60 anos de um senhor craque: Ramón Díaz
Dentre tantos feitos de Maradona, um que costuma ser ignorado é ter ido a duas finais de Copa do Mundo mesmo sem contar a seu lado com um fenômeno chamado Ramón Ángel Díaz – sob impressão de boicote deflagrado pelo próprio Dieguito, inclusive. Porque El Pelado Díaz, antes de virar um técnico fanfarrão (e vitoriosíssimo, só colecionando em seu River menos troféus que Gallardo na função), era um atacante com dons e com estrela mesmo em times pequenos. Hoje o natural da capital da província homônima de La Rioja faz 60 anos, merecendo pompas não só em Núñez, mas de Boedo ao sul italiano, de Milão à Florença e de Monte Carlo ao Japão. Hora de relembra-lo.
Antes de conseguir ostentar no início da carreira uma cabeleira digna de jovem beatle, Díaz sofria para ver os fios crescerem, originado assim o apelido de Pelado (a palavra castelhana para careca), e a alcunha ficou para a vida mesmo com a mudança. Morando em Buenos Aires desde 1961, estreou oficialmente no time adulto do seu River em 13 de agosto de 1978, após ser lapidado na base por Carlos Peucelle, o mesmo que polira Alfredo Di Stéfano. Era a reta final de um Torneio Metropolitano em que o clube, muito desfalcado desde fevereiro (quando seus convocados à Copa do Mundo iniciaram a longa concentração com a seleção), não se manteve nas cabeças. O primeiro gol saiu ainda naquele mês, no dia 30, um verdadeiro presente a quem somou 19 anos de idade na véspera – foi no 1-1 com o clube que terminaria campeão, o Quilmes, na 27ª rodada. O jovem somou mais dois gols, em 3-0 no Rosario Central e no 2-2 com o Estudiantes de Buenos Aires; ainda não era centroavante e sim um meia-armador com alguma chegada ao ataque. Ainda era, sobretudo, um riojano tímido, introvertido fora do campo e de poucas palavras, sem lembrar o personagem verborrágico e bastante autoconfiante dos anos 90.
Sem a malandragem desenvolvida, se destacava pela grande explosão (somente nas pernas, não ainda nas palavras) e por conseguir gols imprevisíveis – e também, sinal da inexperiência, perder algumas chances bem claras. Era uma peça boa para segundos tempos, com energia de sobra contra adversários já cansados. Quando era titular, porém, não sabia dosar seus piques e se cansava rápido. Velha raposa, o técnico Ángel Labruna não teve pressa em matura-lo, para que a promessa não se queimasse cedo, impondo-lhe longos minutos de banco que não deixavam o garoto exatamente satisfeito; ele chegou mesmo a festejar um gol desabafando contra o treinador (que, longe de se sentir insultado, adorou a metamorfose do jovem). Com seus titulares campeões mundiais podendo atuar desde o início no Torneio Nacional de 1978, Díaz não apareceu tanto no Torneio Nacional; o River chegou à final, mas sem contar com gols dele. O Independiente foi o campeão, mas logo sobreveio veio um tricampeonato para o bairro de Núñez: Metropolitano de 1979, Nacional de 1979 e Metropolitano de 1980.
A evolução gradual do garoto se notou ao longo do tri. Ele foi de oito partidas no Metro 1979 (com três gols marcados) para quinze no Nacional (nove gols, incluindo um em cada semifinal de um 7-1 agregado no Rosario Central); e, enfim, somou 27 jogos e quatorze gols no Metro 1980. A afeição com o técnico viraria familiar, com o filho deste, Omar Labruna, reserva naquele elenco, virando um parceiro extracampo: seria seu futuro assistente técnico nos anos 90. Também foi no decorrer do tri que Ramón foi avançado para o centro do ataque, uma mudança proporcionada por César Menotti na seleção juvenil que competiu no Mundial da categoria em 1979. Foi para que ele e Maradona pudessem ser aproveitados juntos, mostrando-se um sucesso: Díaz conseguiria unir a habilidade de quem sabia armar com a crescente apuração de um faro de gol, logrando a artilharia da campanha campeã da Albiceleste no Japão: foram três gols no 5-0 na Indonésia; três em outro 5-0, na Argélia; outro para abrir o placar no 2-0 em clássico com o Uruguai na semifinal (a Celeste de Rubén Paz havia vencido meses antes o Sul-Americano da categoria e levava o troco); e o segundo na decisão vencida por 3-0 sobre a URSS, em 7 de setembro, cerca de uma semana depois do seu 20º aniversário.
Com doze gols em dezessete jogos pela Argentina juvenil, El Pelado estreou pela principal apenas cinco dias depois da conquista mundial, em derrota de 2-1 para a Alemanha Ocidental em Berlim Ocidental. Quatro dias depois, o primeiro gol pelo time adulto da Argentina, ainda que em nova derrota – para a Iugoslávia, vencedora por 4-2 em Belgrado; ele reapareceu já em abril de 1980, no embalo de sua ebulição no Metropolitano: dentre seus gols no Metro, dois saíram em um Superclásico vencido por 5-2 – dentro de La Bombonera, até hoje a maior goleada millonaria sobre o rival na casa dele. Díaz abriu o placar já aos dez minutos e assinalou também o quinto de uma tarde curiosa no registro da El Gráfico: “o River não jogou bem. Teve, isso sim, um homem que aproveitou todas as ofertas que lhe fizeram. No segundo tempo, a esse homem – Díaz – se agregou a inegável capacidade de (Juan Ramón) Carrasco”, em clássico que foi uma “ratificação absoluta de que a Ramón Díaz não se pode dar tempo para que pense… o quinto gol está endereçado na galeria dos atacantes mais dotados do nosso futebol”. Detalhe não menor: aquele foi o primeiro Superclásico do riojano. Em cinco duelos como jogador contra o Boca, reuniria quatro gols, duas vitórias e uma só derrota, por 1-0, já no Nacional de 1980.
Em tempos em que vitórias ainda valiam dois pontos e não três, aquele River foi campeão com nove pontos de vantagem para o Argentinos Jrs de Maradona. O título foi assegurado quando ainda faltavam quatro rodadas, permitindo voltas olímpicas em todas elas. No segundo semestre, foram mais oito gols na campanha encerrada precocemente nas quartas-de-final no Nacional – combinados a mais seis jogos oficiais pela Argentina e quatro gols anotados, mostrando-se o sucessor natural de Leopoldo Luque. O River, porém, entrou numa espiral de crise, caindo na primeira fase da Libertadores tanto em 1980 como em 1981 (Díaz somou três gols em cada uma). Labruna e outros ídolos históricos começaram a ser questionados inclusive em forma de públicos irrisórios no Monumental. Em paralelo, o Boca sacudiu o mercado contratando Maradona e a resposta do River ao trazer Mario Kempes demorou a colher o investimento dolarizado, com Díaz encarregando-se dos gols: fez quatorze em um Metropolitano 1981 onde o Millo ficou a onze pontos do campeão Boca. Já sob as ordens de Alfredo Di Stéfano, o time começou vacilante no Torneio Nacional de 1981, só avançando de fase graças a critérios de desempate em desfavor da surpresa Loma Negra.
O River conseguiu prevalecer nos mata-matas sem encantar. Não foi uma campanha campeã brilhante nem do clube e nem de Díaz, que não foi usado nas finais e só deixou quatro gols em dezesseis jogos. Ainda assim, seguia firme na seleção. Em 1982, o técnico Menotti repetiu a ideia que dera certo em 1978, promovendo desde os primeiros meses do ano uma longa concentração com os convocados à Copa. El Pelado somou três gols em quatro amistosos oficiais, com destaque para o lance em que encobriu o fenômeno Rinat Dasayev em 1-1 com a URSS, e acertou com o Napoli ainda na virada de abril para maio (se tornando o primeiro jogador dos partenopei aproveitado pela Albiceleste). Para os críticos, a Argentina de 1982 era, no papel, ainda melhor que a de 1978, com ele e Maradona adicionados à espinha-dorsal campeã mundial praticamente intacta. Mas a dupla decepcionou na Espanha. Se Diego terminou o Mundial vergonhosamente expulso, Díaz tampouco exibiu o salto de qualidade, assinalando em quatro jogos um único gol, quando a vaca já estava no brejo – um golaço de fora da área, é verdade, mas com o Brasil já vencendo por 3-0 para eliminar os vizinhos. A queda no clássico foi também a involuntária despedida de Ramón na seleção.
Em jogos não-oficiais pela seleção, contra clubes e combinados, foram dezessete gols em quinze partidas, incluindo o único de um 1-0 sobre o Valencia em 1981. Já em jogos oficiais, o riojano também teve média boa na Albiceleste considerando-se que foi titular dezoito vezes ao longo de suas 24 partidas; foram dez gols. As razões de seu afastamento nunca ficaram claras, gerando a impressão de que o novo técnico, Carlos Bilardo, seria pressionado por Maradona para barra-lo. Dieguito tratou de desmentir isso em sua autobiografia; de fato, os dois ainda trocavam fotos cordiais na Itália na própria temporada 1985-86, antes de realmente se distanciarem. Em favor de Bilardo, Díaz não teve uma primeira temporada grandiosa no calcio: foram só três gols em uma Serie A na qual o Napoli terminou a dois pontos do rebaixamento. A favor do atacante, o fato de, com oito gols somando-se todas as competições, ter ainda assim terminado na artilharia do elenco e ser reconhecido pelo esforço brigador exibido. Os celestes, porém, não se inibiram em cedê-lo ao rival regional Avellino, onde passaria os três anos seguintes. O argentino foi recebido já como estrela, estreando com uma assistência em 4-0 no Milan e deixando sete gols na Serie A, incluindo o único de um clássico com o próprio Napoli, garantindo pontos fundamentais para salvar os verdes do rebaixamento – o time do sul ficou só um ponto acima do melhor condenado, o Genoa.
Na temporada 1984-85, o clube foi o último entre os não-rebaixados, com El Pelado contribuindo com cinco gols, incluindo sobre Juventus, Internazionale e o surpreendente campeão Verona. Na temporada de 1985-86, o Avellino pôde salvar-se com quatro pontos de distância no embalo de dez gols do ídolo, enfim logo transferido a uma equipe maior, a Fiorentina. “No River, era muito jovem e estava muito protegido por todos. A Europa me fez sofrer mas também me ajudou a amadurecer muitíssimo. Viajei com uma ideia fixa: triunfar. Era a única coisa que me passava pela cabeça, nem me ocorria voltar se as coisas não dessem certo. Minha família me bancou, me sacrifiquei em tudo. E ganhei”, afirmaria. Não bastou para Bilardo considerar leva-lo ao México, ainda que o treinador requisitasse até quem jogava nas segundas divisões italiana e espanhola (casos do atacante Pedro Pasculli, do Lecce, e do armador Marcelo Trobbiani, do Elche). Para a sorte dos argentinos, aquela foi a Copa de Maradona. Na temporada que se seguiu, Díaz repetiu em Florença os dez gols na Serie A (incluindo em vitória por 3-1 sobre o campeão Napoli onde o desafeto brilhava), terminando em quarto na artilharia de 1986-87, embora seu novo clube não fosse além de uma campanha mediana de 9º lugar.
Na temporada 1987-88, o argentino pôde engatar uma bela parceria com o jovem Roberto Baggio (fizeram dentro do San Siro os gols de um 2-0 sobre o Milan campeão europeu, por exemplo) e anotou sete gols pela Viola na liga, embora não fosse além do 8º lugar. Seu maior gosto foi marcar dois gols em um 3-2 sobre o Napoli de Maradona na penúltima rodada, praticamente encerrando as chances de scudetto do craque rival. Pulou então para a Inter, durando uma só temporada, mas que temporada: na “Inter dos recordes”, enfim obteve o título italiano, deixando doze gols na campanha de pontuação mais alta na história italiana na era dos dois pontos por vitória (58), nove pontos a mais que o vice em tempos equilibradíssimos do calcio. Em seu único título italiano entre 1980 e 2006, o time de Milão foi a equipe que mais venceu, a que menos empatou, a que menos perdeu, a que mais fez gols, a que menos sofreu gols, a que mais venceu em casa (invicta, com 15 vitórias e dois empates), a que mais venceu fora (11 vitórias) e a que menos perdeu fora (só duas vezes). À beira dos 30 anos, porém, Díaz foi vendido ao Monaco para que sua vaga de estrangeiro fosse ocupada por Jürgen Klinsmann. No Principado, onde os argentinos costumam se dar bem, não pôde competir com um Olympique de Marselha que impunha dominação inédita na Ligue 1, mas somou quinze gols na temporada 1989-90 – que, novamente, não bastaram para um lugar na Copa do Mundo.
Na temporada 1990-91, Díaz foi vice-campeão francês e vencedor da Copa da França com os monegascos, mas sem os mesmos números de goleador. Assim, era visto com desconfiança quando o River anunciou a intenção de repatria-lo. Campeão argentino da temporada 1989-90 e semifinalista da Libertadores de 1990 no primeiro trabalho técnico de Daniel Passarella, o Millo ainda esteve no páreo pelo Apertura 1990, perdido só na rodada final para o Newell’s de Marcelo Bielsa. Mas teve um péssimo primeiro semestre em 1991, conseguindo cair na primeira fase da Libertadores onde três times avançavam em um grupo de quatro, com direito a vexame em casa contra o Boca – enquanto que, em paralelo, chegou a somar onze jogos sem vitórias no Clausura. Importar Díaz era, assim, uma resposta de Passarella e do presidente Alfredo Davicce; mas, para os críticos, o riojano já estava acabado e vinha ao River para parasitar os cofres do clube. De fato, a votação na Comissão Diretiva foi apertada, aprovando o retorno por 14 votos a 10. Nada que desmotivasse o veterano: “venho a um clube grande como o River, que sempre aspira ser campeão, e eu pretendo isso: o campeonato”, embora ele assumisse a pressão extra: “o desafio não era só meu. Era também de Passarella e de Davicce, que jogaram por mim”.
Nesse contexto, ele classificaria a noite de reestreia como “a mais feliz da carreira”. Foi pelo primeiro jogo do Apertura 1991. Mesmo em casa, o River perdia de 1-0 para o Rosario Central, e Díaz não começou auspiciosamente, perdendo um pênalti. Mas conseguiu recuperar-se precisamente nos cinco minutos finais, tempo suficiente para ele marcar os dois gols da virada – no primeiro, infiltrando-se na área para tocar entre dois adversários e na saída do goleiro, antes de uma pintura por cobertura no segundo desde fora da área. Como se não bastasse, o jogo foi no dia seguinte a seu 32º aniversário. O veterano personificou a volta de um River arrasador (com o ineditismo de oito vitórias nas oito primeiras rodadas), campeão argentino faltando ainda três rodadas, uma enormidade na era dos torneios curtos, e finalista da Supercopa Libertadores. No título do Apertura, El Pelado somou nada menos que 14 gols em 17 jogos (incluindo três em dois 5-1, sobre Talleres e Quilmes), sendo um dos mais velhos a lograr a artilharia do campeonato, a ponto de Passarella ser enfático em dizer que, se aquela votação dos diretores fosse repetida, os 24 eleitores dariam um jeito de gerar um resultado de 25-0. Díaz pôs panos quentes com os superiores (“havia diretores que não me conheciam ou que não me haviam visto jogar ultimamente…”), mas não deixou de ser assertivo: “voltei, fui campeão e artilheiro. Quantos jogadores que voltaram puderam se dar esse gosto? Esse campeonato que ganhei é o logro mais importante da minha carreira”.
Aquela solidez, porém, não se repetiu em 1992, um ano de seca em que o clube parecia no páreo no Clausura (com Díaz caindo para seis gols) ganho pelo Newell’s e no Apertura logrado pelo arquirrival Boca (sete gols), mas perdeu-se na disputa pouco antes das retas finais. Tentado pelos dólares da nascente J-League, acertou sua ida ao Yokohama Marinos em 1993. Artilheiro da liga nipônica ainda naquele ano e com a melhor média de gols na carreira, impulsionou o time da Nissan a virar uma verdadeira colônia argentina, mesmo após se desvincular dos japoneses em 26 de abril de 1995 para novo passo no River. A sua ideia era estender a carreira de jogador por mais alguns meses, mas foi convencido a assumir de cara a prancheta, assinando como treinador em 11 de julho de um elenco que vinha de um semestre ressacado no Clausura. Não tinha qualquer experiência como técnico e inclusive frisou na ocasião que “ofereço humildade e trabalho”. Mas “foi a época que apareceu o melhor Ramón. O divino Ramón”, nas palavras que concluem seu perfil elaborado pela edição especial da El Gráfico que elegeu os cem maiores ídolos do River, em 2011. Com carisma, bom olho para promessas e motivando comandados comprando caminhonetes para serem sorteadas entre eles se o objetivo traçado fosse alcançado, conseguiu resultados como nenhum outro treinador riverplatense até então.
Não foram mares tranquilos. Após uma transição gradual (na Libertadores de 1995, estreou a partir das quartas e tirou o campeão Vélez, mas caiu nas semis contra o Atlético Nacional; caiu também nas semis da Supercopa para um irregular Independiente e terminou só em 7º no Apertura), Díaz precisou conviver com resistência dos próprios comandados, com muitos dos astros em campo não escondendo publicamente que não se davam bem com o comandante – casos de Francescoli, Astrada, Berti, Amato e Hernán Díaz, tornando-se desafeto até do antigo parceiro Ramón Medina Bello (sua antiga dupla de ataque no River e no Japão) ao dar-lhe poucos minutos. Mas o primeiro troféu dos “Dias de Ramón” foi nada menos que a segunda Libertadores do clube, em 1996, ao que respondeu aos críticos: “o resultado está à vista: no River nos pediam ‘por favor, La Copa’, e La Copa aqui está”. Para a torcida, só elogios: “quem pode convocar 80 mil pessoas? Só o River. Precisaríamos de cinco estádios para um jogo como esse”, declarou sobre a final. O enfoque no continente foi tamanho que se permitia ficar só em 14º no Clausura. E a Libertadores abriu um tricampeonato argentino (Apertura 1996, Clausura 1997 e Apertura 1997).
Mesmo o tri teve percalços, embora alimentasse a confiança do treinador (“quando ganhamos a Libertadores, muitos diziam que era sorte. Mas algumas virtudes devemos ter para ganhar dois torneios em um ano”, soltou após o Apertura 1996). Percalços seja pelas vendas de Crespo, Almeyda e Ortega e uma séria lesão em Salas; pela perda do Mundial Interclubes de 1996 e da Recopa em 1997, ano de eliminação no primeiro mata-mata na Libertadores; ou por algumas goleadas sofridas pontualmente e o incrível jejum favorável ao Boca nos Superclásicos, a incluir até derrota decorrente de um gol de nuca em 1996. Nisso, o treinador confessaria que o título que mais pode aproveitar foi o da Supercopa 1997, especial pois já se sabia de antemão que era a última edição do torneio que reunia os campeões da Libertadores – e que já fora levantado pelos rivais Racing, Boca e Independiente. Para Díaz, havia ainda outro tempero a mais: “demonstramos que, contra a opinião de muitos, se pode ganhar um troféu sul-americano jogando um bom futebol. Fizemos história”, declarou, dedicando a taça a um tal Mauricio Macri, na época presidente de um Boca ambicioso que ainda falhava em lograr títulos; apenas quatro dias depois, o riojano deu outra volta olímpica, num Apertura histórico, privando o desafeto Maradona (sem nenhuma taça desde que retornara ao Boca, em 1995) de aposentar-se como campeão.
Até hoje, aquele foi também o último tri seguido de algum clube no campeonato argentino. Em 1998, o time de Díaz era qualificado como a melhor equipe do mundo, no ranking da Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol (IFFHS). Mas, após um ano e meio de festas contínuas em Núñez, sobreveio um ano e meio de estiagem, com Ramón fazendo questão de só deixar o cargo novamente como vencedor. Não pôde na Libertadores, com duas quedas seguidas nas semifinais contra brasileiros, e no Apertura 1998 chegou a ocupar o antepenúltimo lugar em dado momento – com Díaz tendo o álibi de usa-lo como um laboratório, promovendo inclusive a estreia profissional de Saviola, ainda de 16 anos de idade (fazendo história: estreou com gol, no Gimnasia de Jujuy, escalado sabiamente pelo Pelado em jogo sem maiores pressões, e ainda é o mais jovem a marcar um no campeonato argentino). Após o vice em 1999 no Clausura e uma queda na fase de grupos da Copa Mercosul, a seca acabou no Apertura, onde seis vitórias seguidas incluíram, enfim, o encerramento do tabu que o Boca impunha desde 1991 em Superclásicos no Monumental. Em paralelo, o técnico voltou a vestir os calções curtos na “festa do campeão do século” junto com outros jogadores aposentados, em 3 de dezembro. Foi para a surpresa geral que ele, a 48 horas da rodada inicial do Clausura 2000, renunciou ao cargo.
Díaz tirou um ano e meio sabático e voltou para o Apertura 2001. Eliminado na primeira fase da Copa Mercosul, perdeu o Apertura por um ponto para um Racing em jejum, mas regularizou D’Alessandro no time principal e colheu os frutos no Clausura 2002 – começando com dezesseis gols nas quatro primeiras rodadas para depois bater por 3-0 o Boca dentro da Bombonera e assegurar a taça ainda no antepenúltimo jogo. Porém, a queda ainda nas oitavas da Libertadores para o Grêmio foi o álibi para o recém-eleito (e desastroso) presidente José María Aguilar não renovar o contrato com o riojano, que, ironicamente, havia acabado de isolar-se como técnico mais vezes campeão no Millo (superando Labruna) até a Era Gallardo. Se na virada do século Díaz era cotado até a assumir a seleção, saiu do radar após essa virtual demissão, chegando a trabalhar nas divisões de acesso na Inglaterra pelo Oxford United. Reassumiu como incógnita uma prancheta na Argentina no início de 2007, agora no San Lorenzo, que no torneio anterior chegara a ser derrotado por 7-1 em casa contra o rival Boca. Ressurgiram juntos e o Ciclón voltou a ser campeão após seis anos em um time de jogadores basicamente limitados (muitos deles, refugos do River) orquestrados pela crença vencedora motivacional do técnico e pelo frescor do jovem Lavezzi.
El Pelado virou figura querida também nos azulgranas, especialmente ao vibrar na épica classificação do “silêncio atroz” contra o River na Libertadores de 2008, o ano do centenário sanlorencista, embora o sonho do título inédito terminasse na fase seguinte. A partir de então, os fracassos se tornaram mais frequentes. No México, falhou em levar o América aos mata-matas na temporada 2008-09. Em retorno ao San Lorenzo na temporada 2010-11, foi 14º tanto no Apertura como no Clausura (números que quase rebaixariam os cuervos nos promedios da temporada seguinte), chegando a ser derrotado no clássico com o Huracán por 3-0, resultado que o rival não colhia no duelo havia trinta anos. Ainda assim, arranjou trabalho no Independiente no decorrer da temporada 2011-12, sendo incapaz de tirar o Rojo do marasmo que adiante resultaria no inédito rebaixamento do time de Avellaneda, em 2013. Àquela altura, ele, exigido por um sebastianismo da torcida millonaria, já havia voltado ainda em 2012 ao River recém-ascendido da segunda divisão. Com seu filho pródigo, o Millo começou a se reconstruir na elite, obtendo o vice no Torneio Final de 2013; e o primeiro título desde o retorno à divisão principal, no Torneio Final de 2014, onde o River conseguiu encerrar também jejum de dez anos sem vencer o Boca na Bombonera.
Suas lágrimas abraçado ao filho Emiliano (nascido em Nápoles e com boa relação com Maradona, segundo o próprio Diego) no dia da reconquista nacional do River foi o canto do cisne do ídolo no futebol de alto nível. Cumprida outra vez a meta de sempre sair de Millo como campeão, Díaz renunciou ao cargo ao fim de maio de 2014 e assumiu uma declinante seleção paraguaia, eliminando o Brasil na Copa América mas sem render nas eliminatórias. Desde 2016, o “amigo de Dunga”, como a desinformada imprensa brasileira reduziu-o em 2015, está escondido no Oriente Médio, passando pelos rivais sauditas Al-Hilal (logrando campeonato e copa locais em 2017) e Al-Ittihad antes de assumir em 2019 a polêmica equipe egípcia do Pyramids. Nada que afaste a lembrança com afeto em especial da torcida que tanto pôde cantar “los goles del Pelado ya van a venir“.
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