida, com a El Gráfico apontando que o senso de colocação de Tiburcio fez o artilheiro Schillaci ficar impedido “não menos que dez vezes”. A final seria justamente a única derrota do zagueiro pela seleção, e também sua involuntária despedida após oito jogos pela Albiceleste.
Sobre o vice, ele declararia na nota de 2018 ao La Unión que “nos primeiros quatro anos senti frustração, mas com o passo do tempo dei outro valor, e creio que às pessoas aconteceu o mesmo. Não é fácil chegar a uma final e com os anos, tanto eu como todos os argentinos demos a dimensão que se merecia”. Se a amargura preponderava em um primeiro momento, moral não lhe faltou no River ao retornar: dos três jogadores do clube naquela seleção, ao lado de Batista e Comizzo, seria o principal expoente na Itália e assim representou o clube nos guias argentinos para a temporada 1990-91. Mas ela marcaria um ostracismo ao zagueiro.
Logo na virada de agosto para setembro, o River amargou uma queda inesperada nas semifinais da Libertadores, para o Barcelona de Guayaquil. Nunca um time de Equador chegara à final, e Serrizuela calhou de perder um pênalti naqueles duelos. Em novembro, veio a queda na Supercopa, novamente no primeiro mata-mata, contra o Olimpia. E em dezembro o time viu o Apertura escorrer pelos dedos calçados pelas luvas de Ubaldo Fillol. Na rodada final, o Newell’s começou um ponto à frente, mas não saiu do empate com o San Lorenzo. Mas, em pleno Monumental, o Millo foi derrotado por 2-1 pelo Vélez, onde Fillol ainda jogava: é que o veterano encerrou ali a carreira pegando até pênalti (de Jorge da Silva, não do Tiburón).
Virando a casaca em Avellaneda – e em Córdoba
Apesar da sucessão de desenganos sofridos pelo River no fim de 1990, a saída de Tiburcio no início do ano seguinte causou surpresa e nunca foi totalmente explicada, propiciando que boatos não confirmados de algum vício do zagueiro, que se veria bastante afetado com isso. Ele passou o primeiro semestre no futebol mexicano e foi repatriado pelo Huracán sob empréstimo para a temporada 1991-92 – 12º no Apertura, 9º no Clausura. Essa série ruim de acontecimentos lhe tirou do radar do novo ciclo da seleção. Mas, após nova passagem pelo México, ele chegou ao Independiente em 1993. O então técnico do Rojo? O mentor Pedro Marchetta, sob quem o clube vivia momento de ascensão, vindo de um vice-campeonato no Clausura 1993. Embora caíssem na Supercopa 1993 logo no primeiro duelo (contra o campeão São Paulo), o embalo foi mantido em um Apertura embolado, que sofreu uma pausa de dois meses após a 15ª rodada.
Àquela altura, as duas forças de Avellaneda brigavam pela ponta, mas Marchetta deixou-se seduzir por nova oferta do Rosario Central. Ao fim, já em março de 1994, o River seria o campeão, com o Rojo dois pontos abaixo. Mas a reação seria imediata. Sob o sucessor de El Negro Marchetta, Miguel Ángel Brindisi, Serrizuela avançou ligeiramente, quase como um volante de um time bastante ofensivo – em contraste com o time “rei dos empates” na gestão Marchetta. O Clausura 1994 foi levantado em agosto em uma reta final pontuada por goleadas, encerrando cinco anos de jejum e sedimentando o timaço que encantaria pelo resto daquele segundo semestre: logo no início do Apertura, o Independiente encerrou onze anos de jejum no clássico com o Racing e, em novembro, venceu pela primeira vez o troféu que lhe faltava – a Supercopa, com um futebol dos mais envolventes.
Serrizuela até deixou um golzinho na Supercopa, fechando como elemento surpresa no ataque o inapelável 4-0 sobre o Cruzeiro nas semifinais. O ímpeto, porém, não se manteve para 1995. Focado na Supercopa, o Rojo já havia sido 11º no Apertura 1994 e repetiu essa colocação no Clausura 1995. Também vindo de duras derrotas para o River na Libertadores, na ocasião da Recopa Sul-Americana o timaço de 1994 não era favorito contra o Vélez para aquele duelo realizado já em abril de 1995 em Tóquio – seria em Kobe, mas o famoso terremoto que assolou essa outra cidade japonesa inviabilizou. A partida, de nível baixo e brusco, rendeu o maior momento da carreira de Serrizuela.
El Tiburón anotou o único gol (também seu quarto e último pelo clube), que, curiosamente, envolveu apenas defensores. Aos 24 minutos do segundo tempo, o próprio Tiburcio recuperou uma bola e tocou para Guillermo Ríos, que inverteu para Claudio Arzeno. El Polaco Arzeno, desde a direita, efetuou um cruzamento completado de primeira por Serrizuela na pequena área de Chilavert. O “artilheiro” foi humilde: “Claudio meteu o cruzamento forte e eu somente tive que empurra-la”. Nove minutos depois, o Vélez até teve a chance do empate, se a arbitragem de Francisco Lamolina não apitasse a mão do zagueiro Pablo Rotchen evitando na linha o que seria o gol da igualdade – preferindo assinalar que a bola chegou até ali por falta do atacante velezano Omar Asad sobre o goleiro Luis Islas, que dividiram no ar. O troféu isolou na época o Independiente como clube mais conquistador de Copas no mundo (até então, estava igualado ao Milan), como destacado na imagem acima.
Mas a Recopa também foi o canto do cisne de um timaço sob desmanche. Despedida catalisada pelo próprio Vélez, que vingou-se nas oitavas-de-final da Libertadores, semanas depois. Dos titulares das três taças erguidas entre agosto de 1994 e abril de 1995, apenas Serrizuela, Diego Cagna e Gustavo López remanesceriam para o troféu seguinte, ainda naquele 1995. Mesmo o técnico Brindisi retirou-se daquele ambiente de um clube que vinha sob ebulição institucional, sendo sucedido por Miguel Ángel López – que, curiosamente, desaprovara Serrizuela quando treinava-o no México, no Veracruz. El Zurdo López tinha a seu favor muita, muita experiência copeira, tendo integrado como defensor todo o recordista tetra na Libertadores entre 1972-75 que tanto orgulha o Rey de Copas.
O futebol vistoso de 1994 daria lugar no segundo semestre de 1995 a um cujos elogios seriam referentes a muita raça e personalidade – pouco para a exigente torcida mal acostumada na Doble Visera, mas com muito reconhecimento com o passar do tempo em um clube de poucas taças desde aquele bicampeonato na Supercopa. O 14º lugar no Apertura 1995 foi tolerado pela paralela campanha na competição continental, na qual o Rojo definiu como visitante três dos quatro mata-matas. Nessa condição, mesmo sem encantar e com só duas vitórias em oito jogos, superou o Santos de Giovanni, o River de Francescoli (ambos em decisões por pênaltis nas quais El Tiburón converteu os seus) e o Flamengo centenário. Se os cariocas decepcionavam no Brasileirão, seu “ataque dos sonhos” conseguia dar certo na Supercopa, última chance na Gávea para um troféu para os 100 anos rubro-negros.
Mas faltou combinar com os argentinos, que venceram bem em Avellaneda por 2-0 (única derrota flamenguista em toda aquela edição) e então seguraram no Rio uma pragmática derrota de 1-0 sem maiores contratempos. Coube a Tiburcio a honra de ser o capitão da primeira volta olímpica argentina no Maracanã. Inclusive, levou duas vezes perigo sob 100 mil vozes, em duas cobranças de falta. Em 1996, porém, o futebol feio daquele Independiente já não foi mais tolerado: além de 12º no Clausura, o time perdeu a Recopa levando um baile de 4-1 do Grêmio, em abril. O coringa zagueiro-volante permaneceria em Avellaneda para o segundo semestre, mas no clube vizinho.
Serrizuela ficou por uma temporada no Racing, sem repetir os títulos, mas agradando; treinada por Alfio Basile, La Academia ficou em 4º lugar no Apertura 1996 e soube brigar na fase de grupos da Supercopa. No Clausura, ficou em 7º, mas para focar em uma campanha semifinalista de Libertadores – até hoje, o mais longe que o time chegou desde seu único título em La Copa, em 1967. Mesmo com o calendário sendo organizado por algum inimigo: o clube chegou jogar duas vezes em 2 de março, com uma delegação diminuta (com apenas três reservas) para encarar no Equador o El Nacional e perder de 2-0 enquanto o resto do time vencia pelo mesmo placar o Vélez pelo Clausura. Já com 35 anos e até por isso sem ser exatamente titular absoluto no Cilindro, Tiburcio deixou Avellaneda e voltou a Córdoba, agora para defender o Talleres na segunda divisão.
Àquela altura, quem parecia reluzir mais era o irmão caçula Juan José Serrizuela, participante do Lanús vencedor da Copa Conmebol em 1996 e campeão em 1997 com a seleção sub-20 no Sul-Americano e no Mundial da categoria – além de titular de nova campanha finalista da Copa Conmebol com o Lanús. O mais velho não deixou por menos, participando ativamente da campanha que recolocou La T na elite ao fim da temporada 1997-98, ainda que se ausentasse das “finais do século” com o arquirrival Belgrano. O sobrenome seguiu no mais alto: Juan venceria em 2001 o Clausura (ainda como reserva) e a Copa Mercosul (já como titular) com o San Lorenzo e, em 2002, o Apertura com o Independiente, até hoje o último título argentino do Rojo. Como o irmão, Juanjo no fim da carreira também viraria a casaca em Córdoba: defendeu Belgrano e Talleres. Atualmente, é técnico do time de veteranos do Independiente, talvez o clube mais associado aos irmãos.
Tiburcio, do seu lado, afastou-se dos holofotes do futebol ao pendurar as chuteiras, investindo de restaurantes a clínicas de depilação – muito por conta de tornar-se desafeto do chefão Julio Grondona, segundo esclareceu ao Clarín em 2020. Após o falecimento do cartola, já era tarde para sair do ostracismo: no máximo dirigiu o nanico Colegiales e foi assistente de Juan no Nueva Chicago. Atualmente, é o técnico do time sênior do Independiente e conselheiro de futebol do Los Andes (ainda é o único prata-da-casa dali a ir a uma Copa do Mundo), protagonizando a homenagem póstuma milrayita a Maradona em 2020.
Subcampeón mundial 1990. Campeón con Central, River, Independiente y Talleres. #CumpleSports José Tiburcio Serrizuela pic.twitter.com/DVJLo5shRu
— VarskySports (@VarskySports) June 10, 2022
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