Quando o Rei virou Super Rei: os 25 anos da 1ª Supercopa do Independiente
Por Caio Brandão e Leandro Paulo Bernardo
Todos sabem que o Independiente é o maior vencedor da Libertadores. Mas o Rojo não se limitou a isso: é também o maior vencedor justamente do torneio que reunia somente os campeões da Libertadores – a Supercopa, disputada de 1988 a 1997 e cujo retorno vem sendo ventilado pela Conmebol para definir vagas no Mundial de Clubes expandido. Único time argentino bi (e bi seguido) dessa outra competição, a equipe de Avellaneda tinha doses extras para as comemorações da primeira vez, há 25 anos. Mantinha, inclusive, uma escrita de sempre ser campeão continental em anos finalizados em 4.
Para começar, a Supercopa já havia premiado o arquirrival Racing, logo na primeira delas, em 1988. O Independiente respondeu chegando à final já da edição seguinte, mas terminou amargando em plena Doble Visera o vice para um Boca que vinha em jejum havia oito anos. E aí houve outro gostinho especial, o da revanche, pois os xeneizes do técnico César Menotti foram os derrotados naquela decisão de 1994. Já na sétima edição, era o único torneio já disputado pelo Independiente que seguia de fora da galeria, tornando-se uma obsessão para quem, afinal, já se declarava como El Rey de Copas. Sentimento majorado pelo clube, nas demais edições, quase sempre ter sido eliminado por finalistas, exceto em 1991. Mas em 1994 aquele Independiente já vinha bem embalado. Em 27 de agosto, obteve o Clausura, seu primeiro título desde a aposentadoria do ídolo-mor da instituição, Ricardo Bochini – encerrando ainda um jejum de cinco anos, tempo demais para uma torcida mal acostumada com glórias pelas três décadas anteriores.
Embora sempre estivesse no páreo pelo Clausura, o Rojo só veio a calibrar seu time-base na reta final. Afinal, as três rodadas finais renderam um 4-0 no Banfield, um 5-1 de virada dentro de La Plata sobre o interessante Gimnasia da época e outro 4-0, no confronto direto casualmente agendado para a rodada final com o então líder Huracán do técnico Héctor Cúper (ultrapassando assim o Globo em um ponto e ficando com a taça). O Brasil teria o gostinho de acompanhar o embalo graças à aposta da Bandeirantes naquela competição rápida, de bons jogos e só com times de tradição, com o então canal do esporte empolgado pela final anterior (entre Flamengo e São Paulo) e pela magnífica campanha do Cruzeiro na edição de 1992. Todos os times brasileiros teriam seus jogos transmitidos. E três deles calharam de visitar Avellaneda em sequência…
Os titulares engrenados no fim do Clausura foram mantidos na estreia da Supercopa, iniciada já sob mata-matas: Luis Islas, Néstor Craviotto, Pablo Rotchen, José Serrizuela e Guillermo Ríos; Diego Cagna, Hugo Pérez e Daniel Garnero; Gustavo López, Alveiro Usuriaga e Sebastián Rambert foram reescalados cerca de duas semanas depois, em 8 de setembro, para visitar no lamaçal da Vila Belmiro um Santos que tinha outro carma na competição, o de sempre cair logo no primeiro mata-mata. Treinado por Serginho Chulapa, tinha como camisa 10 não ainda o messias Giovanni (que só estrearia em outubro no clube) e sim, curiosamente, o “craque Neto” para municiar o trio ofensivo Macedo, Guga e Paulinho Kobayashi. Para o Independiente, mais chamativo não era o 10 e sim “o filho do 10”, o goleiro Edinho. Foram momentos infelizes para o zagueirão Pablo Rotchen. Ao tentar afastar uma bola que não oferecia maior perigo, ele fez o gol contra da derrota de 1-0. E três dias depois, no duelo com o Ferro Carril Oeste pela segunda rodada do Apertura, lesionou-se gravemente. Sua saída seria a única mudança para a equipe base encontrada no fim do vitorioso Clausura.
Rotchen teria sua vaga ocupada por Claudio Arzeno no time-base da campanha. E ainda antes do jogo de volta o Independiente já pôde comemorar enormemente. A terceira rodada do Apertura, em 18 de setembro, foi marcada pelo Clásico de Avellaneda. A torcida vermelha ainda precisava se ater ao delicioso dérbi de 1983 no qual terminaram campeões argentinos sobre o rebaixado rival, pois desde então simplesmente não vinham mais conseguindo vencê-lo. Ainda que os dérbis só fossem retomados em 1986 (pois o Racing não soubera subir de primeira, apenas em 1985) e registrassem a bem da verdade mais empates do que triunfos da Academia, o tabu incomodava. Incluíra até um capítulo na própria Supercopa, em 1992, nos únicos duelos continentais da rivalidade – vencidos pelo Racing graças a um gol de mão, de Claudio García (em outro papel invertido, o Rojo quase empatou com um chute do meio-campo… do goleiro Islas). No 2-2 arrancado no fim pelo rival dentro da Doble Visera no Clausura, os alvicelestes tiraram outra casquinha, com um aviãozinho sobrevoando a cancha para exibir uma faixa com os dizeres de “Rojo amargo, onze anos sem ganhar”.
A capa da revista El Gráfico de 20 de setembro, dois dias após a partida, acabaria profética para a Supercopa. O letreiro da manchete era “El Año Rojo”. Pois, após levantar o Clausura, a seca no clássico acabou em alto estilo menos de um mês após a conquista do Clausura. Dentro do Cilindro racinguista, os visitantes ganharam de 2-0, com direito a gol de Hugo Pérez, um dos mais polêmicos vira-casacas em Avellaneda – pois sempre se dizia torcedor do seu ex-clube e mantinha firmemente tais declarações, sabendo, porém, deixar o clubismo em casa para se dedicar por completo pela camisa rival (pela qual torcem seus pais) ao longo dos 90 minutos. El Perico, inclusive, não comemorou após converter seu gol de pênalti. Sua presença no Clausura de 1994 já havia feito dele o último campeão pelas duas forças de Avellaneda até a vez de Nery Domínguez nesse 2019. Com a Supercopa, tornou-se um raríssimo (e ainda último) a conseguir isso internacionalmente; reserva na própria conquista rival em 1988, juntou-se a apenas Miguel Ángel Mori, vencedor das Libertadores de 1964, 1965 e 1967, e Humberto Maschio, colega de Mori em 1967 que viria a treinar o Independiente na de 1973. Não que Pérez se limitasse a essas estatísticas: assim como o goleirão Islas, o volante de bom passe e ótima mira em bolas paradas havia representado a Argentina no Mundial dos EUA mesmo antes de sagrar-se campeão do Clausura.
Já Craviotto estivera na vitoriosa Copa América de 1993, Serrizuela fora titular na final do Mundial de 1990 e Cagna já havia sido contemplado com jogos pela Albiceleste ainda como jogador do Argentinos Jrs. Quatro dias após desengasgar contra os vizinhos, o energizado Rey de Copas manteve uma freguesia em família: em 1964, Pelé e colegas haviam levado de 5-1 em amistoso que inaugurava a nova iluminação noturna da Doble Visera, meses antes dos praianos (desfalcados do Rei, é verdade) sucumbirem nas semifinais da primeira Libertadores ganha pelos argentinos. A diferença de gols foi “respeitada” trinta anos depois, com um quê de sorte de campeão. Porque foi justamente o substituto do lesionado Rotchen, Arzeno, quem usou a cabeça para abrir aos 21 minutos, em lançamento de López após escanteio curto, um 4-0. Goleada completada por Usuriaga (seis minutos depois, recebendo livre de Garnero, driblando Edinho e sabendo guardar mesmo sem maior ângulo), Rambert (aos 22 do segundo tempo: Usuriaga ciscou entre três santistas e a bola sobrou ao colega, que girou e chutou prensado. A bola resvalou na zaga praiana e encobriu Edinho) e Pérez (em cobrança furiosa de pênalti aos 45, após ele mesmo ter sido derrubado pelo filho de Pelé).
O 4-0 foi, assim, a primeira explosão apoteótica a nível continental daquele timaço. Em 8 de outubro, nova visita ao Brasil, para enfrentar o Grêmio. O time de Scolari ainda era substancialmente diferente do elenco-base que levantaria a Libertadores dali a cerca de um semestre. O xerife Catalino Rivarola ainda estava no próprio futebol argentino (no Talleres), por sinal, e seu compatriota Francisco Arce seguia na terra natal; já a dupla ofensiva de Jardel com Paulo Nunes jogava em baixa no Rio de Janeiro, antecedidos na ocasião por Carlinhos com Fabinho. Danrlei, Roger “Legado”, Carlos Miguel e Arilson eram o terço já presente em um time que, por outro lado, já havia provado seu copeirismo em 1994 ao erguer em agosto a Copa do Brasil. O Tricolor, inclusive, impedira um novo Clásico de Avellaneda continental ao eliminar o Racing na fase prévia. Ainda assim, os brasileiros precisaram arrancar um empate na própria casa, embora parecessem melhores, mesmo que Perico Pérez forçasse Danrlei a grande defesa em uma falta. Mas, em dia inspirado, o elegante Garnero (tido como sucessor do maestro Bochini) soube cadenciar o meio. Em momento em que o Grêmio dominava, chegando até a acertar duas vezes a trave de Islas (com Carlos Miguel no primeiro tempo e Carlinhos no segundo), o camisa 10 achou Rambert, que com um giro de corpo se livrou da marcação do capitão Luciano, desequilibrando-o, e fuzilou Danrlei, já aos 37 do segundo tempo.
Vieram então minutos finais movimentados. Ayupe, de falta na meia-lua, empatou aos 41, com a bola ainda acertando a trave esquerda antes de entrar. E houve tempo para Luciano ser expulso com o segundo amarelo no minuto 45 ao soltar o pé no joelho de Rambert, não tolerando um novo drible do Pascualito. Apenas um dia depois, o Independiente precisou ir a campo pelo Apertura para pegar o River. Os reservas caíram por 2-1 para que os titulares estivessem aptos a, já no dia 12, reencontrarem os gaúchos, que apresentaram em Emerson outro futuro nome conhecido entre os titulares. Não foi o bastante para evitar um baile argentino, com o 2-0 anotado pelo infernal Usuriaga (que se mostraria um carrasco contínuo dos brasileiros naquela campanha) e pelo classudo Gustavito López soando mentiroso. Os gols saíram no minuto 32 de cada tempo – no primeiro, El Palomo aproveitou livre quase na pequena área uma bola alçada de peixinho por Arzeno; no segundo, López, craque da partida (correu, marcou, deu passes milimétricos…) recebeu de Garnero pela esquerda e de primeira soltou a canhota para acertar um golaço no ângulo para carimbar o avanço às semifinais. No dia 16, o Rojo fez então sua última grande exibição no Apertura, ganhando de 4-0 do Gimnasia de Jujuy. Na rodada seguinte, direcionando o foco somente no cenário continental, já levariam de 3-0 do Banfield de Javier Zanetti.
Afinal, a terceira visita seguida ao Brasil, em 19 de outubro, pareceria à primeira vista pouco auspiciosa, sob derrota de 1-0 assinalada já com sete minutos em golaço de Edenilson para o Cruzeiro, deixando dois argentinos na saudade para ganhar ângulo e atirar. A Raposa já havia participado de três finais de Supercopa e vencido duas, mantendo no elenco velhos heróis da competição, a exemplo de Mário Tilico e Roberto Gaúcho – sendo comandada ainda pelo ídolo setentista Palhinha. O embate entre a equipe mais copeira do torneio e aqueles argentinos de belo futebol prevaleceu para a paulistana Bandeirantes ao invés da semifinal que envolvia São Paulo e Boca. O placar magro escondeu um bom jogo dos visitantes, com Rambert, Usuriaga e Garnero forçando boas defesas de Dida, a ponto do ídolo Tostão comentar ao fim do jogo que “o Cruzeiro vai para a Argentina com uma vantagem muito pequena”. De fato, dali a uma semana, nem Dida pôde evitar repetição integral do roteiro aplicado no Santos. Usuriaga (cabeceando livre aos 37 do primeiro tempo um escanteio curto originado de uma conclusão sua espalmada pelo goleirão baiano), Rambert (aos 16 do segundo, tendo tempo de dominar antes de concluir na sobra de outro escanteio curto), novamente Usuriaga (aos 23, recebendo livre de López mas sabendo livrar-se da pronta marcação de Nonato com uma pausa, antes de colocar nas redes com um lindo toque sutil de canhota desde a linha da grande área) e Serrizuela (livre aos 36 após López atrair para si três marcadores) sumularam outro 4-0.
Um 4-0 mentiroso. Ainda que Islas mandasse para escanteio uma boa tentativa de longa distância de Roberto Gaúcho (já com 3-0), o travessão já havia evitado um gol de Craviotto e Rambert fora fominha em outros dois lances com o jogo em 1-0. O “Brasileirão particular” do Independiente terminou ali. Com a queda do São Paulo para o Boca, a Bandeirantes, apesar até de duas cartas do autor Leandro Paulo Bernardo, não se animou em transmitir a “final argentina”, muito embora o adversário houvesse entortado também o Peñarol e nada menos que o grande rival River (nos pênaltis) nos mata-matas prévios. Boca e Independiente já tinham duelo marcado para 29 de novembro no Apertura. Foi precisamente nessa mesma data que os xeneizes, meia década antes, festejaram na casa adversária a Supercopa de 1989. Em 1994, os auriazuis até goleariam por 4-1 mesmo dentro da Doble Visera; uma forra de pouca valia histórica: porque, em 3 de novembro, o clube bem treinado por Miguel Ángel Brindisi (justamente um antigo ídolo boquense como dupla dinâmica de Maradona na conquista do Metropolitano de 1981) soube segurar um desenrolar ligeiramente favorável ao adversário no primeiro tempo da visita à Bombonera. O uruguaio Sergio Martínez abriu o marcador aos 25 minutos, mas Pérez e Cagna puderam conter mais armações dos meias adversários Alberto Márcico, Alejandro Mancuso (ele mesmo) e Roberto Acuña – curiosamente, um nativo de Avellaneda que já defendia a seleção paraguaia naquela altura antes de desembarcar no próprio Independiente em 1995.
A doze minutos do fim, Rambert desviou com a cabeça para empatar. O jogo derradeiro então se deu no dia 9, sob o efeito de uma tragédia. Jorge Vázquez, ex-Boca e Vélez, havia falecido em acidente de carro na véspera. El Gallego havia sido colega de Ricardo Gareca nesses dois clubes e empresariava o agora atacante veterano que o Independiente dispunha como opção de banco. El Tigre fora usado por volta dos 20 minutos finais nos três jogos anteriores da Supercopa (e na estreia), mas não se recuperou da morte do grande amigo. Ficaria toda a segunda final no banco e optou por jogar só mais uma vez na carreira, no compromisso seguinte do clube no Apertura, retirando-se às lágrimas. Foi o lado triste da “grande final que o futebol argentino se devia e nos devia”, nas palavras da El Gráfico sobre “uma final a puro futebol. Vibrante, emotiva, com duas equipes que iam para frente, a jogar pela vitória com armas limpas, nobres, generosas, de forte atração visual, de indubitável riqueza estética, tratando cada um de prevalecer por ser melhor que o oponente”. Após Vázquez ser homenageado com um minuto de silêncio na Doble Visera lotada em plena tarde de uma quarta-feira útil na Argentina, o Boca foi novamente melhor no primeiro tempo.
Com outras palavras da El Gráfico, “houve um vencedor: o Independiente. Que venceu com esforço, obrigado a deixar tudo no campo, exigido a fundo por um bravo adversário. Um triunfador acostumado a viver essas alegrias porque está preparado para afrontar e resolver esse tipo de exigências. Houve um vencido: o Boca. Que saiu aplaudido porque também havia deixado farrapos de dignidade, de orgulho, de atitude protagonista definida e de intenções futebolísticas elevadas. Entregou tudo: inteligência e fervor, determinação e jogo. Não lhe bastou. Porque o futebol se define de distintas maneiras, nunca repetidas, sempre inéditas, às vezes surpreendentes e muitas vezes impensadas”. Isso porque, no primeiro tempo, Islas foi se mostrando a figura contra outra boa tarde do Manteca Martínez. E mesmo quando o goleiro não encontrou a bola, El Polaco Arzeno apareceu para impedir que ela entrasse. No início do segundo, a casa respondeu. Aos 6, Rambert tabelou com Usuriaga e deixou Carlos Navarro Montoya no caminho, mas perdeu. Quatro minutos depois, então, o Pascualito usou outro método, logrando o que Rodrigo Palacio não pôde em 2014.
Amigo de infância de Rambert, Gustavito López forneceu-lhe em profundidade um generoso passe de primeira para colocar-lhe livre na cara de Navarro Montoya. Em pleno voo, Rambert desviou com um toque sutil para encobrir-lhe magistralmente e decolar o característico aviãozinho. Um gol que inclusive era bastante parecido ao primeiro “gol da América” anotado pelo Rojo, na decisão da Libertadores de trinta anos antes. Começou então o melhor momento dos mandantes: “o Independiente seguiu golpeando sobre a ferida aberta na alma boquense, para não deixa-la cicatrizar. Foram sete, oito minutos nos quais Rambert foi um inferno para quem, como Fabbri ou Mac Allister, haviam jogado um partido impecável”. O técnico Brindisi, ao meio da etapa complementar, então, preferiu a cautela, colocando Alfredo Cascini (anos mais tarde convertido no homem que acertou o pênalti a dar o último Mundial do próprio Boca e do futebol argentino, em 2003, como colega de Cagna) no lugar de Usuriaga. Menotti acionou mais atacantes, mas o jogo terminaria com “o Independiente indo buscar o segundo gol, contra-atacando com frieza e justeza, mas sem definir bem o momento de apontar e disparar. Gustavo López denunciava problemas em seu tornozelo esquerdo. Garnero não estava em sua tarde mais inspirada. Mas Rambert, Cagna e Luli Ríos mantinham seu alto nível de rendimento. E o Boca ia caindo, envolto na impotência e no desânimo. Havia lutado muito”.
A missão visitante complicou-se de vez com a expulsão de Rubén da Silva aos 44 minutos, por reclamação, sendo avaliado como o pior em campo. Já sobre os melhores, a El Gráfico resumiu bem: “dois jogadores terminaram com o trabalhoso tecido de todo um conjunto: Luis Alberto Islas, imbatível na defesa do arco do Independiente; Sebastián Rambert, em outra demonstração de sua explosiva personalidade de atacante ao qual não se pode dar um metro de luz nem um segundo de respiro porque sua contundência é facilmente mortal. Um em cada extremo do campo marcaram a luz de diferença que separou a alegria vermelha da decepção boquense”. Não era exagero: uma semana depois, Rambert (filho de um ex-jogador da seleção francesa e sobrinho de um reserva, curiosamente, do Racing campeão da Libertadores de 1967) já estreava pela seleção, precisamente na primeira partida do ciclo do técnico Daniel Passarella, e abria o placar desse ciclo em um 3-0 sobre o Chile dentro de Santiago.
Pascualito reforçava a impressão de quem parecia ser um atacante certo para a Argentina para o Mundial da França, com alguma expectativa de revanche familiar: afinal, seu já falecido pai Ángel Rambert marcara o gol que classificara os Bleus à Copa de 1966, mas uma lesão terminou por corta-lo da convocação em que figuraram os argentinos Néstor Combín e Héctor de Bourgoing. O filho logo seria contratado pela Internazionale, apresentado juntamente com Javier Zanetti como estrela principal ao invés do defensor, e ainda faria alguma histórica como último jogador a trocar diretamente o Boca pelo River ou vice-versa (após passar ser xeneize na temporada 1996-97, voltaria a vencer a Supercopa, no fim de 1997, já como millonario). Mas o artilheiro da Supercopa de 1994 deixaria de ser o mesmo em breve, desaparecendo da seleção ainda em 1995 em decorrência das lesões que impediram voos do seus aviãozinhos em Milão. Ficou a memória de quem simbolizou o Independiente em um debate promovido pela El Gráfico, a reunir os clubes argentinos campeões no ano, cada um com duas taças: o River faturara o Apertura 1993 (só finalizado em março de 1994) e, em dezembro, teve no Apertura 1994 como único título argentino invicto de sua história. E o Vélez, como se sabe, levantou sua Libertadores e seu Mundial.
A conclusão da revista? O Fortín era melhor na defesa graças a Chilavert enquanto a dupla Ortega e Francescoli davam alguma vantagem ao Millo no ataque. Já o vencedor do Clausura e da Supercopa sobrava no meio, sem deixar a desejar na frente: “sobretudo quando pôde integrar com o implante incansável de Diego Cagna para desdobrar-se na defesa e ataque, o sentido de posicionamento e a pegada do Perico Pérez para distribuir balões, a clarividência de Daniel Garnero para armar ataques, meter passes-gol e chegar à definição e a habilidade imaginativa de Gustavo López para desequilibrar partindo do meio-campo com chegada ao fundo na ofensiva. Esse quarteto, de forte sotaque ofensivo, recebeu invariavelmente o respaldo próximo de José Serrizuela, para manter sua zona sob controle. Quando Brindisi posicionou Rambert junto ao colombiano Alveiro Usuriaga, o Independiente logrou uma contundência e ao mesmo tempo uma variedade de chegada atacante muito difícil de superar. Enquanto teve em suas filas Ricardo Gareca, ficou a valiosa alternativa de fazê-lo entrar para posiciona-lo junto de Usuriaga enquanto Rambert recuava para volantear”.
O Rojo também levou a melhor no quesito “riqueza técnica”, algo caro para uma torcida tão exigente de futebol vistoso: “tanto em ductilidade de manejo, através de Gustavo López, Daniel Garnero, Perico Pérez, quanto em certeza de pegada, considerando a justeza entre eles três e a que demonstram igualmente Cagna ou Usuriaga na entrega ou na definição. O River se aproximou com Ariel Arnaldo Ortega, Sergio Berti e Enzo Francescoli, mas esteve um degrau abaixo”. Outros temperos extras na conquista? Ali o Rey de Copas encerrou seu maior jejum internacional até então (dez anos) e honrou a alcunha, igualando-se ao poderoso Milan da época como clube com mais troféus internacionais no mundo. Os italianos pareciam capazes de se isolarem novamente em dezembro, mas o Vélez impediria. Quem se isolaria seria o Rojo de Avellaneda mesmo, ao bater o próprio Vélez na Recopa Sul-Americana travada no primeiro semestre de 1995, no canto do cisne daquele elenco de 25 anos atrás. Já o bi na Supercopa viria sobre um centenário Flamengo dentro do Maracanã, mas após todo um desmanche de um dos melhores times que o mundo teve naquele segundo semestre de 1994. Passagem de um ano já retratada nesse outro Especial.
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