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Meia década do último título argentino do San Lorenzo, nas luvas abençoadas pelo Papa

Juan Mercier, Mauro Cetto, Sebastián Torrico, Alan Ruiz e Santiago Gentiletti; Julio Buffarini, Ignacio Piatti, Néstor Ortigoza, Ángel Correa e Leandro Romagnoli em 15 de dezembro de 2015. Walter Kannemann, também titular, não apareceu para a foto

Em 15 de dezembro de 2018, Leandro Romagnoli, aposentado desde junho, fará seu jogo de despedida. O jogador mais vezes campeão pelo San Lorenzo isolou-se nesse posto em alto estilo, na Libertadores 2014. Capítulo precedido pela conquista do Torneio Inicial de 2013, quando igualou-se a outros quatro então recordistas precisamente cinco anos atrás, em 15 de dezembro de 2013, quando o campeonato argentino viveu duas situações peculiares: desde a introdução dos três pontos por vitória, na temporada 1995-96, seria ganho com a pontuação mais baixa da história dos torneios curtos – 33 pontos. Sinal de equilíbrio entre os postulantes ao título. Foram quatro clubes com chances na última rodada. A outra situação curiosa é que o acaso reservou que a última rodada rendesse precisamente dois confrontos diretos envolvendo o quarteto. Vale relembrar através de matérias da época.

Foi por muito pouco, porém, que a Libertadores de 2014 não teve o seu campeão. O início da década via a sina de rebaixamentos de times tradicionais, não poupando gigantes: o River foi a vítima da temporada 2010-11, enquanto o Independiente caiu na de 2012-13. A queda não escapou também ao Rosario Central, em 2009-10, nem ao Huracán e ao Gimnasia LP, que acompanharam o River em 2011. Nesse ínterim, o San Lorenzo esteve muitíssimo perto do descenso na de 2011-12. Perto demais.

Ter a sobrevida de disputar a repescagem já foi um alívio, em reta final marcada por duas viradas: um 3-2 após estar perdendo de 2-0 para o Newell’s, com Emmanuel Gigliotti decretando a vitória aos 42 do segundo tempo, causando até “problemas” ao mais famoso torcedor cuervo na época – o ator Viggo “Aragorn” Mortensen, que crescera em Buenos Aires e acompanhava fielmente a partida pelo notebook em uma sala de embarque de aeroporto, comemorou tão efusivamente que foi parado para interrogatório por autoridades. Isso foi pela 16ª rodada, enquanto na 19ª e última o Ciclón reverteu para 3-1 o placar aberto pelo San Martín de San Juan.

O time de Boedo escapou do descenso direto, mas ainda havia um obstáculo: a chamada Promoción contra o terceiro colocado da segundona, o Instituto de Córdoba, cidade que já havia visto o Belgrano rebaixar o River um ano antes pela mesma repescagem. O Instituto, sob a maestria do jovem Paulo Dybala, chegara a liderar boa parte da segunda que contara com o próprio River ao longo da temporada 2011-12, exibindo “o melhor futebol do país” na avaliação de Riquelme na época. Os alvirrubros inclusive começaram a rodada final na zona de acesso direto, mas perderam em casa para o Ferro Carril Oeste. Assim, prevaleceu no tira-teima quem vinha com embalo: em Córdoba, o Sanloré adiantou o serviço vencendo por 2-0. Depois, segurou o 1-1 na capital federal.

Romangoli chora de emoção na épica virada 2-0 para 3-2 sobre o Newell’s para fugir da queda em 2012. Foi necessário repescagem contra o Instituto de Córdoba. Nela, Kannemann festejou e quem chorou foi Dybala

Dos jogadores que chegaram a ter de vestir roupa suja para treinarem em meio ao caráter também extracampo da crise azulgrana, estavam pilares que dali a dois anos conquistariam o continente, como o zagueiro Walter Kannemann, os volantes Néstor Ortigoza e Julio Buffarini ou os meias Enzo Kalinski e o já veterano Romagnoli. Das peças que não ficariam, destaque ao zagueiro Jonathan Bottinelli (que acertaria com o River), Gigliotti (fim de empréstimo) e ao folclórico técnico Ricardo Caruso Lombardi, especialista na função de bombeiro contra rebaixamentos. Ele chegara na 9ª rodada, em substituição a Leonardo Madelón. Até o fim do Clausura 2012, só perdeu duas vezes por um time que até ali havia sido derrotado em quatro jogos.

Caruso Lombardi, porém, não conseguiu manter o rojão na mão no segundo semestre. O San Lorenzo seguia ameaçado de rebaixamento nos promedios e faltavam bons resultados. O treinador durou até a 10ª rodada, limado por três derrotadas seguidas entre a 7ª e a 9ª, com as duas últimas sendo um 2-1 em casa no “clássico” com o futuro campeão Vélez de Ricardo Gareca e um 4-0 para o Racing. No seu lugar, a diretoria apostou em Juan Antonio Pizzi, embora ele houvesse falhado em tirar o Rosario Central da segundona na temporada 2011-12, ainda que os rosarinos houvessem chegado à rodada final com chances. A nova mudança também fez bem: Pizzi só perdeu um jogo, na visita ao Boca, até o fim do torneio. Mas a grande notícia foi extracampo: em novembro, por 53 votos a 0, a legislatura portenha aceitou devolver ao clube o terreno no bairro de Boedo.

Outras novidades em 2012 foram o ponta Ignacio Piatti, o zagueiro Santiago Gentiletti, o meia Alan Ruiz e o volante Juan Mercier, que reeditaria com Ortigoza a dupla entrosada do último troféu do Argentinos Jrs, em 2010. A má notícia foi a lesão séria nos joelhos do ídolo Romagnoli ainda em agosto. Para 2013, Pizzi apostou nos juvenis Gonzalo Verón, Héctor Villalba e Ángel Correa. O time começou fazendo o feijão com arroz para terminar o Torneio Final em uma segura quarta colocação, com destaque às vitórias seguidas entre a 12ª e 15ª rodadas: 2-1 fora de casa no Quilmes (em virada com gols de Buffarini e Verón) e sobretudo o 3-0 no Boca (Verón, Buffarini e Correa), placar repetido fora de casa sobre o All Boys (Piatti, Verón e novamente Piatti) e por fim um 4-2 no Unión (dois do iluminado Verón, além de Ruiz e Franco Jara).

O goleiro vinha sendo Matías Ibáñez, que a partir da 8ª rodada sucedeu Migliore, vendido ao Dínamo Zagreb. Foi a partir da penúltima rodada que outro assumiria o posto: um certo Sebastián Torrico. O grande momento do semestre, porém, foi novamente extracampo: em 13 de março, em surpresa geral, o Vaticano escolheu para novo Pontífice o argentino Jorge Mario Bergoglio, cujo lado torcedor cuervo deu nova dimensão ao San Lorenzo. O impacto não pareceu mera coincidência ao fim daquele ano; depois que virara “o clube do Papa”, o aproveitamento do Ciclón subiu de 44% para 60% ao fim de 2013. Três dias depois do conclave, a equipe já capitalizava em cima disso, usando camisa especial para vencer fora de casa o Colón por 1-0.

El Gráfico de setembro já notava a ascensão dos resultados do San Lorenzo após a eleição do Papa Francisco, em março. Romagnoli também está nessa capa (assim como Viggo “Aragorn” Mortensen) e foi a escolha óbvia para a edição de janeiro de 2014, à direita

Apesar da Argentina e seu futebol ganharem um Papa, a inter-temporada viu o caráter nefasto do esporte no país. Em meados de julho, Fabián Vargas, rebaixado com o Independiente, desistiu de ir ao rival Racing após ameaças. No fim do mês, uma guerra interna na máfia do Boca, também chamada de La 12, deixou dois mortos. Foi o gatilho para que a partir dali o governo passasse a proibir torcidas visitantes. O San Lorenzo, por sua vez, se preocupava em armar um bom time, incorporando em especial o meia Emmanuel Más e o atacante Martín Cauteruccio. Ele marcou três gols nas duas rodadas iniciais, no 2-1 sobre o Olimpo e um 3-0 fora de casa no Racing, em jogo sem torcidas: além da proibição à visitante, a da casa fora impedida por confusões no torneio anterior.

Porém, na terceira rodada o já líder foi surpreendido em casa pelo Argentinos Jrs (onde curiosamente já estavam Migliore, após a estadia-relâmpago no futebol croata, e o técnico Caruso Lombardi), que ganhou de 3-0. Esse resultado custou a titularidade do goleiro azulgrana: era Cristian Álvarez, outro reforço. Para a quarta, o desconhecido Torrico voltou. Não impediu derrota de 3-2 para o Quilmes, mas não deixaria mais o arco. Só que enquanto o Ciclón derrapava, quem parecia destinado à taça era o Newell’s. O time rubronegro havia sido o campeão do primeiro semestre (após nove anos, além de ofuscar o título do rival Rosario Central, que enfim saía da segundona), além de semifinalista da Libertadores, caindo para o campeão Atlético Mineiro apenas nos pênaltis e no blecaute que, se ocorrido em Rosario, seria automaticamente rotulado de típica catimba argentina.

Isso havia significado ainda em julho a saída do seu técnico Gerardo Martino rumo ao Barcelona (além de Ignacio Scocco ao Internacional), mas o sucessor Alfredo Berti conseguira inicialmente manter a fase leprosa, com direito a estrear com vitória sobre o Boca na Bombonera após estar duas vezes atrás no placar enquanto o líder de La 12 tinha a casa metralhada. Outros a liderarem o torneio inicialmente foram Argentinos Jrs e Gimnasia LP, secundados pelo próprio Boca. Logo, porém, o Newell’s reassumiu a ponta, batendo por 3-0 um Gimnasia que estava com 100% de aproveitamento, com direito a gols dos veteranos Gabriel Heinze e Maxi Rodríguez e boa exibição do também dinossauro David Trezeguet.

Após seis rodadas, a liderança passava ao Argentinos Jrs, que vencera seu clássico com o All Boys enquanto o Newell’s era surrado por 3-0 pelo Vélez de Lucas Pratto. Mas o San Lorenzo encostava com um ponto a menos, com Cauteruccio e Villalba anotando o 2-0 em Rosario sobre o Central (quanta diferença para 2018: Boca e River, finalistas da Libertadores atual, apareciam como meros figurantes enquanto o líder do campeonato argentino ao fim desse ano, o Racing, segurava a lanterna…). O clube do Papa teve a chance de reassumir a liderança na sétima rodada, após surra de 4-0 do Vélez no Argentinos. Mas o Ciclón, desfalcado do lesionado artilheiro Cauteruccio pelo restante do campeonato, não passou do 0-0 em casa com o Godoy Cruz e quem ficou à frente de todos foi novamente o Newell’s, com Trezeguet e Maxi Rodríguez comandando a virada sobre o Olimpo.

Das vitórias fora de casa, destaque para o 3-0 sobre o Racing e o 2-0 sobre o Rosario Central

A Lepra manteve a ponta na rodada seguinte, vencendo por 1-0 fora de casa (gol de Maxi Rodríguez) o Racing, que conhecia a sexta derrota em oito jogos. Mas, mesmo sem Cauteruccio, o time de Boedo seguia no retrovisor rosarino, vencendo por 2-0 na visita ao Colón e assumindo a ponta ainda provisoriamente após Piatti marcar dois no 3-0 sobre o Gimnasia. Por um momento, porém, o Newell’s logo voltou a ser líder, com o onipresente Maxi Rodríguez marcando outro no 2-0 fora de casa sobre o Argentinos Jrs enquanto o San Lorenzo não saía do 0-0 com o Tigre diante do Nuevo Gasómetro lotado.

Naquela parte do torneio, os cuervos voltaram a balançar. Também lutavam pelo título na Copa Argentina, a ser definida contra o Arsenal, outro time que chegou a lutar no início pela ponta do Torneio Inicial. A final ocorreria no dia 16 de outubro e as mesmas equipes se enfrentaram quatro dias antes pelo Inicial. Em uma prévia, o Arse venceu de virada por 2-1. O Newell’s bateu o River e parecia mais líder do que nunca, enquanto o Vélez de Mauro Zárate parecia despedir-se da corrida ao levar a virada do Olimpo mesmo em Liniers. Assim, para encerrar jejum de seis anos, o Ciclón se voltou para a final da Copa Argentina. E se deu muito mal: o Arsenal venceu por 3-0 merecendo um placar ainda maior.

As lágrimas de Romagnoli em Catamarca foram inevitáveis, mas o time não perdeu o equilíbrio: 72 horas depois, dois gols de Correa e outro de Villalba assinalavam um 3-0 favorável, diante do All Boys. Outro 3-0 destacado naquela rodada foi do Lanús, que o aplicou fora de casa no Colón após três derrotas seguidas. O Granate estava no meio da tabela, mas advertíamos sobre o então time treinado pelos gêmeos Guillermo e Gustavo Barros Schelotto: “tem um dos elencos mais equilibrados da Argentina. Deve brigar por coisas grandes. E tem chances de conquistá-las”. E de fato na rodada seguinte o time do Sul, em jogo de duas viradas, bateu por 3-2 o San Lorenzo, na última derrota cuerva no campeonato. Isso e a derrota do Newell’s no primeiro clássico rosarino em três anos deixavam o torneio em aberto.

Àquela altura, no fim de outubro, quem concorria com o Newell’s eram San Lorenzo e Arsenal, ambos três pontos abaixo. O Vélez, mesmo vencendo, parecia sem aspirações caseiras, focado mais para o jogo contra a Ponte Preta pela Copa Sul-Americana. Novembro começou e o Arsenal não evitou 1-1 em casa com o All Boys. O Newell’s também só empatou, embora conseguindo buscar o 2-2 após derrota parcial de 2-0 para o Colón. Mas esses resultados apontavam que o vencedor entre San Lorenzo e Boca voltaria à briga. E os cuervos mantiveram a famosa freguesia contra os xeneizes, com Correa marcando o único gol que os deixou a dois pontos do líder. A rodada seguinte reservaria por sua vez o confronto direto com o Ñuls. A final antecipada terminou em um 1-1 sem graça em Rosario.

https://twitter.com/SanLorenzo/status/1073926397356322816

Restavam quatro rodadas e esse empate, por outro lado, permitiu que além de Newell’s (29 pontos) e San Lorenzo (27) também sonhassem Boca (27), Arsenal e Lanús, ambos com 25 após confronto direto com vitória grená nos minutos finais. O Ciclón fez sua parte e assumiu a ponta provisoriamente, vencendo em casa o Belgrano por 4-2 após os corbobeses chegarem a empatar desvantagem de 2-0. A liderança se confirmou com a posterior derrota leprosa na visita ao Tigre. Lanús e Arsenal se mantinham no páreo, vencendo seus jogos e indo a 28 pontos enquanto o Boca estagnava nos 27. Na rodada seguinte, mesmo empatando em 2-2 com o Atlético Rafaela, os líderes vibraram: Lanús no zero com o Gimnasia e Newell’s e Arsenal também só empatando em confronto direto, enquanto o Boca perdia dentro da Bombonera para o All Boys.

O San Lorenzo poderia ser campeão por antecipação na penúltima rodada. Mas novamente só empatou, em 0-0 com o Estudiantes. Arsenal e Boca saíram de vez da briga, com o time de Sarandí levando de 4-1 em casa para o Belgrano e os auriazuis ficando no 2-2 com o Lanús, que seguia no páreo junto com o resto da gordura do Newell’s (sem vencer desde a derrota no clássico rosarino, perdeu por 3-1 para o All Boys) e um Vélez que, discretamente se intrometeu após ganhar fora de casa do Colón. Assim, a última rodada começaria com o San Lorenzo com 32 pontos, visitando o “rival” Vélez, que tinha 30, assim como Newell’s e Lanús, que duelariam entre si em Rosario, abrindo possibilidades de que o campeonato se prolongasse para um jogo-extra caso o San Lorenzo não vencesse.

Após pausa de duas semanas em que as atenções se voltaram à morte de Nelson Mandela, ao sorteio dos grupos da Copa de 2014 e ao título do Lanús sobre a Ponte Preta na Sul-Americana no dia 12, ocorreu a peculiar rodada final do “Torneio Inicial Netos Recuperados”. O brilhantismo esteve na partida travada em Rosario, em especial no segundo tempo em que o Newell’s esteve duas vezes na frente, mas tomou o empate. Ao fim, a torcida a casa aplaudiu os dois times, com a tristeza do dia na cidade advindo do assassinato de dois torcedores rubronegros que moravam em Buenos Aires e tiveram seu ônibus metralhado por mafiosos do Central.

A festa em Boedo e no Vaticano dependeu daquele empate em Rosario, pois o Ciclón sofreu na visita a Liniers, em rivalidade acesa a partir dos anos 90. Teve suas chances de abrir o placar, com Correa e Romagnoli, mas as conclusões mais agudas foram velezanas: Agustín Allione acertou a trave, em lance seguido de uma defesa milagrosa de “San Torrico de Almagro” (veja no vídeo acima), como o goleiro-revelação passou a ser chamado, bem antes de ser reforçado com a bênção papel sobre suas luvas, dada só após a conquista-trampolim para a vitoriosa Libertadores 2014. Ao fim, os cuervos souberam gastar tempo para manter a escrita de, desde 1995, obter um título argentino a cada seis anos. Ela será renovada para 2019?

https://twitter.com/SanLorenzo/status/1073912052647845888

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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