75 anos de Alfio Basile, muito mais que o último técnico campeão na seleção
Alfio Basile é na verdade o nome do seu pai, imigrante italiano. O filho dele e da senhora Filomena Moreno deveria se chamar igualmente Alfio, mas o cartório negou-se e registrou como Alfredo Rubén Basile Moreno aquele bebê nascido em 1º de novembro de 1943. Não adiantou muito: para público e mídia, El Coco Basile sempre chamou-se Alfio também. Vale relembrar esse personagem glorioso de Racing, Huracán, Boca, seleção e que desperta também carinho no Vélez e em Córdoba.
Seu primeiro clube foi o Bella Vista, em sua Bahía Blanca natal. Lá, foi descoberto por um sócio do Racing e veio aos 15 anos testar-se. O técnico juvenil racinguista era Carlos Peucelle, autor de gol na final da Copa de 1930 e de sucesso reconhecido como técnico juvenil do River dos anos 40, onde ajudara, ainda antes de parar de jogar naquele mesmo clube, a fomentar a celebrada equipe apelidada de La Máquina. Basile na base sempre fora volante central; a estreia no time adulto veio em 1963, em amistoso contra o Nacional em Santiago, em uma excursão de 50 dias pelo Pacífico. O treinador era outro caudilho do futebol argentino, o ex-volante Néstor Rossi, El Patrón de América que escudava Alfredo Di Stéfano no River e seleção.
Apesar daquela estreia, Basile não foi profissionalizado de imediato. Assim, estava disponível para disputar as Olimpíadas de 1964, o que rendeu uma primeira decepção: o serviço militar, obrigatório na época, barrou-lhe dos Jogos de Tóquio. A estreia no campeonato argentino viria só em dezembro, exatamente na rodada final de 1964. Foi em visita ao Huracán, em empate em 1-1 no qual o gol blanquiceleste foi do brasileiro Dorval, emprestado pelo Santos. O treinador era o ex-beque José Della Torre, da Copa de 1930. Basile foi usado na ocasião como lateral-esquerdo. A posição foi inicialmente mantida sob os sucessores iniciais de Della Torre, primeiramente José García Pérez e depois Ernesto Gutiérrez e Remigio Irondo.
O clube andava mal e buscou uma solução arriscada, confiando o cargo a um iniciante que até pouco tempo atrás era colega de ataque de muitos do elenco racinguista: Juan José Pizzuti. Foi ele que viu que Basile funcionaria melhor no miolo da zaga junto com outro então volante, Roberto Perfumo, nem que isso significasse barrar o ídolo Norberto Anido (cuja dupla com Juan Carlos Mesías foi mencionada de modo consagrador no filme O Segredo dos Seus Olhos). Apesar da mudança inicialmente ter resultados erráticos, se provaria acertada quase que em curto prazo. Basile tinha voz de mando, não tão rouca como ficaria décadas depois, bastante personalidade e compensava uma certa lentidão com potência e bom impulso no jogo aéreo – que vez ou outra aproveitava para marcar alguns golzinhos de cabeça.
O Racing ganhou fôlego e terminou em 5º. Em 1966 os comandados de José Pizzuti, mais maturados em uma primeira temporada inteira com ele, viravam El Equipo de José. O clube foi campeão argentino no embalo de 39 jogos seguidos de invencibilidade (acumulados ainda desde 1965), recorde profissional que só seria superado no torneio pelos 40 do Boca de Carlos Bianchi em 1999. Em 38 rodadas, a Academia só sofreu 24 gols, consagrando de vez a dupla Perfumo e Basile como paredões da zaga. El Coco ainda contribuiu com seis gols, incluindo dois em uma mesma partida – os únicos no 2-0 sobre o Newell’s, na terceira rodada. Simbolicamente, ele e Perfumo também anotaram os dois que fecharam a campanha, em 2-0 sobre o San Lorenzo.
Àquela altura, o Racing era o segundo maior campeão argentino, com só um título a menos que o Boca. Faltava realçar também fora das fronteiras a grandeza, especialmente tendo como vizinho o único time argentino já campeão da Libertadores – o Independiente a vencera em bi em 1964-65. A resposta foi imediata, com a metade alviceleste de Avellaneda levantando a edição de 1967. O zagueiro deixou um gol para as estatísticas, na vitória de 5-2 em casa sobre o Independiente Medellín, na primeira fase. Faltava ao futebol argentino um título mundial, missão que o Independiente não conseguira cumprir contra a Internazionale tanto em 1964 como em 1965. O adversário racinguista seria justamente quem fora campeão europeu sobre La Grande Inter, os “Leões de Lisboa” do Celtic, primeiro time britânico campeão da Liga dos Campeões da UEFA. Basile viveu intensamente aquelas partidas.
Na ida, em Glasgow, os escoceses se impuseram e foi de Coco uma das poucas chances visitantes, em cabeceio que saiu sobre o travessão; a volta foi realizada em pleno 23º aniversário do beque, em 1º de novembro de 1967, e rendeu vitória de virada que forçou uma terceira partida. Foi na “neutra” Montevidéu – perto demais de Buenos Aires e com torcida local hostil demais aos argentinos. Basile lutava contra John Clark quando foi expulso em meio a uma paralisação no jogo gerada entre Jimmy Johnstone e Juan Carlos Rulli. Tratou de só sair de campo após catimbar o melhor jogador adversário, Bobby Lennox, para que esse fosse expulso junto. A “missão” foi cumprida e Basile rumou aos vestiários. Quando o título se confirmou, já estava de banho tomado e paletó, que vestia na imagem que abre a matéria.
Em 1968, o Racing disputou até o fim o título nacional, com o lado artilheiro de Basile aparecendo com seis gols nas quinze rodadas – um deles, seu único no Clásico de Avellaneda, vencido por 4-1; e outros dois, em 3-1 sobre o Estudiantes recém-campeão mundial. Ao fim da última rodada, houve empate triplo com River e Vélez, forçando um triangular que favoreceu os velezanos. O embalo se manteve no Metropolitano de 1969: embalado pelo superartilheiro brasileiro Silva “Batuta”, o Racing fez a melhor campanha da primeira fase. Na semifinal em jogo único, preferiu se retrancar por ter vantagem do empate e terminou punido, sofrendo o único gol da partida já nos minutos finais contra o futuro campeão Chacarita.
Em paralelo, Basile fez suas únicas partidas pela seleção. Foram oito oficiais e cinco não-oficiais (contra clubes ou combinados, muitos deles do Brasil) entre agosto de 1968 e agosto de 1969, despedindo-se na primeira rodada das malfadadas eliminatórias à Copa do Mundo de 1970, em derrota de 1-0 para o Peru em Lima. Seu único gol veio justamente na estreia, marcando o de honra em derrota de 4-1 para o Brasil no Maracanã. A reação da federação com a queda nas eliminatórias foi contratar justamente Juan José Pizzuti. O que não significou continuidade de Basile na Albiceleste, e sim declínio do Racing. O time caiu para 11º no Metropolitano, quando ainda viu o rival Independiente ser campeão em pleno clássico.
Em 1971, Basile mudou de ares e foi ao Huracán, então um clube com grandeza em dúvida. Estava em jejum desde o título de 1928 e, outrora chamado “sexto grande”, via times de porte tradicionalmente menor (ao menos para a época) conseguirem os títulos que não vinham para o bairro de Parque de los Patricios. A história mostraria que Basile e Huracán, ambos criados em um 1º de novembro, teriam mesmo muito a ver um com o outro.
Coco de fato chegara prometendo que vinha para ser campeão – promessa que se cumpriu em médio prazo. Em 1971, o time treinado primeiramente por Osvaldo Zubeldía, que não repetiu ali o êxito de seu Estudiantes tri da Libertadores, e depois pelo iniciante César Menotti ainda foi irregular – mas soube decidir o campeonato ao ganhar fora de casa, de virada, do então líder Vélez, premiando o Independiente. Em 1972, veio uma ótima campanha com um 3º lugar, o primeiro pódio do Huracán desde 1952. Embora ofuscado pelo título do rival San Lorenzo, houve o gosto de vencê-lo por 3-0 na rodada seguinte ao título ficar assegurado ao vizinho – que visitou o palácio Ducó desfilando uma volta olímpica antes do clássico, cuja manchete final foi “por 90 minutos, o campeão foi o Huracán”.
Mas a real resposta quemera veio em alto estilo no Metropolitano de 1973, findando jejum de 45 anos. O primeiro turno, de tão irrepreensível, virou-se contra o próprio Globo, que passou a ser continuamente desfalcado para a seleção. O tempo de Basile para a Albiceleste, por outro lado, já havia passado. Assim, ele simbolizou a solidez da retaguarda huracanense no segundo turno: “o time de Menotti, sem ser defensivo, (…) sabe diminuir espaços para quitar projeção ao adversário”, elogiou na época a revista El Gráfico.
Com três atacantes em Assunção para enfrentar o Paraguai pelas eliminatórias à Copa de 1974, Basile foi o grande medalhão presente para ser carregado pelo povo quemero no jogo do título. A façanha levaria Menotti à seleção após a Copa de 1974, ano em que Basile e colegas avançaram às semifinais da Libertadores. Era praticamente o adeus do xerife, que pendurou as chuteiras em 1975, ano de vice argentino para o River. Em outubro daquele ano, já assumia sua primeira prancheta, assumindo o Chacarita. Nos funebreros, seu êxito foi não cair, brigando inclusive contra o Racing no torneio de 1976 (o rebaixado foi o San Telmo, com um ponto a menos que o ex-clube). Em 1977, após uma curta passagem pelo Rosario Central (a uma colocação de classificar-se aos mata-matas), Basile voltou então ao Cilindro. Mas a temporada foi morna.
Coco reapareceu em nível nacional já no futebol cordobês, onde faria sucesso. Após treinar no Nacional de 1978 o estreante Racing local, seu Instituto classificou-se aos mata-matas do Nacional de 1979 liderando chave com Rosario Central, Boca, San Lorenzo e Estudiantes. Em 1980, voltou ao Racing do bairro de Nueva Italia, onde fez ainda mais sucesso. La Academia Cordobesa ganhou a liga provincial em clássico com o Instituto e, sobretudo, chegou à final do Nacional – eliminando no caminho o Argentinos Jrs de Maradona e o Independiente.
Em 1981, Basile reapareceu no Instituto, novamente conseguindo uma classificação aos mata-matas do Nacional e em 1982, já no Huracán, conseguiu um bom 6º lugar por um clube que já não era sombra da força que tinha nos anos 70. Em 1983, dirigiu inicialmente nova campanha do Racing de Córdoba aos mata-matas do Nacional e depois o Talleres, onde não causou tanto impacto. Em meados de 1984, voltou a Buenos Aires, acertado com um Vélez em crise – naquele ano, o Fortín, que só tinha aquele título de 1968, vira o rival Ferro Carril Oeste ultrapassar-lhe com um segundo troféu nacional. Basile não solucionou, mas permitiu sonhos no bairro Liniers, chegando à final do Nacional no primeiro semestre de 1985, eliminando no caminho Boca e River.
Coco só saiu do Vélez para atender urgência na velha casa, no fim do segundo semestre de 1985: seu velho Racing de Avellaneda caíra em 1983, não pudera subir em 1984 e, naquele 1985, perigava novo fracasso na tentativa de acesso. De fato, a Academia não chegou a ser campeã da segundona, mas, após Basile chegar em novembro, pôde alcançar a segunda vaga de acesso. E o ídolo soube recupera-la também na elite: 5º lugar na temporada 1986-87 e 3º na de 1987-88, finalizada com o primeiro título racinguista desde o Mundial de 1967, na primeira edição da Supercopa.
Embalado com o título da Supercopa, o Racing de Basile sonhou na metade inicial da temporada 1988-89, terminando o primeiro turno na liderança. O jogo final foi justamente contra o co-líder Boca, um empate que os tribunais transformaram em derrota após o goleiro adversário Carlos Navarro Montoya ser atingido por rojões racinguistas. La Acadé murchou e ficaria só em 9º enquanto o título iria justo ao Independiente. Basile encontrou refúgio em volta ao Vélez. E fez novo bom trabalho, com um 5º lugar a quatro pontos do vice na temporada 1989-90 e um 3º no Apertura 1990.
Com essas credenciais, Coco foi chamado para substituir Carlos Bilardo na seleção após a Copa de 1990. Logrou êxito imediato, com a Albiceleste, mesmo sem um Maradona suspenso por drogas, encerrando em 1991 um jejum de 32 anos na Copa América. Depois viriam em 1992 a primeira Copa das Confederações, e em 1993 ganhou-se a Taça Artemio Franchi (extinto tira-teima entre os vencedores da Copa América e da Eurocopa) e nova Copa América – até hoje, o último título da seleção principal. Foi um ciclo de 33 jogos seguidos de invencibilidade, um recorde mundial na época.
O poderio, porém, fraquejou nas eliminatórias, com o 5-0 em casa para a Colômbia, e não foi retomado nos EUA, com a queda na Copa de 1994 ainda nas oitavas. Após período sabático, Basile foi com um Racing quebrado às semifinais da Libertadores em 1997, embora sua passagem “herética” pelo San Lorenzo em 1998 seja mais lembrada por uma heresia a mais, ao expulsar dos treinos quem viria a se tornar o Papa Francisco. Tirou meia década sabática entre 1999 e 2004, para reaparecer com tudo no Boca.
Acostumado às finais da Libertadores, o Boca não poderia disputa-la em pleno centenário em 2005, mas sob Basile ganhou o que mais estava ao alcance: um bi argentino, uma Sul-Americana e um bi na Recopa, tornando-se na época o time mais vencedor de copas internacionais. Assim, Basile foi o escolhido para dirigir a Argentina após a Copa de 2006, enfurecendo Maradona: Diego, que lhe indicara ao Boca, esperava ser o eleito e não escondeu de ninguém a irritação com Coco, que inicialmente parecia recolocar a Albiceleste nos trilhos. Mas a boa campanha na Copa América terminou esquecida com a inesperada goleada para o Brasil na decisão. Foi o último bom trabalho do mestre; a “secada” de Maradona enfim teve êxito em 2008. O ciclo ao menos serviu para fazer de Coco o único treinador que dirigiu Messi e o próprio Maradona.
Trabalharia ainda novamente no Boca na temporada 2009-10 e no Racing na de 2011-12, sem repetir as boas campanhas de outrora. Crises relativizadas em 2018. Tempo desses clubes manifestarem seus votos a quem fora tão bom comandante dentro e fora de campo. Inclusive um Huracán que em paralelo se ocupava com os festejos do 110º aniversário…
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