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Pela Argentina e contra ela: o curioso caso de Francisco Loiácono

Os argentinos Loiácono/Lojacono e Sívori, no dia em que, pela Itália, somaram três gols sobre a Argentina em 1961

Hoje seria o 85º aniversário se ainda vivesse o centroavante Francisco Ramón Loiácono, ou Lojacono, como era grafado na Itália. “Suas características não eram as de um típico goleador. Embora seu físico não o acompanhasse, por certo peso e lentidão, sabia arrancar desde posições mais recuadas que as de um atacante de área”, descreve sobre ele o livro Quién es Quién en la Selección Argentina. Mas a obra também destaca que ele ainda assim “marcou vários gols durante seu passo pelo futebol argentino” e teve “um destacadíssimo passo” pelo italiano. De fato, esse ídolo de Gimnasia, Fiorentina e Roma não só defendeu os dois países como, a serviço da Azzurra, até marcou gol sobre e Albiceleste.

Nascido na capital argentina, formou-se no San Lorenzo paralelamente ao maior artilheiro do clube, José Sanfilippo. Estreou pelo time adulto em 9 de julho de 1953, em amistoso em Catamarca contra o combinado da liga local. Um jogo onde só o zagueirão Oscar Basso, ídolo botafoguense, atuou nos 90 minutos pelo San Lorenzo; todos os outros foram substituídos em algum momento, com Loiácono entrando no lugar de José Florio – e Sanfilippo, no de Héctor Torres. O Ciclón ganhou de 6-3, em placar fechado por um gol de Sanfilippo, inclusive. Mas foi Loiácono quem primeiro terminou aproveitado em um jogo oficial, pela liga argentina: dez dias depois, em 19 de julho, era titular na 12ª rodada. Mas não foi feliz e o Racing venceu por 2-1 em pleno Gasómetro.

Não voltou a jogar naquele campeonato, relegado ao torneio de equipes B, onde foi campeão: foram treze partidas e cinco gols pelo quadro reserva e ele terminou novamente testado entre os adultos em amistoso de 12 de dezembro contra o Olimpo, em Bahía Blanca, para voltar ao time adulto. Novamente, entrou no lugar de Florio em uma partida cheia de substituições e até marcou gol, no triunfo de 7-3. No dia seguinte, o Sanloré estava em Punta Alta para bater por econômicos 2-0 o Rosario Puerto Belgrano. Entrando no lugar de Raúl Martínez, Loiácono fez o segundo gol, a onze minutos do fim. Em 15 de dezembro, a cidade de Bahía Blanca lotou o estádio do Olimpo para ver um amistoso de portenhos: San Lorenzo 2-2 Platense.

Loiácono, entrando outra vez no lugar de Florio, já não marcou nem ali e nem no 3-1 sobre o Estudiantes de Olavarría dois dias depois, onde entrou no lugar de Martínez. Mas, visto como joia bruta, foi convocado pelo mestre Ernesto Duchini a um esquecido precursor do Mundial sub-20, em edição realizada na Alemanha Ocidental em abril de 1954, onde até marcou em 8-0 sobre a Holanda em uma campanha de bronze. Com essa moral, voltou à equipe principal do San Lorenzo em 6 de junho de 1954, pela 9ª rodada do campeonato argentino, quase um ano depois da estreia “oficial”. Foi no clássico contra o Huracán – agora escalado na meia-esquerda para suprir justamente uma ausência de Sanfilippo. Venceu por 2-1, mas ainda permaneceria mais usado no campeonato de equipes B, onde a equipe do bairro de Boedo foi novamente campeã.

Um de seus colegas na equipe B era o próprio técnico do time principal, o veterano astro René Pontoni, ídolo do Papa Francisco. Em meio à campanha com os reservas, ganhou a confiança de Pontoni para uma relativa sequência de jogos oficiais pelo elenco principal; reestreou na 23ª rodada, em 26 de setembro (novamente de centroavante), em 0-0 contra o Ferro Carril Oeste e foi o centroavante azulgrana titular nas três rodadas seguintes – 1-1 contra o Huracán (que mandou o jogo em La Bombonera), 2-1 no River e derrota de 2-0 na visita ao Tigre. Mas só seria aproveitado em mais um punhado de amistosos de virada de ano, sempre saindo do banco: 5-1 no Belgrano da cidade de Paraná na inauguração da iluminação noturna do campo adversário, em 3 de dezembro; derrota de 4-1 em Santa Fe para o Unión dois dias depois; e um 3-1 sobre o combinado de Oberá-Misiones já em 5 de fevereiro de 1955.

Os cartolas sanlorencistas não tardaram a usá-lo como parte da recompra de Raúl Gutiérrez, antigo prata-da-casa que vinha se sobressaindo no Gimnasia. E, similarmente, seria lá que Loiácono despontaria. Foi aproveitado desde a primeira rodada do torneio de 1955 pelo clube de La Plata – ou melhor, de Eva Perón, como a cidade ainda chamava-se desde o falecimento da primeira dama até ter o nome original restaurado em setembro daquele mesmo ano, no golpe que derrubou o viúvo de Evita. A rodada seguinte teve uma estatística curiosa: o Gimnasia usou Loiácono, um futuro jogador das seleções argentina e italiana, enquanto o Tigre alinhou Héctor de Bourgoing, futuro jogador das seleções argentina e francesa. O bleu marcou gol no empate em 1-1 e o azzurro providenciou a assistência ao tento gimnasista, de Luis Pentrelli.

Na terceira rodada, o River saiu de Eva Perón com um triunfo de 3-2 na campanha rumo ao título, mas Loiácono enfim pôde gritar gol na primeira divisão. E gritou outro na rodada seguinte, um 4-2 no Chacarita. E mais um na subsequente, 1-1 contra o Newell’s. Na oitava rodada, mais um, o único no duelo com o Lanús. Na 11ª, já registrava uma primeira tripleta na carreira, no 5-2 sobre o Rosario Central – o último, talvez o mais bonito, de longa distância. No jogo seguinte, já aplicava uma lei do ex, embora o San Lorenzo vencesse por 3-2. Na volta a Eva Perón, o Gimnasia surrou por 4-0 o Vélez com dois gols e uma assistência do reforço.

Por San Lorenzo e Gimnasia

Seu gol seguinte foi também seu último pelo Gimnasia de Eva Perón, no 2-0 sobre o Tigre, pela 17ª rodada, em 4 de setembro. Quando voltou a campo em 2 de outubro, o presidente eleito e reeleito democraticamente já havia sido derrubado por outros generais e a cidade voltou a ser La Plata. O que não mudou foi a rotina de gols de Loiácono, recuperada uma semana depois, em 4-2 sobre o Newell’s – abriu o placar e deu a assistência para o último gol da tarde. Ainda anotaria contra o Lanús (derrota de 2-1, fora de casa), no clássico com o Estudiantes (convertendo pênalti no 1-1 no Bosque), no Rosario Central (derrota de 3-1, fora de casa) e em inapelável 4-1 sobre o Boca: abriu o placar e, de voleio, também fechou a surra no Bosque.

Ao fim, os 18 gols lhe renderam não só uma redentora vice-artilharia do campeonato argentino por um time que brigou para não cair (o 10º lugar veio cinco pontos acima do lanterna Platense), como também oportunidades imediatas na seleção, chamado à Copa América realizada em janeiro de 1956. A estreia pela Albiceleste se deu em 22 de janeiro, substituindo Ricardo Bonelli nos doze minutos finais dos 2-1 sobre o Peru. Uma semana depois, já foi o titular no 2-0 sobre o Chile, mas na sequência a seleção preferiu recorrer à estrela Ernesto Grillo para a posição de centroavante. Ainda no primeiro trimestre, a Argentina, após o vice na Copa América, disputou o Torneio Pan-Americano (não confundir com os Jogos Pan-Americanos), que ali foi um hexagonal com Brasil, Peru, Chile, Costa Rica e o anfitrião México.

Saindo do banco no 0-0 com o Peru e no 4-3 sobre a Costa Rica, foi titular nos 3-0 sobre o Chile, no 0-0 com o México e no 2-2 com o Brasil, clássico travado em 18 de março onde os hermanos precisavam vencer para ser campeões, bastando aos rivais empatar. Passada a decepção, em 15 de abril Loiácono já servia o Gimnasia, com gol marcado no 2-2 com o Rosario Central na primeira rodada da liga argentina de 1956. Foram mais 21 jogos pelo Lobo e onze gols, primeiramente fechando o 4-1 dentro de Avellaneda sobre o Independiente, abrindo de pênalti um 2-2 com o Vélez e fechando um 2-0 fora de casa sobre o Ferro Carril Oeste.

Com essa sequência, ele fez o que seria seu jogo final pela Argentina, um 2-1 dentro do estádio Centenário sobre o Uruguai em 1º de julho, já pela Taça do Atlântico (um triangular a envolver também o Brasil). Ao todo, foram oito jogos pela Albiceleste, sem marcar, mas também sem perder, ainda que jamais pudesse disputar uma só partida por ela em Buenos Aires. Na volta à Argentina, ficou no banco no 0-0 com os brasileiros, mas vazou ainda Tigre (2-2); consagrou-se em um Clásico Platense marcando duas vezes em um 3-2 no campo do Estudiantes, incluindo o da vitória; e, após três jogos em marcar desde o dérbi, registrou tripleta nos 5-2 sobre o Ferro, colocando a bola nas redes ainda de Racing (1-1) e do vice-campeão Lanús, vencedor por 5-3 na 26ª rodada, em 4 de novembro.

Loiácono disputou mais duas partidas pelo Gimnasia, ainda em novembro, derrotado por 3-0 pelo San Lorenzo e por 4-1 pelo Chacarita. Embora não tão espetacular como em 1955, foi importante na campanha contra o rebaixamento (novamente em 10º, os triperos só somaram quatro pontos a mais que o lanterna Chacarita) teve cartaz para cavar uma transferência na janela de inverno da temporada de 1956-57 do futebol italiano. O Vicenza e a Fiorentina se uniram para contratar-lhe em regime ainda autorizado de co-participação. Os alvirrubros puderam contar com o argentino primeiro. Um primeiro gol veio em 27 de janeiro de 1957, na derrota de 4-2 para o campeão Milan.

Mas, restando apenas metade da temporada, Loiácono ainda marcou outras dez vezes – vitimando em especial a Internazionale (fez os dois no 2-1), Juventus (1-0 dentro de Turim), a própria Fiorentina vice europeia na mesma temporada (derrota de 2-1) e na revanche contra o Milan, derrotado por 3-1. Esse resultado, na rodada final, também serviu para livrar o Vicenza da degola. A Fiorentina, que além do vice na Liga dos Campeões também foi vice na Serie A, então buscou a promessa. A colônia sul-americana em Florença já tinha o também argentino Miguel Montuori no ataque e o brasileiro Julinho Botelho. Os dois hermanos formaram a dupla artilheira de Viola na temporada 1957-58, a começar por um 3-0 em clássico fora de casa com o Bologna (ambos marcaram) pela 3ª rodada.

Loiácono ficou nos dez gols, incluindo dois em 4-3 sobre o Milan. A Fiorentina melhorou a pontuação em relação à temporada anterior, mas foi outra vez vice, agora incapaz de competir com uma Juventus turbinada com o reforço argentino Omar Sívori e com o artilheiro John Charles. A consolação poderia ter sido a Copa da Itália, eliminando o Bologna nas semifinais, mas a Lazio prevaleceu pelo placar mínimo na decisão. Esse torneio não era realizado desde a Segunda Guerra e foi retomado para manter alguma atividade no calendário diante da não-classificação da Itália à Copa do Mundo. Pois no ciclo iniciado no pós-Copa, aquele argentino acabaria aproveitado pela Azzurra. Sua Argentina, afinal, ainda não convocava quem jogasse fora do país.

Fiorentina e Roma

Agora grafado como Lojacono, ele, afinal, subiu seus gols na Serie A para 14 na temporada 1958-59. Como o que empatou em 3-3 com a Juventus na 7ª rodada. Ou os dois em 6-3 no clássico com o Bologna. Ou ainda o que abriu o 6-0 sobre um Torino ainda com aura de grande, em plena Turim. Também outro em 3-1 em Milão sobre a Internazionale. Não bastou para recuperar o scudetto, com o Milan prevalecendo por três pontinhos a mais. Mas foi em meio a essa fase que ele estreou pela seleção italiana, em 28 de fevereiro de 1959. Um jogo cheio de curiosidades: o capitão da Itália foi seu colega Montuori, que não era o único outro sul-americano no elenco; o veterano uruguaio Alcides Ghiggia ali se despedia da sua nova seleção.

O jogo, no Olímpico de Roma, foi contra uma Espanha que tinha consigo outro argentino e outro uruguaio, respectivamente Alfredo Di Stéfano e José Santamaría, além do húngaro László Kubala. E o placar foi mesmo argentino, aberto por Di Stéfano aos 23 do segundo tempo e igualado aos 39 exatamente pelo estreante Lojacono. Na temporada 1959-60, ele foi mais econômico, com oito gols (mais notavelmente, no 1-1 em San Siro contra o Milan e no 2-1 sobre o rival Bologna). Treinada pelo argentino Luis Carniglia, a Fiorentina ainda assim acumulando um quarto vice-campeonato seguido na Serie A, oito pontos atrás da Juventus, vencedora também da Copa da Itália sobre a Viola.

Em paralelo, em tempos de mais prestígio de torneios amistosos, o clube levantou a Copa Franco-Italiana em 1959 e em 1960 e o argentino seguiu na seleção italiana: entre novembro de 1959 e janeiro de 1960, disputou quatro partidas pela última edição da Copa Internacional, precursora da Eurocopa ao reunir seis nações centro-europeias – a campeã Tchecoslováquia, Hungria, Áustria, Iugoslávia e Suíça. Marcou na derrota de 2-1 em Praga para os campeões e, em 13 de março de 1960, reencontrava Di Stéfano e a seleção espanhola. Novamente, ambos marcaram, agora no Camp Nou. Lojacono abriu o placar, mas o time da casa (a alinhar ainda o paraguaio Eulogio Martínez) prevaleceu por 3-1.

A partir da temporada 1960-61, Lojacono passou a uma Roma de ataque bem argentino, a contar ainda com Pedro Manfredini e Antonio Angelillo e que contrataria em 1961 o técnico Luis Carniglia. Na capital, o reforço deixou treze gols na sua primeira Seria A como romanista, deixando pelo caminho Torino (3-1, em Turim), Juventus (2-1), Vicenza (aplicando três vezes a lei do ex em 6-3) e Milan (derrota de 2-1). A Loba só terminou abaixo do trio de ferro e da Sampdoria e festejou a Copa das Feiras, precursora da Liga Europa. Foi o primeiro título europeu de um clube italiano e ao fim da temporada, o atacante reapareceu pela Azzurra, em derrota de 3-2 para a Inglaterra em Roma em 24 de maio e num encontro contra o próprio país em 15 de junho, em Florença.

Essa ocasião não pesou nem a ele e nem a Sívori, embora fosse visível a cabeça baixa de ambos: Lojacono abriu o placar e El Cabezón fez outros dois em 4-1 sobre a Argentina, entrando ambos para o grupo dos argentinos que vazaram a própria Albiceleste. A partida seguinte de Lojacono pela Itália deu-se em outubro, sendo a única dele nas eliminatórias à Copa do Mundo. Até marcou gol, na vitória de 4-2 em Tel Aviv sobre Israel. A Itália encheria a seleção de sul-americanos rumo ao Chile, chamando os brasileiros José Altafini/Mazzola e Ângelo Sormani e os argentinos Sívori e Humberto Maschio, mas Lojacono terminou de fora do mundial; seus gols na Serie A de 1961-62 se resumiram a seis, ainda que quatro pontos separassem a Roma do vice-campeonato. O jogo contra os israelenses foi mesmo seu último como azzurro.

Lojacono durou mais uma temporada na capital (apenas três gols) e foi devolvido brevemente à Fiorentina para a de 1963-64 (quatro) antes de gradualmente descer degraus. Ainda esteve na Sampdoria na temporada 1964-65, mas seu único gol em Gênova foi justamente aplicando a lei do ex contra a Roma, derrotada pelo placar mínimo. Na metade final da década, mostraria qualidade para a segunda e terceira divisões, brilhando pelo Alessandria: contabilizou 33 gols ao longo de quatro temporadas, já alternando-se como assistente técnico na de 1968-69. Pendurou as chuteiras na temporada seguinte, no Legnano.

Radicado na Itália, o argentino sustentou-se como técnico nas divisões inferiores pelos anos 70 e 80, conseguindo três títulos na Serie D (por Latino, Benevento e Cavese), o último ainda em 1977, sem decolar além. Na virada do século, descobriu sofrer de câncer no pulmão. E, após uma cirurgia que parecia exitosa no tratamento, terminou fulminado por um infarto em 19 de setembro de 2002, na cidade de Palombara Sabina.

Outro ângulo da imagem que abre a matéria. O gol de Lojacono sobre a Argentina é retratado na imagem superior mais à direita

 

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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