50 anos de Turu Flores, o maior atacante do Vélez dos anos 90
Há cerca de cinco semanas, o Vélez e nostálgicos dos anos 90 recordaram os 50 anos de Omar Asad, o talismã do clube em 1994, ano marcado pelos gols de El Turco nas decisões da Libertadores (onde Asad vitimou ainda outros brasileiros além do vice São Paulo) e do Mundial. Mas já ali e também na escalação pelo Futebol Portenho do time velezano dos sonhos, em 2020, destacamos que Asad foi aquilo mesmo: um talismã que na verdade fez poucos gols. E que craque mesmo era seu parceiro naquele ataque fortinero: José Oscar Flores, escalado como segundo atacante naquele time dos sonhos. Ontem quem completou 50 anos foi El Turu (a pronúncia é “Túru”, não “Turú”), um habilidoso tanque de guerra que ainda abocanhou La Liga pelo La Coruña e uma Copa do Rei pelo Real Mallorca.
Os elogios unânimes no público argentino
A introdução acima pode soar disparate ao leigo, mas é uma opinião corrente a quem acompanhou para valer aquele Vélez. E um dos que acompanharam para valer foi o historiador Esteban Bekerman, um sortudo que pôde profissionalmente observar desde os juvenis nos anos 80, como setorista do seu Vélez do coração, muitos dos futuros campeões em série na década seguinte. Como consultor naquela eleição do Futebol Portenho para o time velezano dos sonhos, cravou que o ataque deveria ter Flores. Que, de fato, já havia constado em eleição similar feita pelos argentinos – na ilustração logo abaixo.
Em 1996, último ano de Flores no Fortín, o mesmo Bekerman publicou o Diccionario Velezano, que já descrevia El Turu como “dono de uma particular mescla de habilidade e potência” e lembrava inclusive que “devido a sua contextura física, mais apropriada ao parecer para um defensor que para um atacante, atuou como zagueiro central em todas as divisões inferiores do clube”.
Mas, inegavelmente, quem acompanhou tudo ainda mais de perto foi o próprio treinador Carlos Bianchi. Na edição especial que celebrou o Vélez campeão de tudo em 1994, a revista convidou El Virrey para relatar tudo em primeira pessoa. E o técnico não titubeou: “os dois tanques da frente são a base do nosso jogo ofensivo. Juntam 178 quilos de potência nata. Metem medo nos rivais. El Turquito Asad é o que utiliza mais a força; de outro lado, El Turu Flores é mais técnico. Possui uma habilidade impressionante; quando engata, desequilibra”.
Em 2003, então, a revista El Gráfico publicou uma nota de poético nome “A minha metade da laranja”, onde relembrou a dupla Turco e Turu e como suas características distintas complementavam a dupla: “dois autênticos tanques, qualificativo que lhes cabia tanto por sua potência na área rival como pelo seu peso no sentido mais estrito da palavra. El Turu possuía uma estranha habilidade, que lhe permitiu converter gols memoráveis. O do Turco tinha mais a ver com esforço e persistência”.
Em 2010, o historiador José Macías publicou o livro Quién es Quién en la Selección Argentina, com perfis de todos que a defenderam oficialmente até então. Se não comparou Flores e Asad diretamente, destacou que o primeiro era “um tanque que se movia melhor pelas laterais do que dentro da área, mas que igualmente tinha muita potência para buscar passes em profundidade. Tinha uma estranha habilidade e era muito difícil para-lo na corrida”.
E, em sua edição de aniversário em 2013, a revista El Gráfico convidou o ex-árbitro Ángel Sánchez (representante do apito argentino na Copa de 2002, onde ficou marcado pelo soco sofrido por João Pinto na precoce eliminação portuguesa) a escalar um time argentino ideal dentre os jogadores com quem trabalhou. Além de nomes óbvios como Gabriel Milito, Sorín e Walter Samuel na defesa ou Lucho González, Almeyda e Aimar no meio, seu ataque teve Saviola, Palermo e… Flores: “El Turu era pura potência, mas com uma grande habilidade. Fui testemunha de um de seus melhores gols”, garantia. Se referia, provavelmente, a este lance abaixo (ainda voltaremos a ele), em partida sob arbitragem de Sánchez onde Flores recebeu nota 10 da El Gráfico.
Exposto o contexto, hora de relembrar a carreira do Turu Flores, sobretudo no seu Vélez.
No Vélez mais glorioso
Em 1995, a mesma El Gráfico reuniu garotada promissora naquele ano. “Nesta mesa não se fala de futebol” foi o título da matéria a reunir à paisana Ortega, precoce o suficiente para ter ido à Copa do Mundo dos EUA, a diversos outros jovens que recém-estreavam pela seleção – ainda que apenas o zagueiro Ayala e o meia Gustavo López tenham no futuro sido relembrados a um Mundial.
Feliz Cumpleaños Turu Flores!!! Top Five de los mejores delanteros que tuvo Vélez
El regalo lo recibis 14 hs aprox,
*guiño guiño pic.twitter.com/UpW1zlsZ0c— La Madrina De Vélez (@LAMADRINAVES) May 16, 2021
Na nota, Flores era descrito como alguém “informal, um garoto de bairro (Caseros), que cresceu com sua mãe – é filho de pais separados – e três irmãos em uma casa frente ao campo do Estudiantes de Buenos Aires. Saiu de um estrato social muito baixo e desde janeiro de 1994 vive com sua namorada Mara em Villa Urquiza”. É dessa infância humilde na cidadezinha de Caseros que surgiu seu apelido único, diminutivo de Tururú, como era chamado por um tio. O Vélez não ficava muito longe dali, propiciando que se formasse na base fortinera.
O livro do Clarín para o centenário velezano brincou: “e pensar que este atacante imparável por habilidade e desenfreio começou como defensor. Flores falou de sua velha posição em campo: ‘até o sub-19, sempre joguei de marcador central. De zagueiro ou lateral-esquerdo eu jogava sempre, até fui capitão e fiz uma pré-temporada e muitas vezes fazia treinos com os profissionais jogando de central. Um dia, Héctor Bentrón, meu técnico no sub-19, me disse que ia me pôr de atacante e que neste posto ia chegar no A pronto. Assim foi, em seis meses estreei [no principal]”.
“Foi difícil nessa idade, mas sempre gostei de jogar de atacante”, frisou ele em outra lembrança similar feita já em 2019 pela El Gráfico, a destacar que Alfio Basile, técnico do Vélez na temporada 1989-90, esteve para promovê-lo ainda como zagueiro de 18 anos ao time adulto. A primeira oportunidade veio no ciclo de Héctor Veira, que o estreou em 28 de abril de 1991, na 10ª rodada do Clausura, uma derrota de 2-0 para o Boca na Bombonera. “Garoto, com esse físico você tem que fazer todos girarem, não se assuste” foi a orientação de Bambino Veira.
Mas, até por Veira acabar sendo preso poucos meses depois, condenado por estupro de um menor, o técnico que realmente começou a bancar Flores foi o seguinte, Eduardo Luján Manera. Na temporada 1991-92, Flores marcou seus primeiros sete gols, a começar pelo placar fechado em um 5-0 no Huracán na 5ª rodada do Apertura. O Fortín já semeava o timaço que marcaria a década: primeiramente, foi 4º no Apertura. Para quem só tinha um título na primeira divisão até então, era chamariz o bastante para credenciar Flores à seleção olímpica.
Brasil e Argentina era naturais favoritos no pré-Olímpico que ocorreria em Assunção. E até programaram antes dois amistosos na virada de 1991 para 1992. Agora técnico da seleção principal, Basile fez hora extra também na olímpica e chamou Flores, que em 4 de dezembro decretou a virada argentina no Monumental. Em 19 de janeiro, então, um cabeceio de Turu logo aos 5 minutos no meio da defesa que naquele dia teve Cafu, Júnior Baiano, Márcio Santos e Roberto Carlos decretou a vitória da Albiceleste em curiosa revanche em Teresina – embora a narração brasileira, inicialmente, o confundisse com Walter Silvani.
Nem Dener, Marcelinho Carioca, Élber, Bismarck, Djair ou Elivélton conseguiram reverter o 1-0 visitante em pleno sertão. Empolgada, a revista El Gráfico até elevou aquela seleção sub-23 à “banda do gol e do toque”. O pré-Olímpico se desenrolou em fevereiro de 1992, dividindo as dez seleções da Conmebol em dois grupos de cinco, com os dois primeiros colocados avançando a um quadrangular final. E, incrivelmente, Brasil e Argentina sequer se classificaram à fase final.
Flores e colegas como Simeone, Pochettino, Berizzo, Roa, Astrada, Mohamed, Latorre, Cagna e Gamboa até começaram muito bem: 1-0 na Bolívia e 1-0 no Equador. Com gol do Turu, a Albiceleste batia pelo mesmo placar o Chile, que empatou a sete minutos do fim. Restava o clássico com o Uruguai, onde bastava um novo empate. Latorre até abriu o placar, mas Dorta e Saralegui viraram. A Celeste ultrapassou e ficou com uma das vagas, enquanto a outra foi do surpreendente Equador, que soubera vencer todos os seus outros jogos.
Começou um Clausura ressacado, onde o Vélez competiu até a rodada final pelo título contra o Newell’s de Marcelo Bielsa. Os dois últimos gols do Turu naquela temporada vieram no simbólico título da liguilla, completando um 3-0 aberto por Alejandro Mancuso sobre um Gimnasia LP que também semeava seu forte time noventista: no primeiro, foi acionado em um contra-ataque onde deixou dois marcadores para trás antes de se livrar do goleiro, driblado também no seu outro gol.
Talvez também com esses gols em mente (a partir do segundo minuto desse vídeo), além de inegável clubismo, é que o citado Bekerman chegasse a declarar preferência pelos gols de Flores em comentário a uma exibição de um gol de George Best em velocidade. Porém, embora entre 1986 e 1991 o campeão da liguilla se garantisse na Libertadores, caiu de ali ainda não ser o suficiente: foi preciso jogar ainda uma partida com o Newell’s, derrotado no tira-teima com o River (campeão do Apertura) no jogo-extra dos campeões pela vaga direta em La Copa. Os rosarinos venceram por 1-0 e adiaram em uma temporada o projeto continental.
No Apertura, Flores marcou um só golzinho, no 2-0 sobre o Huracán. O Vélez decaiu para 6º e a diretoria optou por substituir Manera por um homem da casa: Carlos Bianchi. Gareca e Mancuso saíram e o próprio Flores foi muitas vezes desfalque por um vírus que lhe limitou a três golzinhos no Clausura 1993, mas o Fortín recebeu em contrapartida uma injeção de mentalidade vencedora. E Turu voltou a tempo de figurar no jogo do primeiro título argentino do clube em 25 anos, fazendo a dupla de ataque com Esteban González em uma ausência de Asad por lesão.
Além daquele torneio abrir a era dourada, foi também o primeiro a ver Turu e Turco como dupla regular de ataque, em um rodízio com El Gallego González. O que já rendia muito entrosamento extracampo, conforme Flores lembrou à El Gráfico nos 20 anos da conquista: “nos fizemos amigos do moço da concentração, pedimos que na garrafa de água mineral nos colocasse Sprite. E assim tomávamos dois litros cada um. Até que um dia Bianchi chegou tarde e quando foi à sua mesa, não havia água”. O treinador pediu um gole da garrafa da dupla, que não conseguiu encontrar desculpas para negar um pedido por água, mesmo ciente da bronca tremenda que levariam (e levaram: “mas ao final nos terminamos rindo”).
Em longa entrevista à El Gráfico em 2010, Asad jurou que o parceiro era o mais comilão dos dois, “mas eu tinha a desvantagem de não ter feito inferiores, então não tinha o corpo bem cuidado, estilizado”. No segundo semestre, o Vélez esteve muito no páreo por um inédito bicampeonato seguido. Terminou um ponto abaixo do campeão River no Apertura, em torneio encerrado já em março de 1994. Ressaca curada com a recordada Libertadores da América, em caminhada iniciada na Bombonera contra o Boca de César Menotti.
Os anfitriões abriram 1-0, mas o Fortín arrancou um empate valioso animicamente para o resto da fase de grupos: foi com um verdadeiro golaço do Turu, que, acionado em um contra-ataque a pegar desprevenida toda a defesa azul y oro, foi acreditou em um distante toque sutil para encobrir sem tanto ângulo assim um Carlos Navarro Montoya – no lance filmado a partir do quarto minuto desse outro vídeo. Em paralelo, o Boca levou de Flores outros dois gols na Bombonera em um 3-3 na quarta rodada pelo Clausura, logo deixado de lado em prol da campanha continental – La V Azulada terminou em antepenúltimo no torneio doméstico, inclusive.
No resto da primeira fase, Asad destacou-se mais contra os brasileiros, vazando o Cruzeiro de Ronaldo e Cerezo nos dois jogos e no 1-0 em casa sobre o Palmeiras. Flores sobressaiu-se nos primeiros mata-matas: nas oitavas-de-final, converteu o pênalti da classificação sobre o Defensor (após ouvir Bianchi gritar-lhe para não inventar presepadas; o técnico até exagerou que temia que Turu cobrasse com um toque de letra). Nas quartas, contra o Minervén, já havia fuzilado duas vezes até ter a insistência premiada, acertando à queima-roupa o gol que abriu os 2-0 agregados, construído todo no jogo da volta.
As semifinais reservam embates de alto nível contra o Junior de Barranquilla. Flores marcou nas duas partidas: na Colômbia, achou espaço entre o goleiro e a trave para empatar provisoriamente na derrota de 2-1 para a equipe dos Valderrama. Em Liniers, Asad conectou de cabeça um cruzamento para deixar o Turu na cara do goleiro. Mesmo a galope, Flores soube dominar a bola com uma coxa e usar a outra perna para assinar o 2-0 no placar, mas o Junior soube diminuir e forçar os pênaltis… onde Flores quase virou vilão, ao perder a quinta cobrança da casa após todos terem acertado. Então, foi a vez de Chilavert ser o herói, encaixando a quinta dos colombianos e forçar as alternadas, onde o Fortín prevaleceu.
Na ida da final, Asad então fez valer sua fase iluminada contra brasileiros para marcar o único gol da noite em Liniers. Para a volta, Bianchi admitiria que ficou na dúvida entre Flores e Roberto Pompei. É que, com Pompei, El Virrey teria mesmo maior presença no meio-campo, como relatou a revista pós-jogo da El Gráfico, mas “com El Turu, podia apostar em alguma genialidade…”. Flores foi o escolhido porque, segundo o treinador, os são-paulinos “não vão sair loucamente. Tocam, tocam, chegam cinco vezes e fazem dois gols. Talvez se lhe metermos algum susto de entrada, vão pensar melhor, sem arriscar tanto”.
Calhou que seria mesmo Pompei quem terminaria herói, convertendo o gol do título na decisão por pênaltis: com a expulsão do lateral Raúl Cardozo, Bianchi optou por tirar Flores para reforçar a defesa. Mesmo com os olhos já voltados a Tóquio, os campeões da América ainda fizeram um bom Apertura, em terceiro. Nesse embalo, El Turu estreou pela seleção adulta na primeira partida do ciclo de Daniel Passarella, ainda que usado nos oito minutos finais de um 3-0 dentro de Santiago sobre o Chile, substituindo em 16 de novembro Sebastián Rambert – destaque uma semana antes no título do Independiente na Supercopa.
Em 1º de dezembro, o time de bairro ganhou o mundo graças àquela folclórica dupla de ataque: o Milan começou a ser derrotado quando Costacurta precisou puxar a camisa de um Flores em corrida na grande área (enquanto Basualdo ainda cruzava a bola), ensejando o pênalti convertido por Trotta. Asad então deu números finais em um dos maiores golaços que alguém de 93 quilos já marcou em uma partida daquela importância.
Em 23 de novembro, então, Flores jogou sua segunda partida pela Argentina, substituindo Marcelo Escudero nos vinte minutos finais de um 1-0 sobre a Romênia no Monumental. O primeiro semestre de 1995 já foi agridoce: o Vélez perdeu a Recopa para o Independiente, mas vingou-se eliminando-o no mesmo mês nas oitavas da Libertadores, com Flores somando três gols entre ida e volta. No Clausura, o time fechou o pódio e teve no Turu o artilheiro do torneio, com 14 gols – incluindo dois gols no 3-0 no clássico com o Ferro Carril Oeste e no 1-0 sobre o novo rival San Lorenzo, tirando-o da liderança na antepenúltima rodada.
O seu perfil no Diccionario Velezano reconheceu: “se caracterizou no começo da sua campanha por alternar atuações baixas com aparições fulminantes e gols sempre espetaculares. Deveu esperar até o Clausura 95 para alcançar sua maturidade futebolística”. Contudo, Passarella não só não chamou Flores para a Copa América como sequer voltou a usa-lo na Albiceleste:, limitando o tanque àquelas duas partidas de 1994. “No conjunto nacional, não pôde fazer valer todas as suas condições” foi a lamentação daquele livro Quién es Quién en la Selección Argentina.
Credenciais não faltaram. Se o River eliminou o Vélez no mata-mata seguinte da Libertadores 1995, no início de agosto, e o Fortín caiu vergonhosamente para o Flamengo já nos primeiros duelos da Supercopa, a equipe de Liniers se recuperou com uma recuperação tremenda na reta final do Apertura – mesmo perdendo Asad para a gravíssima lesão que abreviou a carreira do Turco. Flores foi vital especialmente na penúltima rodada, assinalando os dois gols de um 2-0 sobre o Belgrano, incluindo aquele tão elogiado pelo árbitro Ángel Sánchez.
Naquele lance, onde driblou o goleiro César Labarre e então se livrou (em uma corrida que o deixaria com falta de ar na comemoração) de um zagueiro e, quando se esperava uma conclusão, preferiu livrar-se de mais outro antes de usar a canhota para garantir o Fortín em uma tardia liderança… e, na prática, também o título: é que o resultado tirou de vez o Boca maradoniano da disputa e obrigava o outro concorrente, o Racing, a torcer para que La V Azulada perdesse na rodada final justamente para o Independiente.
Aquele protagonismo na hora certa ofusca que ele na verdade só marcou quatro gols ao todo naquela campanha. Meros detalhes, segundo a El Gráfico pós-jogo: “daquele atacante brilhante mas muito inconstante, se converteu em um muito mais efetivo e com mentalidade de equipe. Antes era o que colava as cerejas nos triunfos do Vélez campeão de tudo. Agora é mais concreto, mais efetivo. Se bem não fez tantos gols nesse Apertura que tem o Vélez a um passo da volta olímpica, sua habilidade foi decisiva para abrir passagem a quem vinha do meio-campo”.
Embora reconhecesse que Bianchi o influenciou a deixar os churrascos que varavam a madrugada, a mesma matéria atribuía a mudança saudável à paternidade (o filho Tiago tinha então sete meses) e, nas palavras dele, à esposa Mara, com quem vivia há dois anos: “é o stopper que melhor me marcou. Ela foi fundamental para essa transformação”, que se estendia também a um sóbrio penteado curto – ainda que a matéria transparecesse que Flores chegou a ser criticado exatamente por tentar gols como aquela obra, ao pecar de individualista e não passar aos colegas.
No início de 1996, mais festa: o Vélez foi pela primeira vez campeão nos tradicionais torneios de verão (3-0 no River, dois gols de Flores) e também garantiu a Copa Interamericana ainda válida por 1994 – sendo do Turu os dois gols desse esquecido título, sobre o Cartaginés da Costa Rica. Volta olímpica emendada com a do Clausura, no aguardado bicampeonato velezano, o único até hoje. Flores fechou o recordado 5-1 no Boca e o 4-1 no “clássico” com o San Lorenzo.
A tarde daquela volta olímpica, saudando as arquibancadas de Liniers enquanto era carregado, na imagem que abre a matéria, marcou sua despedida do clube. Ao todo, foram 181 jogos e 56 gols do Turu Flores pelo Vélez: cifra artilheira para um ponta.
Triunfando nos nanicos da Espanha
Flores foi vendido ao Las Palmas, então na segunda divisão espanhola- as 550 milhões de pesetas pelo passe representaram a contratação mais cara que aquela segundona fechara até então. Foram duas temporadas reinando nas Canárias, onde superou meio gol por jogo em duas temporadas. A panelinha argentina com o ex-colega velezano Walter Pico e o técnico Ángel Cappa não bastou para o acesso a La Liga, mas, para o modesto porte do clube, teve desempenhos memoráveis à torcida: foi semifinalista da Copa do Rei de 1996-97, caindo para o Barcelona do melhor Ronaldo, e terceiro colocado na segundona de 1997-97.
Considerando todas as competições, foram 44 gols em 81 jogos. Se a temporada 1997-98 terminou de modo frustrante para o time (o terceiro lugar não valia o acesso direto e sim um play-off com o Real Oviedo, antepenúltimo de La Liga: o adversário fez 3-0 em casa e na volta a remontada pareceu possível, mas ficou-se no 3-1), rendeu ao argentino de 21 gols uma transferência ao ascendente Deportivo La Coruña.
Na Galiza, ele voltou a ser mais um segundo atacante ou ponta. E, mesmo que não fosse titular pleno em um tridente ofensivo que rodava com Fran, Pauleta, Makaay ou Djalminha, caiu nas graças da torcida especialmente pelos frequentes gols no clássico galego com um Celta de Vigo também no auge – e também turbinado por argentinos. Foram gols em três clássicos na temporada 1998-99, incluindo nos dois em que os alviazuis prevaleceram nas oitavas-de-final da Copa do Rei, torneio onde as semifinais foram o limite.
Mas a grande temporada do Depor foi mesmo a de 1999-2000, onde o time enfim conseguiu seu primeiro (e único) título espanhol. Flores, para variar, marcou nos dois clássicos com o Eurocelta na temporada, destacando-se ainda por vir do banco para contribuir com os dois últimos gols de um 5-2 no Real Madrid. “Se tenho que escolher um, fico com o Turu Flores. Em todos os sentidos. É uma grande pessoa com a que tive a honra de compartilhar muitos anos de treinos e vestiário. Aí fui consciente da qualidade de futebolista que era”, qualificou o colega Juan Carlos Valerón à El Gráfico.
Gabriel Schürrer e o atual técnico da seleção, Lionel Scaloni, complementavam a panelinha argentina no estádio Riazor. Na temporada 2000-01, contudo, Flores perdeu espaço para os reforços Diego Tristán e Walter Pandiani. Na terra natal, o técnico Ramón Díaz o queria publicamente no River em 2001, mas a diretoria millonaria só conseguiu o empréstimo de Cambiasso junto ao futebol espanhol. Flores passou a temporada 2001-02 emprestado ao Real Valladolid mesmo e na de 2002-03 reforçou a colônia argentina do Real Mallorca. Aos 32 anos, não se firmou nas Baleares, mas enfim adicionou a Copa do Rei ao currículo, na maior conquista mallorquina.
Decadente, El Turu ainda estendeu a carreira por mais três anos: esteve no Murcia na temporada 2003-04 até ser repatriado na seguinte por um Independiente onde o já profissionalizado Agüero ainda era jovem demais. Sem vingar em Avellaneda, Flores ainda tinha renome para reforçar o Aldosivi na fuga contra o rebaixamento na segunda divisão em 2006 – ano em que já conciliava os gramados com o showbol, com seus compromissos com a seleção argentina da categoria inviabilizando que fechasse com o Almirante Brown.
Ele ainda acompanhou Matías Almeyda na empreitada norueguesa com o Lyn em 2007, mas os nórdicos quiseram contratar apenas o volante ao fim de um período de testes. Flores, já um ex-jogador, foi reabrigado pelo Vélez, primeiramente como técnico da base e depois como assistente de Ricardo Gareca no vitorioso ciclo de 2009-13 – substituindo El Tigre como técnico principal. Mas, ainda que ganhasse a última taça velezana (a Supercopa da Argentina de 2014) não teve na nova função o mesmo êxito como atacante do time dos sonhos, sendo mais lembrado por bancar a estreia profissional daquele filho Tiago no time principal do que por resultados fiáveis. Nada que manchasse a longo prazo o florido legado (com o perdão do trocadilho) do Turu em Liniers.