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Vida e obra de Omar “El Turco” Asad, 50 anos

“Que me aconteceu tudo muito rápido e que também me tiraram tudo muito rápido. Que me testei em 20 clubes, quase não fiz juniores e com 23 anos era campeão da América e do mundo; mas que só joguei cinco anos em alta competência, e que esse caminho lindo se viu truncado brutalmente por uma lesão; que me operei quatro vezes, duas de ligamentos cruzados e dois por uma cartilagem; que estive cinco anos tentando regressar bem e que ao final não pude”.

Eis acima a autodefinição de Omar Andrés Asad logo na primeira pergunta de uma longa entrevista dada à El Gráfico, publicada em 2010 e adquirida por esse redator coincidentemente em um dia em que cruzou com El Turco no aeroporto de Mendoza – cidade onde trabalhava na época o já ex-atacante, convertido em técnico do Godoy Cruz, mas sempre associado à era de ouro do Vélez Sarsfield. Asad, que hoje faz 50 anos, não foi exatamente um artilheiro quantitativo: na liga argentina, foram só trinta golzinhos em 145 partidas, a ponto de ousarmos não escala-lo no time velezano dos sonhos, em 2020 (e sim sua dupla, José Turu Flores, que unia a mesma potência com mais habilidade). Mas aquele tanque de guerra se mostrava um talismã nas principais decisões da história fortinera, guardando os gols que bastaram para a Libertadores e para o Mundial.

Hora de relembra-lo, com outras aspas daquela entrevista. Se sua trajetória no Vélez é amplamente conhecida, talvez mais deliciosa seja a leitura de diversos causos dos bastidores de quem começou tarde no futebol profissional – o que não quer dizer que não faltasse experiência em futebol competitivo…

A infância e na várzea

“Eu era um garoto com muitas carências, filho de pais separados, e não tinha muito tempo para sonhar, aí só se pode pensar em estudar e ser alguém ou ter um trabalho e juntar tua graninha. Se separaram quando eu tinha 4 anos e, como minha mãe não tinha nada, foi à casa dos seus pais; e nós, os três irmãos, ficamos com meu velho. Minha irmã já era mãe solteira aos 15 anos. Meu pai tinha que se matar trabalhando para que pudéssemos comer. Sempre foi um lutador que defendia os empregados. Com um delegado, meu pai parou o aeroporto de Ezeiza para Isabel Perón em 1974 ou 1975. Dois dias sem que trabalhasse ninguém. Pesquise nos livros. José Asad, um lutador, um exemplo”.

O primo Julio Asad já havia sido ídolo no Vélez e representado a família na seleção: Pavón, Rebottaro, Gatti, Gallego, Killer e Pavoni. Bóveda, ele, Luque, Zanabria e Kempes (em negrito, vencedores da Copa 1978)

“Nem sempre comia duas vezes ao dia, então tinha que me virar com mate cozido e pão. Tampouco tinha aniversário, só uma torta e de vez em quando. No colégio me faltava o apoio diário de casa, a contenção; para mim era tudo rua, rua, rua. Éramos uma barra de 15 garotos no bairro, e alguns escolheram o caminho equivocado da droga e fomos nos separando. A mim nunca chamou a atenção, jamais fumei nem um cigarrinho comum. Quando todos tomavam cerveja, eu tomava Coca-Cola. Estou muito contente pelos amigos que escolhi e mantenho uma relação forte com eles. Os que se abriram hoje estão mortos ou na cadeia”.

Toda essa e outras vivências foram impostas a Omar apesar da família ter uma estrela no próprio Vélez nos anos 70: Julio Asad, também apelidado de El Turco – apelido comum na Argentina aos jogadores de origem árabe, ainda que o termo não seja etnicamente (nem politicamente) correto; até para diferencia-los, ainda há na Argentina quem se referia a Omar como El Turquito. O volante Eduardo Asad, irmão de Julio e outro primo de Omar, foi outro da família a chegar ao time adulto, embora só durasse pouco mais de uma dezena de jogos sem proeminência em 1980. De outro lado, Julio (ironicamente torcedor do San Lorenzo, convertido a partir dos anos 90 no principal rival à torcida velezana) pudera inclusive defender a seleção, até marcando um belo gol de falta sobre o Brasil no Mineirão na Copa América de 1975.

A grande diferença de idade gerou uma versão bastante difundida de que Julio e Omar seriam tio e sobrinho, inclusive por parte do próprio entrevistador, por mais que Omar tratasse de referir-se ao familiar como o primo bem mais velho que Julio na verdade é. A entrevista não deixou de destacar as histórias quase iguais dos dois – ídolos do Vélez, vítimas de joelhos rompidos, sujeitos a quatro operações e precocemente aposentados da carreira aos 27 anos.

O sangue ilustre, contudo, não livrava Omar de falta de oportunidades nem mesmo nos torneios de rua em Ciudad Evita, cidadezinha pobre nos subúrbios da Grande Buenos Aires. Mas amada por ele: “o melhor da minha infância e minha adolescência. É a rua, a malandragem, a vagabundagem, as brigas por uma moça, as rixas nas partidas de um torneio-relâmpago, costa a costa com teu companheiro para te cobrir e a defender-se do que venha. Dessas vivi mil”.

Em um conjunto habitacional de Ciudad Evita, onde cresceu

“[Me deixavam de fora por] ser gordinho e porque era o mais pirralho do grupo, mas a partir dos 15 anos já foi diferente. [Os torneios-relâmpago eram] terríveis, havia uma paulada forte. O jogador de várzea está sempre na expectativa caso se arme confusão. Sabes o que é jogar por grana em La Matanza ao fundo? Se joga nos domingos, começa às 9 da manhã e termina à tardezinha. Podem ser cinco partidas de 20 e 20 minutos cada tempo. Alguns jogam meio mamados e o que está bem aproveita”.

“Nossa equipe se chamava Las Estrellas e tinha bem adequado o nome, porque éramos um timaço, se fez boca a boca e vinham de todos os lados tratar de nos ganhar. No princípio fazia dupla defensiva com Fabián, meu irmão. Fabián jogou no Huracán até o time sub-19, depois foi ao Almirante Brown, mas rompeu o joelho e não quis saber de mais nada”.

Sim: o talismã dos gols iluminados do Vélez começou na zaga e só começou a ser atacante por um acaso que, se não ocorresse, “talvez não tivesse sido nada no futebol, porque a partir daí comecei a crescer e crescer. Quem pode saber?”. Ele explicou:

“Um dia, estava gripado, fui assistir, mas expulsaram alguém e o técnico pediu que entrasse. Lhe disse que me sentia mal. ‘Não importa, fique parado na frente e machuque o defensor’. Joguei com uma calça comprida de ginástica e na primeira partida meti dois gols, na seguinte um mais, na semifinal outro e na final dois mais e fomos campeões. Imagine as pessoas do bairro! Não deixei nunca mais o posto”.

Com a garotada de Ciudad Evita, já afamado

Os torneios exigiam grana dos participantes, reforçada com apostadores alheios. E isso ajudou a moldar a confiança de Asad: “eu não tinha um peso, mas pedia a um tio. Como ganhávamos sempre, lhe devolvia, ganhei sua confiança e sem pôr um peso lucrava 200 ou 500 mangos em um domingo”. Grana que ele complementava em paralelo como menor aprendiz na Coca-Cola: “no refeitório, dava comida aos empregados e tinha que marcar o ticket, mas às vezes passavam e eu não marcava nada para fazer-lhes um favor. Fiz muitos amigos. Eu engordei na Coca-Cola: entrei com 78 quilos e saí com 96 dois anos depois. O refrigerante me inchava, embora sempre tivesse contextura física grande”.

Como El Turco também admitiria: “até os 16 anos, tudo se resumia a sobreviver; a partir daí, começaram a falar de mim como jogador e então sim vi entre sonhos meu futuro como futebolista”. Não que ele esquecesse as raízes: “eu saí campeão da América com o Vélez e dois dias depois fui ver os amigos em um torneio, se armou um estrondo tremendo, fiquei no meio e dei um tortazo em alguém. Quase me custa a separação, e diga que [o técnico velezano Carlos] Bianchi não soube, porque senão me limpava”.

A ironia do risco de separação é que seu próprio casamento nasceu a partir de uma briga de rua: “fui a uma boate em San Justo com a barra de amigos e um grupo nos veio pedir ajuda porque queriam bater no irmão caçula da Tana. Fui e dei um diretaço no capanga deles. Jamais esperavam que o mais pirralho de todos, que era eu, com 18 anos, fosse e lhe batesse. O deixei estirado na pista. Tudo para defender um garoto que nem conhecia. No outro dia, a família nos convidou a tomar mate, a vi em uma reunião e… aí ficou rendida. Levamos 20 anos juntos. Não vais me dizer que não é uma história de bairro”.

O futebol a sério antes do Vélez

“Tens como anotar? San Telmo, Defensores de Belgrano, Huracán, Argentinos, Platense, River, Chicago, Laferrere, Almirante Brown, Flandria, Tigre, San Lorenzo, ehhh… Deportivo Lugano, Deportivo Paraguayo, Riestra, Deportivo Merlo, Barracas Central e Vélez, de onde me rebateram uns anos antes de me aceitarem. Em alguns me reprovavam; em outros eu ficava, mas não me davam vale-transporte; e em outros cheguei a jogar, como no Tigre e no Riestra, onde participei da 4ª divisão com um documento falso, porque cheguei na metade do torneio”.

Ainda em seus cabeludos inícios do Vélez, observado pelo futuro ídolo gremista Rivarola, então no Talleres

Um dos que o recusaram, o River era o time do coração do garoto, que tinha um ídolo infantil no talismã da Libertadores de 1986, El Búfalo Juan Gilberto Funes (Funes, afinal, marcou nas duas finais contra o América de Cali os gols do primeiro título riverplatense na competição), a ponto de copia-lo até no corte de cabelo e no apelido Bufalín. A desilusão em Núñez veio após testar-se “três quarta-feiras seguidas e [Martín] Pando me disse que eu não bastava, que El Cuqui [Walter] Silvani, também de 1971, era melhor”.

Já no Tigre, “estive quatro meses, treinava com o time principal e um dia me chama o presidente, Daniel Gutiérrez, para assinar o contrato. Me ofereciam zero de salário, zero de vale-transporte, zero de tudo, ‘para desempenhar-se no plantel profissional principal e no time B do Club Atlético Tigre’. Pedi um minuto e chamei por telefone desde outro escritoriozinho meu primo Julio Asad. ‘Dê um corte e saia correndo, te espero na Beiró com General Paz’. O cara deve estar me esperando ainda”.

“Do Tigre eu saí meio resignado, já eram quase 20 equipes e 20 fracassos. Uma manhã, passei pela banca de jornal do meu amigo Quique e li que o Vélez testava pela última semana os nascidos de 1971 a 1974. Fui sozinho, vestido de jogador, com minhas chuteiras, cabelo comprido. Me colocaram na segunda partida e arrebentei. O técnico era [Hugo] Iervasi e o coordenador, [Héctor] Bentrón [ambos ex-colegas de Julio Asad nos anos 70]. ‘Sempre foste grandinho?’, me perguntaram. ‘Quanto pesas?’. Respondi que 98. ‘Baixe seis quilos e volte em dois meses que vamos seguir te testando’. Me matei treinando. Ia correndo desde a minha casa a Ricchieri, fazia flexões, abdominais, alongava, metia piques e voltava correndo para casa. Tudo sozinho. Baixei 7 quilos e me inscreveram”.

“Perseverança é meu nome, sim, porque passei por 18 clubes para engatar no Vélez, porque aguentei todas as humilhações e porque lutei cinco anos contra as lesões e nunca baixei os braços. E o sobrenome… valentia, sim, porque vou de frente como louco”.

Carrasco de brasileiros: além do Cruzeiro (em dois jogos), Asad marcou sobre Palmeiras e São Paulo na Libertadores 1994

Ainda antes de estrear na primeira do Vélez, Asad teve uma experiência forte relacionada a seu ídolo Funes, falecido precocemente em 1991 após ter defendido o próprio Vélez um ano antes. “Não pude conhece-lo por pouquinho. Quando cheguei ao Vélez, ele havia acabado de ir-se. Comecei a treinar com o time principal do Vélez, mas seguia me banhando no vestiário do sub-18, até que um dia apareceu Ruggeri [então capitão da seleção argentina, com a qual estivera na Copa 1986]. ‘Neném, a você não te disse El Bambino [o então técnico velezano Héctor Veira, também comandante de Funes e do próprio Ruggeri naquele River de 1986] que te troques conosco?’, me apurou e me levou pelos cabelos, todo ensaboado, ao vestiário deles”.

“’De agora em diante, vais usar este armário, sabes quem se trocava aqui?’, me perguntou. ‘Juan Gilberto Funes’, completou. Queria morrer. A partir de então, começou a me chamar Juancito ou Funecito. E nunca mais troquei meu lugar no vestiário até meu retiro. Mais de uma vez quiseram me mover, mas me plantei”.

Enfim, profissional no Vélez

Asad estreou já com 21 anos de idade no futebol adulto, no segundo semestre de 1992, no que ele classificou na entrevista como o dia mais feliz da carreia: “eu vinha me treinando com [o então técnico Eduardo Luján] Manera: ele fazia um treino, juntava 21, mandava buscar um garoto mais jovem e a mim deixava de fora. Eu me sentia humilhado. Quando saiu, estreei como titular pela primeira vez, meti o gol no San Lorenzo e ganhamos de 1-0. Sabes o que era para mim, com 20 anos, vir de jogar por grana na várzea de Ciudad Evita e de repente ver meu nome nos jornais?”.

A partida valeu já pela 15ª rodada do Apertura 1992, onde o San Lorenzo, ainda sem estádio próprio, usou alugado o campo do rival Huracán. Ainda houve tempo para um segundo gol ser anotado naquele Apertura, em um 3-1 sobre o Rosario Central. A equipe ficou somente em 6º lugar. Mas El Turco seria muito pé quente. Em seu segundo torneio pelo Vélez, o time não só foi campeão, algo especial por si só, mas engrandecido por ser somente o segundo troféu do Fortín na elite… e por ser celebrado 25 anos depois do primeiro, quando o novo treinador, Carlos Bianchi, ainda era um jovem reserva atacante.

Outro ângulo do gol da América em Liniers

Bianchi, maior goleador argentino antes de Messi (sim!! Saiba mais), recém chegava de trabalhos na França naquele primeiro semestre de 1993, ainda se atropelando no idioma de tão acostumado que estava com o francês. A sabedoria do Virrey rendeu êxito instantâneo, gerando uma equipe “que entrava em campo sabendo que o pior que lhe podia acontecer era empatar”, nas palavras de Asad.

Ao lado de Esteban González, o novato foi justamente o co-artilheiro do elenco campeão: no caso do Turco, ele fez dois no 2-0 sobre o cascudo Deportivo Español, tão asa-negra do Vélez pré-Bianchi; e outros no 2-0 sobre o San Martín de Tucumán; em derrota de 2-1 para o River, deixando o clubismo de lado, e no 1-0 sobre o Argentinos Jrs. Poucos gols, mas o suficiente para Bianchi, que barrava estrelismos e primava por um jogo coletivo que distribuía gols entre as diversas peças do time.

“Esse vestiário era terrível, todos ganhadores. Isso é mais meritório ainda do careca [Bianchi], tinha que manejar esses leões, há de ter uma autoridade forte para saber impor limites; se o jogador não vê isso, passa por cima”. No segundo semestre de 1993, o Vélez seriamente lutou pelo seu primeiro bicampeonato seguido, mas faltou um ponto para alcançar o campeão River. Asad ainda não parecia tão pronto assim: só marcou duas vezes, em 2-1 sobre o Newell’s e em 2-0 no clássico contra o Ferro Carril Oeste.

Veio 1994. O Fortín desleixou-se deliberadamente do Torneio Clausura: foi antepenúltimo e com zero gols do atacante porque o foco era na Libertadores, tamanha a autoconfiança mesmo precisando superar inicialmente um grupo da morte com Boca, Palmeiras e Cruzeiro. Asad foi marcando desde o primeiro jogo contra brasileiros, onde os argentinos arrancaram um 1-1 no Mineirão contra o time de Ronaldo – foi do próprio Fenômeno o gol da casa.

Turco Asad e Turu Flores, os dois tanques do Vélez: ao centro e à direita, na noite campeã mundial (entre eles, Basualdo), em fotos do craque Masahide Tomikoshi (autor também da imagem que abre essa matéria)

El Turco também anotou o único do duelo contra o Palmeiras no bairro de Liniers; e, já no returno da fase de grupos, deixou o dele no 2-1 sobre o Boca na Bombonera e no 2-0 sobre o Cruzeiro. Nos mata-matas, o fogo baixou; só conseguiu marcar no obstáculo mais fraco, no 2-0 sobre os venezuelanos do Minervén… até reencenar sua característica dancinha no jogo de ida da decisão, fuzilando Zetti para marcar o único gol dos campeões nos 180 minutos das finais contra o São Paulo.

Segundo Asad, o momento em que os brasileiros devolveram no Morumbi o 1-0 não chegou a assustar tanto assim, e sim quando tiveram um jogador a menos: “nos cagamos quando expulsaram o Pacha [o lateral Raúl Cardozo] e faltavam 30 minutos. Bianchi tirou o Turu [o outro tanque ofensivo daquele Vélez, José Flores] e eu tive que correr a todos de um lado para outro; era uma guerra de socos, cotoveladas, pisões. Os brasileiros se vingaram depois. Nos fizeram ir ao aeroporto às 10 da manhã e o avião só saiu às 7 da noite. Filhos da puta, chutávamos na porta. Nesse dia dormi no chão abraçado à taça”.

A conquista naquele agosto iniciou o semestre mais prolífico da carreira de Asad. O Vélez fechou o pódio do Apertura 1994 com sete gols do Turco, nunca tão artilheiro: no 2-0 no Newell’s, no 2-1 fora de casa sobre o Mandiyú (do consagrado goleiro Goycochea e do iniciante técnico Maradona), no 4-1 sobre o Huracán, no 1-1 com o Boca, no impiedoso 6-1 fora de casa sobre o rival Ferro Carril Oeste, no 1-0 sobre o Independiente… e em derrota de 3-1 para um novo rival à torcida velezana, o San Lorenzo, em 6 de dezembro. Esse revés não importou muito em Liniers, pelo que se proporcionara cinco dias antes. A partida contra o Milan foi especialmente destrinchada na entrevista.

O clube, sabendo de uma oportunidade única, tratou de chegar com antecedência a Tóquio. Para preparo inclusive psicológico por parte de Bianchi: “buscou um efeito rebote do ruim ao bom. Primeiro, nos mostrou um vídeo da final da Champions: o Milan havia ganho de 4-0 do Barcelona de Cruijff com baile. Pensamos: ‘nos vão pintar e bordar na cara’. Dois dias depois, nos mostrou umas partidas do torneio italiano desse momento, todas derrotas do Milan. ‘A realidade é esta’, nos disse. Nos ressaltou que éramos um grupo humilde e que desfrutássemos da final porque seria muito difícil voltar a vive-la. Tinha razão: só voltaram ele, [o assistente Carlos] Ischia, [o preparador físico Julio] Santella e [o volante José] Basualdo” [todos no Boca campeão mundial em 2000].

O Milan sofrendo um dos gols mais sensacionais que alguém que estava com 93 quilos já marcou no futebol

Ainda assim, o nervosismo não se dissipou. “Na noite anterior, me levantei às 4 da manhã. Fui ao corredor e estavam todos com os olhos bem abertos. Todos. Não era pelo fuso horário, era pelo cagaço terrível que tínhamos”.  E justo Asad quase não jogou: “o tema é que lá não comíamos bem, então com El Turu [Flores] fazíamos um pão com manteiga para saciar a fome. Um dia, Bianchi me viu comendo o pão e pediu ao preparador físico que me pesasse. A balança cantou 94,5. Então disse em voz alta a Santella [o preparador], para que eu escutasse: se este jogador não pesa 93 no dia da partida, não joga’”.

“Na quarta-feira de 1º de dezembro, dia da partida, às 9 da manhã golpeiam a porta. Abro e estava Bianchi com a balança na mão e Santella atrás. Eu… de calções. Fomos ao banheiro e dei… 92 e meio. Matei o careca. Santella estava atrás e festejava. ‘Ainda não festeje que falta o café da manhã e o almoço’, me disse”.

Na entrada de campo, a saída para espantar o resto do nervosismo? Xingar muito: “entramos juntos e começamos a xingar os carcamanos. ‘Les vamos a cortar las patas, los vamos a matar, hijos se puta…”. Lhe dizemos de tudo”. Algum adversário havia jogado na Espanha e entendeu (Asad o identificou na entrevista como Demetrio Albertini, mas este só viria anos e anos depois a jogar em La Liga), e pediu que parassem: “’saia daí, vamos te matar’, lhe respondemos”.

O próprio Bianchi tratou de mexer com os brios de Asad. “Três meses antes de viajar, meus companheiros me gracejavam: ‘gordo cagão, que se faz de valente em Ciudad Evita, vejamos se te animas em fazer o mesmo nos carcamanos, hein?’. Bianchi, cúmplice, me metia corda: ‘mas bancas, Omar, ou não bancas?’. E quando estávamos para entrar, me disse: ‘na primeira que tenhas, peite Baresi, demonstre que tens personalidade’. Aos 7 minutos, deixei sair uma bola, Baresi me pôs o corpo e o atirei à merda com o peito. Ficou esparramado nas placas de publicidade. Olhei ao banco e vi Bianchi aplaudindo e atrás Santella sacudindo o lenço e gritando ‘este é o meu pimpolho, caralho!’”.

Com o prêmio de melhor jogador do Mundial Interclubes e a tríade principal daquele Vélez de 1994: Asad, Bianchi e Chilavert

No fim, das contas, o gordinho quase barrado da final deu “um pique de 20 metros com 93 quilos, um raio, a peguei numa lateral, dei meia volta, meti o gol e presenteei a Bianchi a maior alegria da sua vida”. Talvez o mais dificilmente belo gol do Mundial Interclubes.

Não que tudo tenha sido alegria a quem foi eleito o melhor jogador da partida, contemplado com um carro da promovedora Toyota: “fizemos uma rifa na confraternização de fim de ano, tiramos o dobro do valor e dividimos a grana entre nós. Foi uma ideia de Bianchi, e a deixou claro antes de viajar, para que não houvesse egoísmos. Quando me trouxeram a Toyota do Japão, queria morrer. A pus ao lado do meu Fiat 147 branco e chorava”.

Após 1994

A exibição contra o Milan, segundo Asad, o fez ter ofertas “da Itália, da Espanha, o Palmeiras, Boca, River, Independiente e Racing, mas o Vélez não quis me largar. Para fora, porque era pouca grana; e dentro do país para não potenciar os rivais”. Ainda assim, ele, outrora torcedor com o River, aceitou negociar com o Boca. E até se deixou vestir a camisa auriazul, sob promessa de que a foto só seria publicada pela El Gráfico se a transferência realmente ocorresse, o que não foi cumprido pela revista na época. Causando uma bela confusão interna…

“Obviamente eu queria ir ao Boca, era um progresso para mim, o Vélez receberia muito dinheiro e ainda por cima conservava 50% do passe, mas não se deu e no clube quase me matam. [O presidente Raúl] Gámez me disse de tudo, Chila[vert] me chamava ‘gordo traidor’, Bianchi agarrava a cabeça: ‘Omar, não posso acreditar em ti’. Metade sério, metade brincadeira, meus companheiros me zoavam e me faziam sentir esse erro”. Do vacilo, uma lembrança feliz com Maradona: “no dia em que me convidou para a apresentação do seu livro, me pôs em quinto para subir a recebe-lo. ‘El Turco era um jogador para o Boca, mas não o deixaram vir e lhe cortaram a carreira’, disse e comecei a transpirar. Subi e me tremeram as pernas”. Eles até puderam jogar juntos naquele 1995, mas em jogo-treino do Racing, o novo clube em que Dieguito trabalhava como treinador. Asad, o colega velezano Héctor Almandoz e o goleiro Carlos Navarro Montoya (do Boca) foram convidados de honra naquele 14 de janeiro contra o Estudiantes de Buenos Aires.

Representando o Vélez na confraternização dos campeões de 1994: o River (Apertura 93, só finalizado no ano seguinte, e Apertura 94) de Ayala e o Independiente (Clausura 94 e Supercopa) de Rambert

Com a cabeça inchada com o negócio não concretizado ou de ressaca ou por outra razão, Asad já não foi tão letal em 1995. Marcou só dois gols no Clausura (2-0 no Gimnasia de Jujuy na primeira rodada e 2-2 com o Independiente já na 16ª). Em 9 de abril, não evitou a derrota para o Independiente na Recopa Sul-Americana, então travada em jogo único no Japão (“íamos na calçada e apareceram de repente alguns colegiais. Nos viram e começaram: ‘Chilavertu, Chilavertu! Asadu, Asadu! Toyota Cup, Milan-Vélez!’. As gargalhadas… imagines meus companheiros, não? ‘Sim, Asado [como os argentinos chamam o churrasco], se come todos os asados, e também os chorizos”.

Mesmo assim e sob seca de gols no Clausura, Asad estreou pela seleção em 13 de maio, em amistoso contra a África do Sul pela “Taça Nelson Mandela”, em Joanesburgo. E jogou pela segunda e última vez pela Albiceleste no dia 31, em amistoso em Córdoba contra o Peru. Foi titular nas duas partidas, ambas 1-1, sem que marcasse. Ele teorizou uma conspiração para justificar o insucesso: “Passarella me pôs quando não era meu melhor momento. Foi uma manobra especial, porque estava a briga Passarella-Bianchi e Grondona-Bianchi e aos do Vélez nos chamava quando éramos um desastre. Se confirmou com a muy mala atitude de deixar [o volante Christian] Bassedas de fora do Mundial 98”.

O ano de 1995 viu mesmo o início do fim, não exatamente pela aparente decadência, a incluir eliminação contra o Flamengo já nos primeiros duelos na Supercopa. Após cair nas quartas-de-final da Libertadores, já em julho, o Vélez (que, como campeão, pudera estrear diretamente nas oitavas-de-final e não vira Asad marcar na edição 1995) voltou-se ao Apertura.

No torneio doméstico,  El Turco pôde somar quatro gols nas dez primeiras rodadas: no 1-1 com o River em Núñez, no 3-2 sobre o Racing, no 2-1 sobre o Platense e por fim no 1-0 no clássico com o Ferro Carril Oeste… justamente no lance em que rompeu um joelho, pois o goleiro verdolaga, o uruguaio de nome justamente Oscar Ferro, preferiu buscar o corpo do atacante ao invés da bola.

A imprudente foto com a camisa do Boca (“palo verde” é gíria argentina para milhão de dólar). Já fora do auge, defendeu a seleção: estreou nesse jogo contra a África do Sul e só foi usado outra vez

Apenas em 2011 é que o algoz procurou Asad para retratar-se – naquela entrevista de 2010, Omar ainda guardava rancor nesse sentido: “uma vez, quando voltei, em um Ferro-Vélez no campo deles, nós dois fomos ao banco e não foi capaz de me parar e me pedir desculpas. Ligou por telefone para casa no dia seguinte à lesão, eu não estava, minha mulher lhe disse que telefonasse à noite porque me ia fazer muito bem e não fez”.

O Vélez conseguiu ainda assim ser novamente campeão argentino. E, enfim, bicampeão seguido, levantando o Clausura seguinte sem nenhuma partida do ídolo, que só integrou outra campanha campeã já na Supercopa 1996. O velho parceiro Turu Flores já havia sido vendido, mas ainda assim El Turco aparecia somente como opção de banco para Patricio Camps e Martín Posse, as novas referências ofensivas. Mas continuou um talismã em decisões: no jogo de ida das finais contra o Cruzeiro, entrou já aos 30 do segundo tempo e aos 42 cavou contra Célio Lúcio o pênalti que Chilavert converteria para assinar a primeira vitória do futebol argentino no Mineirão. Asad também esteve na delegação campeã também da Recopa em 1997, sobre o River, mas sem entrar em campo.

No retorno ao futebol, só pôde comemorar um único gol, em 4-0 sobre o Gimnasia de Jujuy já pela 12ª rodada do Clausura 1997. Logo voltou a sentir a lesão e não integrou nenhuma partida do último título do Vélez noventista, o Clausura 1998. Ele jurou não ter cometido erros de afobação no tratamento: “sempre superei os tempos que me pediam; em vez de tocar uma bola em 7 meses, fazia em 10. Que saberá eu, já não serve falar do tema, a questão é que não saí bem da primeira operação porque me afrouxou o ligamento que me puseram”.

Um treinador promissor ainda não afirmado

Asad ainda demorou alguns anos de inatividade para desistir da primeira carreira: “eu confiava plenamente no cirurgião do clube, depois perdi essa confiança, e por isso a terceira e quarta operações as fiz com William Clancy, um especialista nos Estados Unidos. Já foi, é um tema superado. Pouco tempo depois de assumir os juvenis em 2003, gostei tanto do trabalho que disse: ‘não volto mais’. O Vélez se portou muito bem comigo e me manteve o contrato até 2001, como se jogasse. Aí, o clube me deixou claro duas coisas: que me têm um apreço especial e também a instituição que é. Não sei se a outro jogador teriam feito o mesmo. E tampouco sei se em outro clube teriam feito o mesmo com um jogador próprio”.

A lesão no clássico com o Ferro Carril Oeste em 1995. Não voltaria a ser o mesmo

Na entrevista, ele assegurou que seu trabalho à frente dos juvenis do Vélez buscava mais aprimorar promessas do que buscar resultados. Tinha a ambição de chegar um dia ao time principal, mas a diretoria ficou receosa de queima-lo e retardou tanto que o ídolo preferiu arrancar no ambiente sem pressões desmedidas do Godoy Cruz, ainda que a equipe de Mendoza lutasse para não cair no início do Clausura 2010.

Pois com El Turco os mendoncinos passaram a brigar pelo título ainda inédito a toda a província, mesmo que a impressionante arrancada (que fez o Tomba até liderar em dados momentos) não mantivesse fôlego até a rodada final, com a concorrência já reduzida ao campeão Argentinos Jrs e ao Estudiantes. Ainda assim, o terceiro lugar colocou o Godoy Cruz, a província e o futebol de toda a região do Cuyo pela primeira vez na Libertadores. O ex-atacante, contudo, já disputaria essa competição de 2011 à frente do Emelec; seu ilustre primo vivia no Equador, justamente (“falo direto com Julio”, declarou na entrevista).

Desde então, a carreira promissora custou a decolar. Asad não deu certo em Guayaquil e nem numa herética vinda ao San Lorenzo, também em 2011: não desatolou os azulgranas de um rebaixamento que chegou a ser dado como inevitável naquela temporada 2011-12. As portas do Godoy Cruz se reabriram em 2012, mas apenas seis vitórias em 23 jogos não tornaram o regresso exitoso. Mesmo assim, o Atlas apostou nele, que também não vingou no azarado time de Guadalajara, em 2013.

Após três anos sabáticos, o ex-atacante recomeçou descendo degraus, no Estudiantes de San Luis, na segundona argentina de 2016-17 – enquanto seu filho Yamil Asad sucumbia à pressão do sobrenome no time adulto velezano. Foi no futebol boliviano que Omar se reencontrou. Contratado para o Apertura 2020 pelo San José, teve um desempenho razoável em Oruro. Mas consagrou-se no título histórico do Always Ready, que, apesar do nome, jamais havia vencido a primeira divisão da Bolívia. Nada demais para quem, aos 23 anos, fez o bairro de Liniers ganhar a América e o Mundo…

Asad em rara aparição pelo Vélez já em 1997, antes da sua segunda e definitiva lesão. Entre 2003 e 2010, seguiu vivendo o clube, como técnico juvenil

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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