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Efeitos pouco lembrados da Era Menem: a última invasão brasileira no futebol argentino

Ontem os argentinos, fãs ou não de Carlos Saúl Menem, sentiram-se na despedida final de uma era, rememorando aquela década toda (sua presidência durou de 1989-99) que durou o mandato do presidente do “1 por 1”, a política instalada em 1991 (quase junto com a criação do Mercosul) na qual a moeda nacional teve – por lei – o mesmo valor do dólar. Fator que influenciou no último boom de brasileiros nos times do país, desde gente renomada a obscuros em busca de um pé de meia.

Pausa para um parágrafo pessoal: no início de 1998, o redator teve a oportunidade de conhecer a Disney de Orlando. Como a mãe ainda era a única com fluência em inglês no grupo, os canais televisivos no hotel assistidos na volta dos lazeres eram em espanhol. E a abundância de diversas famílias argentinas em propagandas do clube de férias da empresa do Mickey chamou a atenção.

O “1 por 1” foi mesmo marcado pela euforia da classe média alta e além ao favorecer essas viagens internacionais. A privatização de estatais e a disseminação da sensação de que a Argentina entrava no primeiro mundo (“este país antes de Menem era uma Bolívia, Paraguai, Peru, com o perdão dos três países que estou nomeando. E Menem o hierarquizou, a tal ponto que parecia um país europeu”, soltou o goleiro Hugo Gatti já em 2007) fez Menem, que seduzia de Madonna (a bajula-lo para as filmagens de Evita) à Miss Universo que desposaria, virar um queridinho do exterior ocidental; isso se via já em 1990, quando o 007 Sean Connery visitou-o durante as filmagens de Highlander II em Buenos Aires. Os Rolling Stones, ao visita-lo em fevereiro de 1995, até se posicionaram publicamente favoráveis à reeleição que ele buscaria em maio. Ela veio também no embalo da comoção pela devastadora perda de seu filho em acidente de helicóptero, em março.

Antimenemistas, contudo, destacam que mesmo aquele ilusório poder de compra não se estenderia a tanta gente assim – algo retratado em imagens nos dois últimos episódios de Rompan Todo, (excelente) documentário original da Netflix sobre a música rock da América Espanhola. E vinha com a contrapartida neoliberal de quebrar muitos pequenos negócios familiares bem antes da irresponsável interferência econômica do governo resultar, no médio prazo, no colapso financeiro que marcou a virada do século; a prioridade a números se atrelaria tanto ao menemismo que, referindo-se ao futebol de resultados, o respeitado analista esportivo Chavo Fucks declarou na AM Del Plata após a queda chilena para o Brasil na Copa de 2010 que “achar que Marcelo Bielsa é mau técnico por não avançar no mundial é um pouco menemista demais”.

Munição não faltou mesmo no twitter para críticos a um governo que, além de rodeado de escândalos de corrupção, teria acobertado (ou mesmo fomentado, para conspiracionistas) três atentados à bomba na década: a comunidade judaica chorou as explosões de 1992 na embaixada israelense e de 1994 na Associação Mutual Israelita-Argentina – enquanto a cidade cordobesa de Río Tercero, sacudida em outubro de 1995 pelo desastre na fábrica local de armas que o governo contrabandeava a paramilitares do Equador e da Croácia, chegou a ponto de divulgar a não-adesão oficial ao pragmático luto de sete dias decretado pela presidência atual. Também há os que se opunham a seu indulto perdoando criminosos da ditadura militar, onde o próprio Menem havia sido perseguido.

Com o tempo, Menem tornou-se bem mais odiado do que amado. Mas provavelmente segue sendo o presidente argentino mais popstar abaixo de Perón

Dentre os acertos reconhecidos até pelos críticos vorazes, esteve o fim do serviço militar obrigatório (ainda que a partir do Caso Carrasco, onde um recruta foi assassinado no quartel em 1994), que em tantas carreiras interferiu: até mesmo Kempes e Maradona precisaram cortar os cabelos e conciliar os gramados com a colimba, a sigla para “correr, limpar e varrer” que os hermanos usam como gíria pejorativa às supostas atividades mais praticadas nas suas forças armadas (equivalente à pintura de meio-fio no humor brasileiro). Recentemente, destacamos que o ídolo são-paulino José Poy viera do Rosario Central sem muitos minutos em campo exatamente pelas obrigações militares que lhe calharam quando defendia o clube de origem; e que essa política de outrora chegara a prender um argentino convertido em astro da seleção francesa indiciado como desertor.

No esporte, Menem buscava associar sua imagem do tênis ao futebol, como se vê nas imagens acima com Maradona e Gabriela Sabatini. Torcedor declarado do River, de década das mais exitosas no menemismo, pedia para que o veterano Ramón Díaz (riojano como ele) voltasse à seleção e esteve no jogo-despedida de Francescoli; também teria interferido para salvar o Racing da extinção em 1999.

Menem também suava em pessoa tanto nos gramados como na quadra de basquete do Luna Park. E ia além: de origens sírio-libanesas e originalmente muçulmano (ele precisou converter-se ao catolicismo para buscar a presidência, mas sua gestão viria a abolir essa regra constitucional), ele teria emplacado Jorge Solari  – tio de Santiago, ex-técnico do Real Madrid – como treinador da estreante Arábia Saudita na Copa de 1994. O então rei saudita Fahd, por sua vez, seria homenageado no nome da maior mesquita da América Latina, construída em Buenos Aires na gestão menemista, embora aberta só em 2000.

O próprio Maradona, vale dizer, romperia com Menem ao enxergar na prisão midiática sofrida por porte de drogas em 1991 como cortina de fumaça deliberada pela presidência contra críticas iniciais à corrupção do menemismo – impressão admitida na época até em capa da revista brasileira Istoé. Já a paridade com o dólar no curto prazo brecou a hiperinflação dos anos 80 e retomou um fluxo de brasileiros ao futebol argentino. Outrora tão comuns entre os anos 30 e 60, eles estavam raríssimos na década anterior, quando a moeda ianque chegou a valorizar-se meteoricamente em 240% pelos desmandos econômicos da ditadura, agravados pela derrota nas Malvinas.

Menções honrosas no River: Toninho foi sondado em 1993 (à direita), enquanto o time B de 1999 teve Luiz Nunes, segundo em pé nessa formação cheia de ilustres – Norberto Acosta, ele, Gastón Sessa, Hernán Díaz, Franco González e Guillermo Pereyra; Eduardo Coudet, Nelson Cuevas, Omar Mallea, Andrés D’Alessandro e Gabriel Pereyra

Se ainda entre 1979-81 o Rosario Central contou com Mário Sérgio, Rodrigues Neto virou ídolo no Ferro Carril Oeste, o Talleres teve Júlio César “Uri Geller” e a contratação de Toninho Cerezo chegou a ser dada como certa pelo River, foi preciso aguardar até 1990 para uma novidade brasuca: Tilico, que reforçou o Chaco For Ever na última temporada dos alvinegros na primeira divisão.

Tilico vinha do futebol uruguaio como participante do único título do nanico Bella Vista, mas na Argentina ficou mais famoso pelo seu esdrúxulo nome real: Luiz Hitler Saldívia, apelidado morbidamente de El Genocida del Gol. Como ele chegou ainda antes do “1 por 1”, fica apenas a menção. Assim como a de Toninho dos Santos, paranaense que fez carreira de artilheiro na CONCACAF. Buscado pelo River na pré-temporada de 1993-94, Toninho El Bíblico não ficou por recusar testes (no Brasil, a camisa mais expressiva que defenderia seria a do Fluminense, mas em pleno rebaixamento em 1997); ou ao zagueiro Luiz Nunes, usado pelo time B do River na temporada 1999-2000. El Garotinho Nunes vinha do Juventude e seguiu nos Pampas, mas no Peñarol, pelo qual atuou até 2007.

Eis, enfim, a lista dos brasileiros pagos praticamente em dólar entre Aperturas e Clausuras:

GAÚCHO: talvez nem devesse estar na lista, pois o ídolo do Flamengo chegou ao Boca apenas para disputar os dois jogos que decidiriam o campeonato de 1990-91, o único em que os líderes de Apertura e Clausura não foram apontados como ambos campeões; o regulamento previa essas finais para apontar um único campeão. Em jejum havia dez anos, o Boca fizera um Clausura arrasador sob o embalo da dupla Batistuta (que enfim explodia para o futebol) e Latorre. Mas também os perdeu para a seleção, que jogaria a Copa América na época das finais.

Gaúcho havia sido o artilheiro da Libertadores de 1991, tendo enfrentado o próprio Boca, e voltou à Gávea bastante chamuscado; contamos aqui que seu desempenho nulo nas duas partidas contra o Newell’s de Bielsa nunca foi perdoado pela torcida azul y oro, que pegou dele a imagem de alguém desinteressado em campo ou, no mínimo, sem entender a importância daquele desjejum.

Gaúcho e Ademir vinham com expectativa e naufragaram

ADEMIR KAEFER: volante presente nas duas pratas olímpicas do futebol brasileiro nos anos 80, o ex-colorado vinha de bom desempenho no Cruzeiro. Chamou a atenção dos argentinos após duelos contra a dupla principal: a Raposa papou no fim de 1991 a Supercopa (torneio extinto que reunia somente campeões da Libertadores) com um 3-0 no River, revertendo um 2-0 em Núñez; e em maio de 1992 decidiu contra o Boca a esquecida Copa Master (por sua vez um torneio que reunia somente campeões da própria Supercopa) após eliminar o Racing. O time de Avellaneda então lhe requisitou para a temporada 1992-93. Ali, a imagem de raça foi substituída pela lentidão, rendendo o cruel cântico “Ademir, te tenés que ir“. O novo clube chegou a decidir contra o próprio Cruzeiro a Supercopa de 1992, mas sem Ademir poder atuar na campanha justamente por já ter jogado ainda como cruzeirense no início daquela edição.

Quando as duas equipes se reencontraram na Libertadores de 2018, ele foi procurado pelo Superesportes para relembrar a passagem apagada pela Academia: “renovei com o Cruzeiro por mais um ano. De repente, o presidente me liga de noite e diz que estava me vendendo para o Racing. Eu falei que não queria ir, mas a legislação não era como hoje. O presidente disse que não teve como negar, pois ele tinha dado a palavra ao Racing e ao empresário que intermediou. Eu estava empolgado com aquele timaço montado pelo Cruzeiro, com Renato Gaúcho e etc, e fui à força para a Argentina. Em campo, era engraçado. Eu já achava que marcava muito. Mas lá eles pediam para eu entrar ainda mais duro, que eu chegasse mais. Sempre joguei firme, mas não gostava de ser desleal. Isso eu não gostava lá. Queriam que eu desse pancada mesmo. Quando ligaram e perguntaram se eu queria voltar, disse volto agora, volto correndo”. Também relatou uma rotina nada prazerosa de atrasos salariais, prévia da quebra que chegaria ao clube no ocaso da Era Menem. Voltou a Minas em 1993 a tempo de vencer a Copa do Brasil.

CHARLES: colega de Ademir no Cruzeiro vencedor da Supercopa 1991 (onde foi artilheiro da competição, inclusive) e finalista da Copa Master de 1992, impressionou a ponto de ter seu passe comprado pelo Boca por ninguém menos que Maradona. Charles já havia conseguido servir a seleção brasileira vindo do Bahia, mas não suportou a pressão que o contexto da sua contratação acarretou. Ao contrário de Gaúcho, ele pôde se fazer presente no título que enfim encerrou o pior jejum nacional dos auriazuis (o Apertura da temporada 1992-93). Contudo, como peça esquecível tolerada apenas nas cinco rodadas iniciais e escanteada pelo desempenho decepcionante. Seguiu carreira no Grêmio.

ALEX ROSSI, CHRISTIANO, JUCA, FÁBIO GIUNTINI e MÁRCIO PERES: pacotão que apareceu no Rosario Central na pré-temporada do Apertura 1993. Dos quatro, somente o atacante Alex, vindo do Cerro Porteño campeão paraguaio de 1992, pôde ser algum xodó da torcida. Ele ainda defenderia um forte Banfield na temporada seguinte antes de voltar ao Brasil como contratação corintiana, gerando lamentações em Arroyito a divulgação de que teria se entregue ao crack. Além dele, somente o pernambucano Christiano jogou partidas competitivas pelo time adulto: tinha somente 16 anos e foi aproveitado em duas rodadas do Apertura, na vaga da lenda canalla Omar Palma (jogador com mais títulos profissionais no clube), suspenso por expulsão. Mas precisou seguir carreira no futebol hondurenho, ainda que pudesse cavar a partir dali uma transferência ao Real Valladolid.

Charles até foi campeão no Boca, mas sem brilho. À direita, o trio Juca, Alex Rossi e Fábio Giuntini no Rosario Central

A exemplo de Christiano, Juca (vindo do Maranhão e avaliado como promissor nos treinos, mas com um fraco pela vida noturna) e Fábio (que viria a rodar o futebol belga) também chegaram para os juvenis, mas não chegaram a subir. Por fim, Márcio até pôde jogar pelo time principal, mas apenas em um amistoso de pré-temporada contra o Cerro Porteño. Estava no Guarani de Venâncio Aires e teria sido recomendado por Alex, seu ex-colega no Internacional de Santa Maria.

DUDA: o Newell’s, que formara uma colônia brasileira nos anos 60, tratou de responder ao vizinho e apostou nesse egresso do futsal corintiano no início de 1994, já com o sonho maradoniano desmanchado. Marcelo Freitas Soares, seu nome verdadeiro, fez uma exibição de gala na rodada inicial do Clausura contra o Deportivo Mandiyú (um gol de falta e um olímpico) e só: foram seus únicos gols na Argentina. Talvez o apelido também não ajudasse (Duda significa “dúvida” em castelhano)… ele ainda defendeu o modesto Los Andes na segundona de 1995-96.

SILAS: sem dúvida, o nome mais exitoso da lista. Com duas Copas do Mundo no currículo, o ídolo são-paulino já estava nos atrativos anos iniciais da J-League quando topou proposta de um San Lorenzo que em 1994 chegaria a 20 anos de jejum na primeira divisão. Estreou na 3ª rodada do Clausura com direito a gol no clássico com o Boca, entendendo aquilo como um sinal divino para permanecer no Ciclón. Detalhamos aqui a trajetória do meia – que, em resumo, viraria xodó instantâneo por um golaço também no River naquele torneio para então virar realmente ídolo pelos campeonatos seguintes: ainda em 1994, os azulgranas foram vice-campeões do Apertura e enfim reconquistaram a Argentina em 1995 com o dramático título do Clausura. Os frequentes gols no dérbi com o Huracán foram outros pilares no prestígio imenso que Silas construiu no país vizinho, onde seu reconhecimento ficou muito maior do que no Brasil.

ANDREI: membro da seleção sub-20 vice-campeã mundial de 1991 que também naufragou no pré-olímpico aos Jogos de 1992, estava no Fluminense quando chegou em 1994 para o Rosario Central. O zagueiro, contudo, ficou basicamente restrito ao time B, só computando uma partida oficial pelo principal – pela 7ª rodada do Clausura 1994, em derrota para o San Lorenzo. Relançou a carreira no Juventude, onde foi premiado pela Placar com Bola de Prata pelo Brasileirão de 1995, conseguindo rodar por clubes brasileiros maiores e pelo futebol espanhol na virada do século. Inclusive, teve uma volta ao Fluminense em 2002, ainda que mais lembrada pela agressão em campo vinda do próprio colega Romário.

Alex Rossi é o primeiro agachado e Márcio Peres está ao lado do goleiro (Roberto Bonano) nesse Central. E os obscuros Duda e Andrei

MARCOS BORGES: campineiro, ele formou-se na Ponte Preta, mas estava perseguindo o “sonho americano” quando o Newell’s o descobriu – entre os sparrings recrutados pela academia Joseph Schultz na pré-temporada que os rosarinos realizaram na Flórida no início de 1995. Sua velocidade e ímpeto agradaram o treinador leproso Jorge Castelli. A oferta de 100 mil dólares convenceu na hora o atacante, testado como rojinegro ainda na pré-temporada, em minutos nos amistosos contra o Nacional uruguaio e o Slovan Bratislava. Era um contexto de mente aberta no Parque Independencia a reforços alternativos, importando-se ainda jogadores do Malaui (Ernest Mtawali) e da Bulgária (Velko Yotov, reserva da cultuada seleção de 1994). Mas o brasileiro foi resumido a cinco partidas saindo do banco no Clausura, ainda que conseguisse um gol, na 7ª rodada, sobre o Argentinos Jrs. Seguiu carreira na Áustria e atualmente é técnico em ligas inferiores à MLS nos EUA.

ROBERTO GAÚCHO: outro a fazer fama entre os argentinos servindo aquele Cruzeiro que rotineiramente agia como asa-negra dos hermanos, o ponta consagrou-se sobretudo no bi da Supercopa – fez duas vezes nos 4-0 sobre o Racing na final de 1992. E reforçou o cartaz ao marcar um dos gols no recordado 2-1 sobre o Boca dentro de La Bombonera pelas Libertadores de 1994, no primeiro triunfo brasileiro pela Libertadores sobre os xeneizes no campo rival desde o título de Pelé em 1963. Colegas seus de Huracán afirmaram já em 2005 à revista El Gráfico que Roberto tinha talento, mas negligenciava a parte física. Ao jornal O Tempo, o ponta concordou, conforme versão detalhada que deu em 2019: “fui ao Huracán emprestado pelo Cruzeiro. O Zezé Perrella me falou do interesse do Athletico Paranaense, de vários clubes do Brasil. Eu queria permanecer no Cruzeiro, mas teve um problema com o Antônio Lopes e eu preferi ir embora para fora do país. Eu fui para o Huracán e, quando cheguei lá, as pessoas achavam que eu ia resolver o problema, porque saí do Cruzeiro com títulos [em] que eu praticamente decidi em vários jogos, como a Supercopa”.

“Foi uma passagem muito boa, aprendi muitas coisas no futebol argentino que, na minha opinião, possui os melhores treinadores da América do Sul. Eu tive a felicidade de trabalhar com o Héctor Cúper, que era o treinador do Huracán na época. Esses trabalhos todos que as pessoas falam aqui no Brasil hoje, a gente já fazia em 1995 no Huracán. O Huracán me deu tudo, o presidente era um cara muito bacana, mas eu não queria jogar na Argentina. Em Buenos Aires ninguém conseguia entender o que eu estava fazendo no Huracán, todos falavam que eu tinha que ter ido para um Boca devido ao meu currículo, meu potencial, aí eu comecei a desanimar. Jogamos contra Vélez, Racing, a diferença era muito grande, era como um Cruzeiro contra um América, uma Caldense. O Huracán não é um time milionário. Os outros times eram todos fortes, na minha geração era só craque, aí já me compararam com o Batistuta, Caniggia, que eu ia resolver todos os jogos e as coisas não eram bem assim. Eu dei uma largada também, não gostava muito de treinar e o futebol de lá é muito pegado, é intensidade o tempo todo, mas não me arrependo”.

“Cumpri com minhas obrigações e infelizmente não repeti o mesmo sucesso que consegui nas equipes que defendi no Brasil e nos Estados Unidos. Eu não gostava muito de treinar mesmo, porque, com aquela vontade de estar no Cruzeiro, queria voltar. Antes de eu jogar lá queria voltar. Nos três primeiros jogos eu fui muito bem, arrebentei, aí depois eu dei aquela relaxada. Comecei a ganhar amarelo atrás de amarelo na Argentina. Vinha para o Brasil direto, porque estava ao lado da minha família, em Porto Alegre. O voo era 40 minutinhos. Confesso que ganhei muito amarelo para ficar suspenso, procurava os vermelhos e os caras vinham mesmo para me pegar porque eles conheciam a minha história contra o Racing, River, Boca e Vélez”.

Marcos Borges e o capitão Ricardo Rocha no Newell’s. Entre eles, Roberto Gaúcho no Huracán

ROBINHO: formado nas divisões de base do Bangu, passara por pequenos clubes brasileiros (Comercial de Viçosa-AL, Jataiense-GO, Aracaruz-ES e Portuguesa-RJ) até estourar em 1993 na Venezuela, onde virou “Robson Chagas”. Vice-artilheiro da liga nacional com o Maracaibo em 1994, reforçou o Trujillanos na Libertadores 1995. Foi o goleador do time no torneio e segue lembrado por uma meia-bicicleta no último minuto garantir comemorado empate com o Olimpia. Assim, o San Lorenzo apostou nele para o amistoso Troféu Mercosul com o Internacional, em 1996. Sem pena nem glória: o Diccionario Azulgrana, publicado na ocasião do centenário sanlorencista, em 2008, assim lembrou da chegada dele em 1996 – “não jogou nenhuma partida oficial, mas vale a pena inclui-lo na história azulgrana. O trouxeram a testes para que o visse el Bambino [o treinador Héctor] Veira e jogou um momento em uma partida amistosa contra o Internacional de Porto Alegre, do Brasil. Foi na tarde-noite de 21 de julho, um domingo gelado de frio antártico. A pouca gente que se aproximou do [estádio] Pedro Bidegain se arrepiava e soprava as luvas para aquecer-se um pouco. Até que os alto-falantes anunciaram: ‘entra Chagas e sai [Mario] Escudero’. Aí mudou o clima, desapareceu o frio e se acendeu a engenhosidade do punhado de torcedores que saltavam na arquibancada. ‘Os gols de Vinchuca que já vão a vir”, trovavam. O jogo termino 0-1 e Chagas regressou ao Brasil e não voltou nunca mais. ‘O pus na última meia hora e mostrou muita mobilidade e bom toque, embora lhe faltasse espaços’, elogiou-o el Bambino. Mentira, havia sido um desastre (…). Inclusive no suplemento esportivo do Clarín do dia seguinte, quando cada ficha da partida saía com signos ilustrativos, colocaram uma carinha com sorriso que dizia: “17 minutos do segundo tempo, entra Chagas e a torcida o batiza Vinchuca‘. Inesquecível”. Ah, sim: Vinchuca é como os argentinos chamam o inseto barbeiro, famoso transmissor da doença que leva o sobrenome desse sujeito. Eis a engenhosidade…

RICARDO ROCHA: depois de Silas, provavelmente o brasileiro que ficou mais benquisto no futebol argentino naquela década. Era 1996 e ele saiu a tempo do Fluminense antes do fim da campanha marcada pelo primeiro rebaixamento tricolor (ainda que revertido no tapetão) para virar xodó instantâneo com um gol em plena estreia pelo Newell’s, na 7ª rodada do Apertura 1996, nos 2-0 sobre o Deportivo Español. Foram dois anos em momentos de altos e baixos da Lepra, onde o clube tanto esteve no pódio (Clausura 1997) como foi antepenúltimo (no torneio seguinte). Nada que respingasse tanto no brasileiro, reconhecido como um dos maiores zagueiros que a torcida contou após o fim da dourada Era Bielsa não só pela segurança: também pelas orientações aos jovens Heinze e Walter Samuel ou por ser figura ativa contra um possível W.O. em meio a um 4-0 sofrido em clássico contra o Rosario Central. Era o capitão e só deixou a Argentina, em meados de 1998, para pendurar as chuteiras no Flamengo.

ZINHO: ainda que esse volante fosse condecorado de títulos no início dos anos 90 com o Internacional, o fato de na Argentina ser mais lembrado pela versão de que os dirigentes do Rosario Central acreditavam estar fechando com outro tetracampeão mundial pelo Brasil (Crizam César de Oliveira Filho) indica como não emplacou na temporada 1996-97. O Zinho “genérico” (Aderbal Péricles Faria Filho) vinha do Vasco e ainda chegou a defender também o Gimnasia y Esgrima de Jujuy em 1998 antes de reaparecer no Rio em 1999 já no Olaria.

O Zinho “genérico” no Rosario Central. Um San Lorenzo com Silas (primeiro agachado) e Luís Fernando (último em pé, atrás de um jovem Loco Abreu). E figurinha de Henrique no álbum da temporada 1998-99, por muito tempo a última do Platense na elite

CLAUDINHO: atacante que deixou a segundona brasileira rumo à terceirona argentina naquele contexto: veio do América Mineiro para o Argentino de Rosario em 1997. Relatou ao Clarín em setembro daquele ano uma tristíssima situação de racismo escancarado em uma boate rosarina, abalo que não impediu atuações de destaque que renderam um salto à elite como emprestado ao Platense em 1998. Ele terminou relegado praticamente ao time B dos marrons, mas sorriria ao fim da temporada 1998-99: enquanto o Tense era rebaixado, o brasileiro, de volta ao Argentino, integrou a campanha vencedora da Primera C. O clube não sobreviveu na segundona de 1999-2000 e Claudinho virou a casaca para defender outro dos quadros rosarinos nanicos, o Central Córdoba. Mas, sem ter o mesmo destaque entre os charrúas (onde ficou mais lembrado por troca de socos com outro brasileiro, Elvis, então recém-chegado já após o menemismo ao Quilmes e depois notabilizado naquele Santo André de 2004), manteve seu nome querido com a antiga torcida.

LUÍS FERNANDO: as seguintes palavras sobre esse prata-da-casa gremista também são do Diccionario Azulgrana – “não escapou das características que identificam a maioria dos zagueiros de seu país: áspero, tosco e expeditivo. Chegou sem maiores referências do XV de Piracicaba para o Clausura 97 e El Profe Castelli [o mesmo que bancara Marcos Borges no Newell’s, em 1995] não duvidou em atirar-lhe a pilcha titular. Alternou boas com más atuações e completou um passo sombrio, de regular para abaixo. Seus festejos foram contra Huracán, Platense, Newell’s e Rosario Central, neste último após uma definição refinada que surpreendeu os impávidos cuervos que haviam viajado a Arroyito. Depois atuou no Badajoz da Espanha, Belgrano de Córdoba (fez um gol no Ciclón) e Jorge Wilstermann da Bolívia”. Em seu outro clube argentino, o Belgrano, brigou para não cair na temporada 1999-2000, escapando com ares épicos.

HENRIQUE: o lateral-esquerdo formou-se na Cabofriense, mas criou fama no Paraguai. Esteve na campanha semifinalista da Libertadores de 1998 com o Cerro Porteño (o mais alto que esse clube sempre conseguiu chegar em La Copa) e no segundo semestre seguiu ao futebol argentino, contratado por um Platense com promedios complicados na luta contra o rebaixamento. Seria mesmo a última temporada dos marrons na elite argentina até o retorno assegurado nesse início de 2021 e Henrique não ficou até o fim: no início de 1999, acertou com o Atlético Mineiro para ser campeão estadual. Mas não ficou para o vice-campeonato no Brasileirão, voltando a Buenos Aires no segundo semestre, agora para defender o Ferro Carril Oeste. Curioso: a temporada 1999-2000, similarmente, ainda é a última dos verdolagas na primeira divisão… e ele pouco ajudou, registrando até uma expulsão no punhado de jogos. Foi embora para Pasárgada, ou melhor, para o Paraguai, e se deu bem: virou a casaca e integrou o Olimpia campeão da Libertadores de 2002. No exterior, Henrique ficou mais conhecido pelo sobrenome Da Silva.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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