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15 anos sem o primeiro campeão chorado pelos argentinos: José Luis Cuciuffo

Até 2018, José Luis Cuciuffo era o único campeão mundial pela seleção já falecido, simplesmente. No ano passado, os argentinos então choraram por Rubén Galván e por René Houseman, ambos de 1978, para se comoverem nesse 2019 por José Luis Brown, colega de Cuciuffo em 1986. Algo ainda único ao se falar de El Cuchu é seu status de campeão da Copa do Mundo como jogador do Vélez, clube onde esteve por meia década. Era um defensor com a virtude de saber jogar em várias posições no setor (por exemplo, era zagueiro central e atuou na Copa 1986 como lateral-direito) e sob variadas táticas de marcação também, seja individual ou zonal, ainda que seu forte fosse mais na antecipação (era mesmo rápido) do que no propriamente no desarme.

Cuciuffo nasceu em Córdoba e começou no modesto Huracán local (não confundir com o de Buenos Aires), estreando aos fins de 1978. Chamou a atenção em um 4-0 no poderoso Talleres (segundo clube mais representado na seleção campeã mundial no mesmo 1978, só abaixo do River) pelo campeonato cordobês. Na época, as ligas do interior tinham bastante importância: seus melhores clubes ganhavam um lugar ao sol no Torneio Nacional. Mas a liga cordobesa costumava ser polarizada entre Talleres e Belgrano, e às vezes com o Instituto e o Racing local. Assim, tornou-se comum que alguns dos principais jogadores da liga fossem repassados entre os classificados ao Nacional.

Como exemplo, Carlos Guerini (homem que classificou a Argentina à Copa de 1974), do General Paz Juniors e que seria tricampeão no Real Madrid, atuou pelos arquirrivais Talleres e Belgrano, sendo um raro ídolo em comum de La T e La B assim como o atacante José Reinaldi. Três campeões da Copa 1978 também viraram a casaca no período: Osvaldo Ardiles jogou por Instituto e Belgrano (além de suar pelo Talleres em alguns amistosos); Miguel Oviedo, por Instituto, Racing de Córdoba e Talleres; e mesmo um grande símbolo tallarin feito Luis Galván chegou a defender o Belgrano no fim da carreira.

À esquerda, pela camisa auriverde do Huracán de Córdoba, na liga cordobesa: principal revelação desse clube, cujo estádio passou a levar o nome do ídolo

Cuciuffo até foi vendido pelo Huracán ao Talleres, mas a falta inicial de espaço no estrelado elenco do bairro Jardín lhe rendeu algo parecido: despontaria na elite argentina sob empréstimo a outra equipe, ainda que de fora da província. Pelo Chaco For Ever, de Resistencia, Cuciuffo atuou dez vezes no Nacional de 1980. Já consolidado, voltou a Córdoba. Fanático pelo Huracán cordobês, cujo estádio seria posteriormente nomeado “José Luis Cuciuffo”, o jornalista Jorge Martínez (rádio Mitre e Canal 12) exaltaria em 2014 a maior revelação do clube do bairro La France: “é o jogador que mais longe chegou. Deixou ao clube uma obra grande, o prédio, a piscina… era um cara humilde, dos seus amigos, da família, do bairro. Nunca se empinou, sempre foi de fácil contato, afável, nunca se afastou de suas origens. É o nosso grande orgulho”, relatou em 2014.

O Talleres, por sua vez, o recebeu em um ano pobre: La T brigou até para não cair, mas o reforço pôde se destacar até como goleiro improvisado (em duas ocasiões) e o Vélez comprou o zagueiro para 1982. Eram os anos em que o Fortín, contrariando a filosofia do seu histórico presidente José Amalfitani (que não por acaso batiza o estádio do clube), procurava sair da seca de títulos investindo em astros em vez de valorizar as categorias de base e buscar reforços apenas no bom e barato, fórmula ressuscitada com sucesso a partir dos anos 90.

Cuciuffo não chegava a ser uma estrela ainda. Ele até chegara a ser pedido para a Copa de 1982, mas, curiosamente, como uma piada com a sonoridade de seu sobrenome, em brincadeira da Revista Humor. De todo modo, ele veio ao bairro de Liniers no mesmo ano em que foram contratados o meia Norberto Alonso, um dos maiores ídolos do River e campeão da Copa 1978, e Vicente Pernía, zagueiro bi nas Libertadores 77-78 pelo Boca. Mas as campanhas velezanas no período foram em maior parte apenas razoáveis. A exceção foi em 1985, quando o clube foi vice no Nacional. 

Em homenagens nas mídias sociais dos rivais Talleres e Belgrano: rara figura respeitada pela dupla cordobesa principal

Pelo complicado regulamento, oito grupos de quadro equipes classificavam os dois melhores para oitavas-de-final que não eram mata-mata – seus perdedores seguiriam vivos, em jogos eliminatórios do que virou o “grupo dos perdedores”. O Vélez perdeu do Boca por 3-2 na Bombonera mas depois venceu-o por 2-0 em Liniers, seguindo no “grupo dos vencedores”, cada vez mais enxuto: em jogos únicos, venceu o Newell’s por 2-1 nas quartas (com Cuciuffo marcando o gol da classificação, na prorrogação) e o River por 3-0 na semifinal.

A final foi contra o fortíssimo Argentinos Jrs, que naquele mesmo ano venceria a Libertadores. Cada um venceu por 2-0 em casa e o adversário sobressaiu-se nos pênaltis. Assim, o Vélez entrou para o “grupo dos perdedores” diretamente na final dele, reencontrando o River e vencendo-o de novo, por 2-1, para um novo encontro com o Argentinos Jrs em uma “pré-final”: isso porque o Argentinos Jrs seria desde logo o campeão se a vencesse. Mas, caso perdesse, o Argentinos teria direito a uma nova decisão, por ter vencido o grupo dos vencedores.

A pré-final ficou no 1-1, e o Vélez depois a venceu nos pênaltis por 4-3. Mas, na nova final, o oponente venceu por 2-1 e assegurou o título. Apesar da decepção, foi naquele ano de 1985 que Cuciuffo estreou pela seleção, em 17 de novembro. Mesmo assim, sua convocação à Copa causou surpresa, pois só tinha jogado aquela estreia (por sinal, contra o México, um 1-1 amistoso em Puebla) antes de embarcar ao mundial. No Mundial, entrou a partir do segundo jogo, como lateral-direito contra a Itália, roubando a vaga do decepcionante Néstor Clausen, então um nome nacionalmente mais consagrado como membro do Independiente campeão de tudo entre 1983-84.

El Cuchu marcou bem Alessandro Altobelli naquele duelo com a Azzurra e no terceiro jogo da campanha até forneceu assistência para Jorge Valdano abrir o placar, contra a Bulgária. Acabou se firmando na posição improvisada, não saindo mais dos titulares até o fim da Copa. Cuciuffo não marcou gols, mas teve importância em um na decisão: foi ele quem sofreu a falta de Lothar Matthäus, onde a cobrança culminaria no primeiro gol argentino na final. Autor do gol, seu já saudoso colega na defesa José Luis Brown lembrou do Cuchu em 2011: “tinha uma relação espetacular com esse cordobês. Como ríamos com esse filho da …! A faísca que tinha, as saídas…”.

Foi como jogador de Vélez e Boca que Cuciuffo serviu a seleção. Esteve de fato nos grandes momentos de ambos em uma década periclitante da dupla

Em 1987, o defensor acabou contratado pelo Boca, onde ficou até março de 1990. Os xeneizes viviam uma década perdida, sem títulos desde o maradoniano Metropolitano de 1981. O jejum nacional persistiria até 1992, mas foi desafogado no fim de 1989 com a conquista da Supercopa, especialmente pelas circunstâncias: dentro de Avellaneda contra o Independiente, clube que deixara os auriazuis de vices argentinos na temporada 1988-89 – na qual o zagueiro se deu até ao gosto de marcar em Superclásico dentro do Monumental, usando a mesma cabeça certeira que anotaria gols sobre Racing e Grêmio nos mata-matas daquela Supercopa prévios à final.

O troféu continental foi emendado com a da Recopa em 1990 – exatamente no penúltimo jogo do defensor antes de ser vendido ao futebol francês. Cuciuffo vinha mantendo-se na seleção e jogou as Copas América 1987 e 1989, mas sem recuperar o nível de 1986. Sem ser mais chamado pela Albiceleste após deixar o Boca, ele voltou à Argentina e à Córdoba em 1993, fechando com o Belgrano (ele torcia pelo clube do bairro Alberdi). Defendeu La B por 14 jogos, com direito a dois gols, antes de jogar a toalha ao não se recuperar totalmente de uma operação nos meniscos. Entre 1994 e aquele 11 de dezembro de 2004, Cuciuffo se manteve como dono de um bar em sua cidade e às vezes como técnico de escolinhas de futebol. Trabalhava no 24 de Septiembre de Arroyito quando a morte veio, em um trágico acidente.

Ele dirigia uma caminhonete no interior da província de Buenos Aires. Estava em uma caça com amigos. Sua espingarda estava com o cano levantado, ao lado do câmbio de marcha, e acabou surrealmente lhe desferindo um tiro após o gatilho ser acionado quando o carro tremeu ao rodar sobre uma poça de água. Chegou a ser levado a um hospital local, e faleceu quando estava sendo transportado a outro.

El Cuchu tinha 41 anos. Enquanto seu minuto de silêncio era respeitado na rodada final do Apertura no dia seguinte, o técnico Carlos Bilardo e colegas de 1986 como Brown e Nery Pumpido estiveram entre a multidão que se despediu dele sob os gritos de Dale Campeón.

Os rivais Talleres e Belgrano unindo-se por Cuciuffo em 2016, em campanha para que nomeasse uma praça em Córdoba

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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