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10 anos do verdadeiro Rei Leão: a última Libertadores do Estudiantes

O líder Verón e o talismã Boselli, hoje no Corinthians, festejam no Mineirão

Essa nota é uma nova versão desta de autoria de Bárbara Gonçalves publicada em 2014

Em um “mundo invertido” ao do Pará, em La Plata o time azul marinho é o apelidado de Lobo enquanto a camisa de listras verticais, embora também conhecida pela alcunha Pincharrata (e o diminutivo Pincha), veste o clube também chamado de León. E ontem fez dez anos que essa equipe, após um largo tempo no ostracismo de um monarca exilado como no desenho, voltou a se coroar no continente. De forma bem mais feliz que na produção recém-retomada pela Disney, pai e filho da dinastia estavam vivos para celebrar, com o sexagenário Juan Ramón Verón, o craque do tricampeonato de 1968-70 do Estudiantes, vendo o hoje presidente Juan Sebastián honra-lo para levantar a quarta Libertadores dos platenses alvirrubros.

Foi uma conquista histórica também para outras estatísticas. O Estudiantes segue como único campeão que veio da fase preliminar da competição. Também teve a terceira campanha mais cheia de jogos (16 ao todo) até o título, e a maior desde 1967. Longa, a campanha para o tetra não foi mesmo fácil. Desde o gol de Ramón Lentini contra o Sporting Cristal na fase preliminar que deu a classificação ao Estudiantes para a fase de grupos ao gol decisivo do hoje corintiano Mauro Boselli sobre o Cruzeiro. A equipe do técnico Alejandro Sabella, que se credenciaria anos depois a ser técnico da Argentina vice mundial (uma das críticas a seu trabalho foi justamente o alto número de jogadores de técnica contestada com quem trabalhara no Estudiantes, mais ou menos como a panelinha corintiana de Tite), se classificou em segundo no grupo 5 – no qual o próprio time futuramente vice-campeão para os argentinos havia terminado na liderança e o vencido por 3-0 em casa.

Com três vitórias, um empate e duas derrotas na primeira fase, o clube de La Plata partiu para o mata-mata vencendo todas e chegou à final. O Estudiantes, como salientado mais acima, emplacara três Libertadores seguidas, nos anos 68, 69 e 70, com um estilo que ainda divide opiniões: alguns desmerecem as quatro finais seguidas na competição (houve outra em 1971, perdida para o Nacional) e um troféu Intercontinental por serem supostamente fruto de pura violência e antijogo; quando muito, admitem somente Juan Ramón Verón como único craque. Frisamos que aquele time era mais irritantemente astuto do que necessariamente violento, com a má fama devendo-se a elementos isolados – seja na figura de Carlos Bilardo, apontado como o incentivador do jogo sujo em um time eminentemente mais astuto do que violento, seja na polêmica decisão mundial contra o Milan em 1969, a tornar lugar-comum que a má fama daquele elenco se devia à violência e não a um pragmatismo incomum para a época de quem também sabia jogar bem.

Verón, a Libertadores e outro filho pródigo do Estudiantes: José Luis Calderón, contemporâneo de La Brujita desde os anos 90 até os logros iniciados em 2006

Tentamos desmistificar essas lendas nos outros grandes capítulos daquele período, desde a conquista da primeira Libertadores, sobre o Palmeiras, passando pela intimação e hostilidades na realidade mais inglesas do que argentinas no mundial vencido sobre o Manchester United, até as conquistas da segunda Libertadores e da terceira, na qual até os críticos se rendiam a quem soube se recompor da péssima imagem daquele Mundial de 1969 ao ser campeão com um futebol reconhecido como limpo na ocasião. Feitos de um time que era considerado pequeno no país até 1967, quando quebrou um oligopólio de 37 anos na Argentina, onde só cinco clubes conseguiam ser campeões: os “cinco grandes” (Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo).

Após o tri, de fato, o Estudiantes decaiu. Chegou a brigar contra o rebaixamento mesmo durante o domínio continental. No máximo, brigou pelo título em 1975 e pôde conquista-lo em um bicampeonato em 1982-83, trabalho este que levou Carlos Bilardo, agora técnico, a assumir a seleção. Porém, nova seca viria e incluiria até um rebaixamento em 1994 em meio aos primeiros meses de carreira de Juan Sebastián Verón – e de outra figura presente no elenco de dez anos atrás, José Luis Calderón (além de Martín Palermo). Verón e Calderón estariam juntos na retomada dos títulos, com a incrível reviravolta que proporcionou a conquista do Apertura 2006, em saga com direito até à maior virada no Clásico Platense: o 7-0 sobre o Gimnasia, que até então dominava o dérbi para passar a somar uma única vitória nos duelos subsequentes. Só o já veterano Calderón, ironicamente ex-juvenil e filho de um fanático pelo rival (curiosamente, o avô paterno de Verón também era gimnasista), anotou três.

A reconquista argentina inicialmente não repercutiu nas competições seguintes. O próprio Calderón rumou momentaneamente ao Arsenal para conquistar a Sul-Americana de 2007 pela surpreendente equipe de Sarandí do jovem Alejandro Papu Gómez. A própria edição seguinte da Sul-Americana veria o Estudiantes chegar à decisão, sem superar o Internacional. Em 2009, além de três anos sem taças, o clube de La Plata já somava 39 anos sem tocar no troféu tão essencial à identidade de quem por muito tempo parecia uma versão argentina do Nottingham Forest – ou seja, com mais glórias internacionais do que domésticas.

Verón e seu pai, igualmente craque. À direita, ambos homenageados pela Conmebol com miniaturas da Taça Libertadores: são o terceiro e último caso de pais & filhos campeões do torneio

Felizmente, as quase quatro décadas não foram suficientes para impedir que antigos ídolos pudessem reviver os momentos em que foram protagonistas. Especialmente La Bruja (“A Bruxa”) Juan Ramón Verón. Ele e La Brujita (“A Bruxinha”, claro) Juan Sebastián se tornaram o terceiro e último caso de pais & filhos campeões da Libertadores, após os casos de Roberto e Gustavo Matosas e de Néstor e Jorge Gonçalves, todos pelo Peñarol. “Ele e seus companheiros conquistaram o que tantas vezes sonhamos. É a continuidade de um projeto (…). Imediatamente depois da final, me lembrei de Osvaldo Zubeldía, o criador de toda essa revolução. E graças a esse elenco, agora todos os torcedores do Estudiantes poderão dizer que sabem o que é ganhar uma Libertadores (…). Foi realmente emocionante, porque pudemos voltar a viver sensações que ficaram gravadas no coração há 40 anos”, declarou outro velho guerreiro pincharrata: Bilardo, em referência a Verón filho e ao técnico nos tempos de jogador de El Narigón, o tal Zubeldía.

Além do jejum de décadas, o Estudiantes, que não saiu do 0-0 em casa no jogo de ida da final apesar do reforço sonoro de 52 mil torcedores no Estádio Único de La Plata, precisaria enfrentar um retrospecto desfavorável a equipes argentinas no Mineirão. De 35 confrontos, os clubes argentinos só saíram vencedores em quatro oportunidades. Os pincharratas conseguiram superar isso naquela noite do dia 15 de julho de 2009, mesmo sofrendo o primeiro gol da noite – em um momento em que o Cruzeiro nem criava muita coisa. Henrique, de fora da área, arriscou e marcou após desvio de Leandro Desábato, “aquele”. Mas Gastón La Gata Fernández conseguiu o empate logo na sequência, na qual o futuro bonde gremista contou com a sorte de um montinho artilheiro tirar a bola do alcance de Fábio para completar um cruzamento baixo de Christian Cellay – em ataque oriundo de lançamento de Verón para a ponta-direita nas costas de Gérson Magrão.

Foi aí que o primeiro (?) “Mineirazo” começou a se desenhar. As atenções estavam voltadas para Verón, que não pareceu tão vistoso como seu pai. Pelo contrário. Na partida decisiva, bem marcado, apareceu pouco à vista da maioria. No entanto, tomou conta do meio-de-campo, sendo quem mais desarmou naquela noite. Kléber e Wellington Paulista não conseguiam receber a bola de Ramires e Marquinhos Paraná. Verón também armava: de sua canhota sairia também a jogada do gol da virada, em cobrança de escanteio para Mauro Boselli, refugo do Boca, cabecear para dar a vitória por 2-1 para os pinchas.

A redenção final de Verón: de rebaixado em 1994 no clube tão honrado pelo pai a campeão no torneio que tanto consagrou “o velho”

Se aproximando o fim, os argentinos administravam totalmente o jogo. O goleiro Mariano Andújar mostrava ser nome forte para a seleção argentina naquela época, tomando o lugar que poderia ter sido do riverplatense Juan Pablo Carrizo na Copa 2010. De outros pincharratas campeões há dez anos, o Mundial da África do Sul contou ainda com Clemente Rodríguez e Verón, é claro – o então reserva Enzo Pérez veio à de 2014 junto com o reserva Federico Fernández. Outro campeão foi o caudilho Rolando Schiavi, que dali a uns meses se tornaria o mais velho estreante na seleção argentina. Rodrigo Braña, Christian Cellay, Mauro Boselli e até Leandro Desábato receberiam chances também, polêmicas da panelinha de Sabella à parte. Sabella, inclusive, apenas começava a ser técnico. Chegara a seu antigo clube naquele mesmo 2009, após anos acompanhando fielmente o amigo Daniel Passarella como assistente, seja no River, na seleção ou no Corinthians.

O público mineiro se calou, a não ser a parcela alvinegra que construiu uma amizade com a alvirrubra, retribuída com as congratulações pincharratas pela conquista atleticana em 2013. Em 2009, eram cerca de 65 mil espectadores apreensivos com o destino que o jogo tomava. Já os poucos torcedores pinchas que estavam lá faziam sua parte, gritando e alentando sem parar. La Brujita Verón praticamente segurava para não chorar. Mas depois do apito final não conseguiu se controlar, assim como os pinchas que viveram aquele momento. Choro, emoção, arrepio. Os Leones já haviam demonstrado não se assustar com o fator Brasil em uma final: seis meses antes, ainda sob o comando técnico de Leonardo Astrada, haviam vencido o Internacional, no Beira-Rio, pela final da Sul-Americana 2008, mas acabaram perdendo aquele título ao levarem o empate na prorrogação. Pois em 2009 o Estudiantes se tornou a única equipe que, sem vencer em casa, pôde faturar ainda no tempo normal o título de La Copa no campo adversário.

Epílogo: além de todas as peculiaridades suficientes para engrandecer ainda mais uma conquista saborosa por si só, aquela Libertadores teve um condimento local extra, ofuscando uma das maiores superações do futebol argentino. Pior para a sofrida torcida do Gimnasia LP, que apenas três dias antes, em 12 de julho de 2009, fora à loucura ao escapar do rebaixamento ao lograr após os 45 minutos do segundo tempo os dois gols (ambos de Franco Niell, ex-Figueirense) necessários para o resultado de 3-0 necessário para levar a melhor na repescagem contra o Atlético de Rafaela, em placar inaugurado só aos 27 minutos da segunda etapa – e com o Lobo tendo só nove jogadores. Falamos aqui. Quanto ao Estudiantes, a epopeia de 2009 ofusca que desde então o Pincha só foi campeão mais uma vez, no Apertura 2010. Nada que tire a majestade do seu atual presidente, para Galos e principalmente para Leones.

Amizade que ficou bilateral: Verón e outros pinchas parabenizam o Atlético pela Libertadores de 2013

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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