90 anos do vice na primeira Copa do Mundo, em 1930
Por quase meio século, aquela fervura no Rio da Prata foi a única final de Copa alcançada pela Argentina, pendência enorme para a seleção que historicamente dominava a Copa América – quando nova decisão mundial, desta vez com título, enfim veio, muitos dos primeiros finalistas já não puderam presenciar: Juan Evaristo falecera um mês antes da Copa de 1978, o goleiro Juan Bottaso ainda em 1950, o artilheiro Guillermo Stábile em 1966. A primeira final completa hoje 90 anos. Hora de lembrar a campanha.
Embora cartolas já atrapalhassem a seleção, influenciando na escalação de jogadores sem condições, 1930 era inegavelmente um tempo bem diferente: o recém-descoberto Plutão ainda era um planeta, os golpismos no continente eram ainda mais escancarados (o presidente argentino Yirigoyen seria derrubado dali a dois meses, movimento que começaria a chamada “década infame” no país) e o detentor do título argentino era nada menos que o Gimnasia LP, que simplesmente não venceu o certame desde então e acostumou-se a ser um clube azarado.
De outros clubes presentes na convocação, alguns sumiram ou mesmo se extinguiram com o tempo: no ano seguinte, dezoito clubes romperam com a associação oficial, cansados de enfrentar adversários pouco atrativos financeiramente e ainda repartir igualitariamente com estes a renda dos jogos – sim, o profissionalismo, que já era praticado sob vistas grossas (tanto que o San Lorenzo incorporou em 1929 um dos uruguaios campeões olímpicos no ano anterior, Juan Píriz, que terminaria de fora da Copa), não foi o motivo principal da rebeldia, que só o escancarou.
Quem foi deixado de fora do movimento tendeu a fechar as portas, casos do Sportivo Palermo e do Sportivo Buenos Aires; ou desativar o futebol competitivo, como o Estudiantil Porteño, campeão do torneio oficial mas desprestigiado em 1931 e 1934; ou então decair profundamente, como o Argentino de Quilmes, o primeiro clube latino do país e que desde então só pôde figurar uma única vez na elite profissional, em 1938.
Mesmo assim, é notável as ausências de River e Independiente. Maior campeão argentino, o River tinha então só um título, no distante torneio de 1920, e só ganharia força nos anos seguintes. E foi com a compra de alguns finalistas de 90 anos atrás que recebeu o apelido de Los Millonarios, embora a grande figura dessa ascensão tenha ficado de fora: Bernabé Ferreyra, que faria incríveis 195 gols em 193 jogos pelo Millo, popularizando-o nacionalmente, chegaria ao clube em 1932 por um recorde mundial junto ao Tigre; só a ida de Neymar ao PSG repetiu a façanha de um recorde superar o dobro da marca anterior. Bernabé já fazia barulho no Tigre em 1930 e estreou pela seleção a um mês da Copa, mas foi muito mal, sem contar a ninguém que havia doado sangue naquele dia para uma irmã doente.
Outras ausências sentidas foram a de clubes rosarinos, bastante assíduos nas convocações entre os anos 10 e 20. Uma greve local, outro fator a denotar o profissionalismo mesmo que informal do futebol argentino, acarretou no afastamento de possíveis convocados, em especial o goleiro Octavio Díaz (que havia ido às Olimpíadas de 1928) e o centromédio Cataldo Spitale. Assim, abriram espaço a Juan Bottaso e ao veterano Luis Monti, respectivamente. Com uma única exceção, as convocações concentraram-se assim em equipes da grande Buenos Aires e La Plata.
Quem atuasse fora do país não era chamado e assim Raimundo Orsi, da Juventus, e Julio Libonatti, artilheiro e campeão no Torino (!), não tiveram chance, embora tivessem no currículo a medalha de prata nas Olimpíadas de 1928 (caso de Orsi) ou o protagonismo no primeiro título argentino na Copa América, em 1921 (Libonatti). Eles dois inclusive já haviam passado a defender a Itália mesmo: naquele mesmo ano, jogaram pela Azzurra a Copa Internacional, precursora da Eurocopa e cujos participantes, satisfeitos com o torneio, terminaram por declinar o convite ao Mundial. Antes de vir ao Flamengo, El Mumo Orsi inclusive venceria a Copa de 1934, marcando até gol na final.
De outras figuras olímpicas que, como Orsi, se ausentaram, destaque exatamente ao artilheiro daqueles Jogos de Amsterdã, Domingos Tarasconi, do Boca. Tarasca se lesionara gravemente pouco depois e entrou em declínio, sendo campeão da Copa América de 1929 já sem atuar em nenhuma partida. Mas boa parte do time-base de 1928 seguia e, após saborear uma revanche local contra o Uruguai na conclusão daquela Copa América, teria uma oportunidade a nível global. O próprio Luis Monti, capitão nas Olimpíadas, foi um deles. A princípio ele sequer tinha interesse, sendo convencido em cima da hora após o desembarque de Pedro Bidegain, presidente do San Lorenzo (é quem batiza o Nuevo Gasómetro), onde Luisito jogava.
Mesmo com Monti de volta, a braçadeira de capitão permaneceu com seu sucessor, Manuel Ferreira. Mas foi Monti quem se imortalizaria mais: foi dele o primeiro gol argentino das Copas. E seria Monti, sobretudo, o único homem a disputar finais do torneio por países diferentes: se juntaria a Orsi na Juventus e na seleção italiana de 1934. Curiosamente, a marca nunca lhe orgulharia; a pressão fascista o ameaçara em 1934 se perdesse, e em 1930 as ameaças foram feitas para que ele não ganhasse, tendo atuado muito mal na decisão. Além de Monti, outros remanescentes de 1928 foram o próprio meia-armador Manuel Ferreira, o goleiro Ángel Bosio (ambos seriam outras contratações de peso que o River viria a fazer nos anos seguintes, inclusive) os médios Juan Evaristo, Adolfo Zumelzú e Rodolfo Orlandini, o zagueiro Fernando Paternoster, o ponta Natalio Perinetti e o centroavante Roberto Cherro.
Uma das caras novas era Francisco Varallo, depois conhecido como o último sobrevivente da final: faleceu aos cem anos, em 2010. Ele era o único representante do campeão Gimnasia; o time mais representado era o Boca, fazendo-se justiça ao clube mais regular do período, ainda que sob a amargura de um trivice argentino seguido. Era o time do citado Cherro e também do ponta Mario Evaristo (irmão de Juan, ainda no Sportivo Barracas), do zagueiro Ramón Mutis e do lateral Pedro Suárez. A campanha começou contra a França, pressionada por Jules Rimet a se fazer presente no torneio idealizado há tanto tempo pelo presidente da FIFA. O 1-0 não refletiu o que foi a partida, na qual a grande figura foi justamente as constantes defesas do goleiro francês Alexis Thépot: “até os postes e o travessão jogaram para ele!”, lembraria Varallo.
A resistência caiu só a dez minutos do fim, em petardo de Monti cobrando uma falta no estádio do Nacional. Varallo, cansado de perder chances, insistiu para que o volante chutasse daquela vez e deu certo. O jogo foi encerrado antes dos 90 minutos pelo árbitro brasileiro, que, avisado do erro, ordenou a retomada quando alguns jogadores já haviam se trocado! Houve invasão de campo que amedrontou o atacante Roberto Cherro – seu lugar passaria a ser de Stábile, que assim começaria sua trajetória rumo à artilharia da Copa. El Filtrador era o único representante dos anos dourados do Huracán, que naqueles anos 20 vencera quatro de seus cinco títulos argentinos, tendo mais taças que o rival San Lorenzo, o River e o Independiente.
A partir da segunda partida, a Albiceleste só atuou no Centenário. Contra o México, ela abriu um 3-0 com 17 minutos de jogo, mas a 15 minutos do fim o que se ensaiara goleada estava em um perigoso 5-3. O volante Adolfo Zumelzú, mesmo tendo marcado dois gols, ficaria de fora da decisão assim como os outros a lhe acompanhar na linha média – Alberto Chividini e Rodolfo Orlandini. A vaga na semifinal foi garantida com um 3-1 que começou movimentado contra o Chile, com Stábile marcando aos 12 e aos 13 e com o oponente diminuindo aos 15. Mario Evaristo matou a partida aos 16 do segundo tempo. Só que Varallo foi lesionado ali e foi desfalque na semifinal.
Os EUA, adversários recheados de antigos profissionais ingleses em um certame cheio de amadores, provocaram que goleariam, pautando-se na dificuldade argentina contra o México. Mas os massacrados foram os ianques, que só fizeram aos 44 do segundo tempo o gol de honra (aplaudido pela torcida argentina) nos 6-1. Substituto de Varallo, o meia Alejandro Scopelli até marcou um dos gols. Mas era do Estudiantes e sua permanência para a final foi impedida por um cartola gimnasista, que pressionou pela volta do seu jogador. Não querendo ficar de fora, o próprio Varallo segurou suas dores nos testes de aptidão em um galinheiro, onde foi ordenado a apenas correr e chutar contra uma parede.
A decisão marcaria novo reencontro contra o Uruguai. O belga Jean Langenus, que já havia apitado a final olímpica de 1928, conhecia assim bem a rivalidade platina. Tão bem que exigiu seguro de vida e passagens de volta marcadas para pouco após o fim do jogo. Manobrando as rixas, concedeu aos visitantes o benefício de jogarem o primeiro tempo com uma bola própria. Os donos da casa abriram o placar aos 12 minutos com Pablo Dorado, por sinal outra futura aquisição do projeto millonario do River. Ele meteu por entre as pernas de Bottaso para abrir o placar.
Mas os argentinos souberam aproveitar o fator da bola própria: uma bomba de Peucelle empatou aos 20 e um arremate polêmico de Stábile (que segundo os uruguaios recebeu em impedimento um passe de Varallo), que ainda bateu na trave antes de entrar, virou aos 37 a partida em uma primeira etapa rotulada de medíocre pela própria imprensa argentina. No intervalo, o capitão celeste José Nasazzi chegou a desenhar em um diagrama a jogada do segundo gol ao árbitro, buscando em vão a anulação do lance.
No segundo tempo, porém, foi a vez dos uruguaios jogarem com sua própria bola e a aproveitarem melhor. O goleiro Bottaso, lesionado em dividida com Héctor Castro, vinha sentindo o golpe e não se esticou para defender a bola empurrada com um carrinho de Pedro Cea aos 12 minutos no lance do empate. Também não conseguiu alcançar o chute de longa distância em que Victoriano Santos Iriarte desempatou, já aos 23. Com os 3-2, só passou a dar Argentina no jogo.
Peucelle, Juan Evaristo e Stábile buscaram a nova igualdade e Varallo, apesar de fracas condições físicas, acertou o travessão – um infortúnio que sempre lamentaria. Aos 44 do segundo tempo, então, o Uruguai pôde matar o jogo. Héctor Castro ganhou a disputa aérea com José Della Torre para cabecear no contrapé de Bottaso. A Celeste também levaria a melhor na Copa América de 1935. Para Varallo, Cherro, Scopelli, Peucelle e até ao cortado Bernabé Ferreyra, a glória enfim viria com o título da edição de 1937, a marcar a ascensão da rivalidade com o Brasil em detrimento do clássico platino. Mas isso já é outra história, contada nesse outro Especial. Eis, abaixo, os onze jogadores argentinos da final de 90 anos atrás:
Juan Bottaso: apelidado de Cortina Metálica (bancava a alcunha com o hábito de agachar uma persiana imaginária), era o goleiro reserva mas atuou na semi e na decisão. Jogou só uma outra vez pela seleção, um 1-1 amistoso com o Uruguai em Montevidéu em 1929. Foi o último jogador do Argentino de Quilmes na seleção. Aderiu à liga rebelde de 1931 para juntar-se ao Racing, defendendo-o por quatro anos antes de voltar ao Argentino, com a reunificação das ligas em 1935.
José Della Torre: forte e aguerrido, deveria ter ido às Olimpíadas, mas foi dispensado na véspera. Deu a forra no mundial: suas únicas cinco partidas oficiais pela Argentina foram durante o torneio. Revelado no San Isidro (que passou a focar-se no rúgbi, sendo o maior campeão portenho neste esporte), Pechito jogava no Racing e foi um dos diversos reforços argentinos que o America-RJ trouxe sem sucesso em 1934, quando o clube da Tijuca tornou-se o primeiro a apostar largamente em hermanos no Brasil. Como técnico, voltaria a trabalhar na equipe carioca e venceu a Copa América de 1959, última edição que a Argentina venceu até o bi de 1991-93. Também treinou o Racing campeão de 1958.
Fernando Paternoster: El Marqués, apelidado assim pelo jogo limpo (costumava anular os rivais prensando-lhes espaço contra a linhas de fundo), era a dupla de Della Torre na zaga do Racing após chegar do Atlanta em 1926. Já havia sido titular nas Olimpíadas de 1928. Convenientemente alto, teve a carreira interrompida por uma fratura em 1933. Coube a ele a marca pouco honrosa de perder o primeiro pênalti a favor da Argentina nas Copas, contra o México. Foram 16 jogos oficiais pela seleção com apenas 3 derrotas, duas delas justamente nas finais olímpica e mundial contra os uruguaios. Como técnico, foi um dos argentinos precursores do Eldorado Colombiano e também promoveu o futebol equatoriano, treinando os primórdios da seleção local.
Juan Evaristo: lateral-direito indiscutido na seleção nos anos 20, jogava pela Argentina desde 1922. Integrou seguidas decisões, vencendo as Copas Américas de 1927 e 1929 mas perdendo as Olimpíadas e o mundial. Era irmão mais velho de Mario Evaristo e ambos ainda são os únicos irmãos que atuaram juntos pela Argentina em Copas – os Milito foram separados. Além dos Evaristo, de irmãos só os holandeses René e Willy van de Kerkhof também jogaram juntos uma final de Copa. No profissionalismo, adotou brevemente o Boca, onde reencontrou o irmão.
Luis Monti: parrudo (seu apelido era Doble Ancho) e de personalidade, impunha respeito como volante central e foi uma das figuras mais marcantes do futebol argentino dos anos 20. Conseguiu integrar os primeiros títulos dos rivais Huracán e San Lorenzo, onde ficou mais tempo, ganhando outras duas vezes a liga e passando vinte meses invicto. Apesar da final apagada, foi contratado em seguida pela Juventus e integrou o primeiro penta italiano seguido (só superado pela fase atual de nove scudetti seguidos), ajudando a popularizar nacionalmente o time de Turim. Acabou campeão pela Itália na Copa de 1934. Pela Argentina, foram 16 jogos oficiais, perdendo apenas dois, exatamente as duas finais contra o Uruguai.
Pedro Suárez: único nascido nas Canárias a jogar uma Copa no século XX, tinha como grande virtude a garra e entrega tão apreciadas no Boca, aonde chegara do Ferro Carril Oeste justamente em 1930 para ser ídolo por doze anos. Embora rotulado de perro de presa (“cão de caça”), sabia também manejar e distribuir bem a bola. Mais conhecido pelo codinome Arico, após o mundial só voltou em 1939 a defender a Argentina. A raça não o impedia este lateral-esquerdo de ser cavalheiro, errando propositalmente um pênalti mal marcado contra o Brasil na Copa Roca de 1940 – imaginam isso hoje?
Carlos Peucelle: um dos atacantes argentinos mais destacados de sua época. Rápido, de boa técnica, inteligente e que sabia jogar em equipe, foi longevo na seleção. Com passagens prévias por Boca, San Telmo e Sportivo Barracas, atuava no extinto Sportivo Buenos Aires e foi sua contratação pelo ascendente River Plate em 1931 (fez o primeiro gol do primeiro clássico profissional com o Boca) que rendeu ao clube o apelido de Millonarios. Chegou a marcar três gols em uma só partida contra o Brasil, mesmo veterano, em 1940 – ainda é o mais velho a impor um hat trick nos brasileiros. Primeiro reserva a marcar gol pela seleção, em 1934, foi sob sua orientação ainda como jogador e depois técnico juvenil que o River montou La Máquina, a célebre equipe dos anos 40. Ele integrou o protótipo daquele elenco, antes da vaga ficar em definitivo com Juan Carlos Muñoz, e bancou a descoberta de Alfredo Di Stéfano.
Francisco Varallo: Pancho compensava com velocidade e arremate forte (sendo apelidado também de Cañoncito) a falta de técnica. Era do Gimnasia LP, integrando no início de 1930 o único título do Lobo na elite, válido ainda pelo torneio de 1929. Estreou pela seleção a um mês da Copa, nos 1-1 com o Uruguai que abrem a matéria, marcando gol. Para a fúria gimnasista (perdeu amizades de anos e sua casa foi apedrejada), profissionalizou-se no Boca, onde foi um dos maiores ídolos: mesmo não sendo centroavante, teve média de 0,87 gol por jogo e era o segundo maior artilheiro geral, atrás de Roberto Cherro, e o maior artilheiro profissional, até Martín Palermo superá-los já no século XXI. O colocamos no time dos sonhos do Boca: veja aqui. Varallo fez o gol da primeira vitória da Argentina sobre o Uruguai no Centenário, em 1934. Lesões no joelho obrigaram-no a parar cedo, ainda antes da inauguração da Bombonera.
Guillermo Stábile: o artilheiro era reserva! Stábile entrou a partir da segunda partida no buraco deixado pelo mencionado Cherro. El Filtrador abusava da velocidade (tinha medalhas nos 100 metros rasos) e já se destacava na década de ouro do Huracán (clube que venceu nos anos 20 quatro dos seus cinco títulos). Mas atuou apenas durante a Copa, pois em seguida profissionalizou-se na Itália. Escolheu o Genoa em vez da Juventus. Na época parecia mais certo, pois era o Genoa era o maior campeão. Fraturou-se e não se recuperou, enquanto a Juve largava para ser o maior clube do país… Stábile, com os 8 gols na Copa, tem média de dois por partida na seleção, a mais alta no geral. E só Gabriel Batistuta marcou mais vezes que ele pela Albiceleste em Copas. Posteriormente, foi o técnico mais longevo e vitorioso da seleção, empilhando Copas América no final dos anos 30 ao final dos 50. Também treinou o primeiro time tri seguido do profissionalismo, feito que encerrou em alto estilo um jejum de 24 anos do Racing.
Manuel Ferreira: um dos Profesores, ataque poderosíssimo do Estudiantes de 1931 (saiba mais), seu filho foi um dos arquitetos do Estádio Único de La Plata. Elegante armador de jogo, também fazia seus gols. Atuava desde 1927 pela seleção, sendo outro do vice olímpico que dera o troco nos uruguaios na Copa América de 1929 mas novamente deles perdeu em 1930. Foi o capitão no mundial, mas ausentou-se contra o México: precisava fazer uma prova da faculdade e voltou momentaneamente a Buenos Aires, contando mais tarde que os professores, empolgados com a Copa, facilitaram o exame. Já dedicamos a Nolo este outro Especial.
Mario Evaristo: seu nome na realidade era Marino. Veloz ponta-esquerda, era apelidado de El Galgo. Irmão caçula de Juan Evaristo, fora seu colega no Sportivo Palermo e no Boca, onde já estava na época da Copa. Jogaram nove vezes juntos pela Argentina e a única derrota que viveram foi justo “aquela”, que também marcou a saída deles da seleção. Desentendeu-se com dirigentes do Boca e em 1932 seguiu carreira no Sportivo Barracas na liga amadora, depois indo ao Genoa e ao futebol francês.
Francisco Olázar, José Tramutola e Chichilo Sosa: como jogador, Olázar foi meia daquele Racing hepta argentino seguido (ainda um recorde no país) nos anos 10. Assumiu como chefe da seleção em 1929 e após dois jogos recebeu a companhia de Tramutola quanto à parte física. Não era bem um técnico na definição atual do termo, com a parte tática sendo resolvida pelos próprios jogadores, especialmente pelo capitão Manuel Ferreira (responsável pelas jogadas ensaiadas no seu Estudiantes). Depois da Copa, Olázar desligou-se do meio e passou a ser bancário, falecendo em 1958. Tramutola também encerrou seu vínculo com a seleção, atingido pelas críticas quanto ao estado físico e também anímico dos jogadores. Sosa, por sua vez, foi um longevo massagista na seleção, servindo-a dos anos 20 aos 50, conciliando essa função também no Vélez.
Abaixo, os demais jogadores da delegação hermana:
Ángel Bosio: La Maravilla Elástica, tinha grandes condições físicas e reflexos para movimentar-se de lado a lado na pequena área, limite que o costume impunha na época aos goleiros. Foi o primeiro goleiro a defender um pênalti em Copas – o do mexicano Manuel Rosas – e era mais um vice olímpico remanescente. Na época atuava pelo Talleres de Remedios de Escalada (integrou o elenco que ascendeu à elite em 1925 e em 1930 esteve na melhor campanha do clube nela, um quinto lugar), o decadente rival original do Lanús: dos fundadores da liga profissional argentina, é quem há mais tempo está sumido da elite, desde 1938. Bossio foi outra contratação millonaria do River, que o levou em 1933, voltando a Escalada (onde também foi técnico) em 1936. Faleceu dois meses após o título mundial de 1978. Já lhe dedicamos este outro Especial.
Roberto Cherro: El Cabecita de Oro conseguia ser um parrudo habilidoso que defendeu a seleção por onze anos, longevidade grande para a época. Ainda sabia armar jogo e nesses onze anos teve média altíssima de 0,76 gols por partida, considerando jogos oficiais: foram 13 em 17, quatro em um único contra o Uruguai em 1933, uma revanche pessoal para quem esteve nas Olimpíadas e na Copa sem jogar nenhuma das finais: em 1928 por lesão e em 1930 por aquela crise nervosa. Uma pena: revelado no Ferro Carril Oeste, foi até 2010 o maior artilheiro do Boca, onde atuou entre 1926 e 1938 com alguns intervalos pelo Sportivo Barracas. E pela seleção conseguiu doze vitórias seguidas, marca ainda inigualada. Já lhe dedicamos este outro Especial.
Alberto Chividini: exceção em um plantel baseado nos entornos da capital federal, vinha do Central Norte de Tucumán, sendo o primeiro jogador do futebol desta província a figurar na seleção. Na época, era comum o calendário valorizar torneios entre seleções provinciais e ele chamava a atenção por diversos combinados do norte argentino. Quase atuou na final diante do nervosismo do titular Monti, mas os treinadores optaram pelo sanlorencista. Foi jogar no próprio San Lorenzo em 1933, sendo de cara campeão no primeiro título profissional cuervo (confira) e ficando lá por meia década. Chegou a marcar duas vezes em um 5-2 no clássico com o Huracán em 1934.
Atilio Demaría: era do Estudiantil Porteño, um clube que ainda existe mas que não abraçou o profissionalismo. Após a Copa, brilhou na excursão europeia onde o Gimnasia venceu tanto o Real Madrid como o Barcelona (sim!). O time também empatou, com gol de Demaría, com a Internazionale, que terminou contratando-o. Ele viraria ídolo em Milão, ainda sendo um dos maiores artilheiros no clássico com o Milan (veja). Assim como Monti, venceu a Copa de 1934. Mas como não atuou em nenhuma das finais, apenas o colega costuma ser lembrado pela marca de único bifinalista por países diferentes; sua única partida em 1930 foi nos 6-3 sobre o México, na vaga do ausentado Nolo Ferreira.
Ramón Mutis: zagueiro do Boca nos anos 20, defendia a Argentina desde 1923. Seu apelido dizia tudo: Fuerte. Esteve a ponto de ir às Olimpíadas, mas apenas sua dupla Ludovico Bidoglio (“Vico era o engenheiro e eu o pedreiro”, dizia ele mesmo) foi a Amsterdã. Mutis em 1928 destacou-se, porém, na visita dos escoceses do Motherwell, então um acontecimento em época onde os britânicos eram vistos como semideuses. Na Copa, atuou apenas na estreia.
Rodolfo Orlandini: do extinto Sportivo Buenos Aires como Peucelle, este corpulento volante foi mais um bivice olímpico e mundial. Mas, como Cherro, não atuou em nenhuma das finais contra o Uruguai, embora tenha sido titular na maior parte da primeira Copa. Foi junto com Stábile ao Genoa.
Natalio Perinetti: ainda o recordista de jogos pelo Racing, chegara a recusar o Real Madrid após derrota-lo em 1927, mas estava satisfeito (inclusive financeiramente, pois o amadorismo já era de fachada) em Avellaneda. Foi o único remanescente do time heptacampeão em 1919 a jogar uma Copa, mas só esteve na estreia, perdendo depois a vaga para Peucelle ainda que o treinador fosse seu ex-colega na Academia. Também foi contratado pelo River millonario, em 1933, mas não rendeu tanto. Sua família esteve entre os fundadores do Talleres de Remedios de Escalada.
Edmundo Piaggio: único da delegação que não atuou em nenhuma partida da Copa, ele jamais defendeu a Argentina em jogos oficiais apesar da convocação. Era o lateral-esquerdo do Lanús. Passou ao Boca em 1931, sendo esperado para como o sucessor de Ludovico Bidoglio, mas acabou perdendo espaço para o brasileiro Moisés e em pouco tempo regressou aos grenás.
Alejandro Scopelli: meia-direita dos Profesores do Estudiantes, atuou apenas na semifinal, deixando sua marca nos 6-1 nos EUA. Scopelli foi um dos argentinos mais globalizados de seu tempo: transferiu-se à Roma e chegou a jogar pela Itália, abandonando o país ao ser convocado pelo exército. Manteve a carreira no Racing (brilhou lá também, com média de 0,73 gols por jogo), por França e Portugal, onde treinou os três grandes e também o Belenenses, onde já havia sido ídolo igualmente como jogador: falamos aqui. Fez sucesso como técnico também no México, no Chile a na Espanha, seja como um técnico do Espanyol capaz de golear o Barcelona ou à frente do Valencia bicampeão da Liga Europa. Até livro sobre futebol escreveu, Hola Míster.
Carlos Spadaro: um hábil e veloz ponta-esquerda do Lanús, atuou esporadicamente pela seleção entre 1928 e 1931, já como atleta do Estudiantil Porteño. No Mundial, só atuou contra o México.
Adolfo Zumelzú: era alto, mas habilidoso e considerado o mais técnico centromédio argentino na época, de estilo contrastante ao método vigoroso do concorrente Luis Monti. Marcou duas vezes no México e foi a primeira opção pensada para substituir Monti na final, mas declarou-se lesionado e os médicos confirmaram que ele não tinha mesmo condições de jogo. Revelado pelo San Isidro, na época atuava no Sportivo Palermo. Também brilhou no Racing campeão de 1925, último título da Academia até o tri de 1949-50-51.
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