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80 anos de Pedro Manfredini, o homem-gol de “O Segredo dos seus Olhos”

Preparando o “pé grande”, seu apelido na Itália

“Fique tranquila, velha. Nisso, sou como Manfredini, e não como Bavastro”, gaba-se Isidoro Gómez em carta à mãe em O Segredo dos Seus Olhos, filme argentino premiado com o Oscar de melhor estrangeiro em 2010. Algumas cenas depois, explica-se sobre o aludido Manfredini que “lhe compraram dos mendoncinos por 2 pesos e acabou sendo um jogador extraordinário para sua época. Incrível!”. E que, em contraponto, o tal Julio Bavastro (grafado “Babastro” na legenda em português) foi um “ponta-direita que jogou só duas partidas entre 1962 e 1963 sem abrir o escore”. Pedro Waldemar Manfredini faz hoje 80 anos. Hora do Futebol Portenho relembra-lo.

Manfredini não precisou de tempo para se eternizar no clube pelo qual o personagem Gómez era fanático. Ficou só um ano e meio, com menos de 40 jogos oficiais. Só que ele, além de ter sido campeão pelo Racing (artigo de luxo atualmente), ainda deixou aproximadamente cerca de incríveis trinta gols. Não há nenhum profissional na história da Academia com uma média de gols tão alta por lá: foram precisamente 28 festejos de sua autoria em 39 partidas pelo clube de Avellaneda.

Nascido na cidade de Maipú, na província de Mendoza, começou na equipe local do Deportivo Maipú. O Racing o adquiriu no início de 1957 após recomendação de Raimundo Orsi, campeão mundial pela Itália em 1934 e que vinha trabalhando como técnico nos principais times daquela província. Manfredini, em sua primeira temporada na elite argentina, foi usado apenas doze vezes, ausentando-se entre a 4ª e a 13ª rodadas. Mas saiu-se com média artilheira das mais efetivas, com oito gols. Contudo, as chances de ir Copa do Mundo acabaram de vez quando rompeu os meniscos em amistoso com o Newell’s no início de 1958. “E pensar que tiveram que chamar de urgência o Labruna, que já era um veterano, porque não havia outro camisa 9”, lamentou em 2011 à imprensa de Mendoza.

Ele conseguiu voltar bem afiado: despejou 19 gols em 27 jogos em 1958, ano de campanha campeã no Racing. Dos mais recordados, os dois que fez no Clásico de Avellaneda, em um impiedoso 4-1 no Independiente no segundo turno; e, bem na reta final, três em um 4-1 no Gimnasia LP e outros dois na partida seguinte, que garantiu a taça na antepenúltima rodada, em 3-3 fora de casa com o Lanús.

Malabarismo no Racing e matador também na Roma – é o terceiro agachado. O primeiro em pé é o uruguaio Ghiggia

Após sete anos, o Blanquiceleste voltou a ser campeão – uma enormidade de tempo para a torcida que festejara entre 1949 e 1951 o primeiro tricampeonato profissional seguido no torneio argentino. Manfredini, naturalmente, foi enfim chamado pela seleção. O que foi incomum é que ela chamou todo o ataque racinguista junto, tão bem entrosado era: o ponta-direita Omar Corbatta, o meia-direita Juan José Pizzuti (anos mais tarde técnico vencedor da Libertadores e Mundial na Academia, em 1967), o meia-esquerda Rubén Sosa e o ponta-esquerda Raúl Belén.

Desse quinteto ofensivo, só El Marqués Sosa não seria inicialmente titular na Copa América de 1959, travada no início do ano. O Racing cedeu ainda o goleiro Jorge Negri, o beque Juan Carlos Murúa e o volante Vladislao Cap. A Argentina sediava a competição e buscava reerguer-se do vexame dado na Copa da Suécia, onde fora eliminada ainda na primeira fase após a maior goleada que sofreu em sua história, os 6-1 para a Tchecoslováquia. Manfredini estreou em amistoso não-oficial contra o clube Atlanta (então no auge), em 1º de março, no Monumental. Não foi auspicioso: a seleção ficou só no 2-2 após levar nos cinco minutos finais os dois gols do empate. Mas seria do centroavante o primeiro gol oficial da seleção após o desastre no Mundial. Foi na rodada inaugural da Copa América, jogo que também serviu de estreia oficial dele pela Albiceleste.

Naquela partida, Manfredini abriu logo aos cinco minutos do primeiro tempo (recebendo cruzamento do colega racinguista Corbatta) um 6-1 no Chile, já pela Copa América, em 7 de março. Fez também outro gol naquela goleada, aos cinco minutos do segundo tempo. Mas seus gols pela seleção seriam apenas estes dois: ele ainda atuou os 90 minutos no dia 11, no 2-0 sobre a Bolívia, mas sem marcar; e lesionou-se na terceira partida oficial, o 3-1 sobre o Peru no dia 18, deixando o gramado aos 19 minutos do segundo tempo para o lugar do colega Sosa. Não voltou mais – alguns dirigentes julgaram que ele não se empenhava em recuperar-se. O artilheiro veria de longe a Argentina recuperar momentaneamente o orgulho ao ser campeã em cima exatamente dos recém-campeões mundiais: Pelé, Garrincha e colegas.

Apesar do anticlímax para Manfredini, em seguida ele fechou com a Roma; o centroavante nem chegou a participar do campeonato argentino de 1959. Isso também foi outra razão para ele não ter mais partidas pela seleção, pois somente nos anos 70 ela viria a convocar atletas do exterior, por mais que brilhassem. E ele brilhou muito na Itália: fez 15 gols em seus primeiros sete jogos pela equipe da capital, incluindo dois em seu primeiro clássico contra a Lazio, em um 3-0 onde abriu o placar logo no segundo minuto.

Argentina campeã da Copa América 1959. Manfredini é o jogador mais à direita na fileira do meio

O argentino ainda faria mais três gols na Derby della Capitale em um 4-0 em 1960; foi campeão e artilheiro da Copa das Feiras (precursora da atual Liga Europa) em 1961; artilheiro da Serie A em 1963 (com 19 gols em 25 jogos); e campeão da Copa da Itália em 1964. Quando deixou a Roma, em 1965, era o terceiro maior artilheiro dos giallorossi. Nada que fizesse a federação argentina rever seus conceitos, ainda que a seleção passasse por nova eliminação na fase de grupos na Copa do Mundo de 1962 – embora o treinador da vez, Juan Carlos Lorenzo, houvesse sido contratado exatamente pelos conhecimentos então incomuns de futebol europeu que possuía.

Com aqueles números, Manfredini virou na Itália Il Piedone d’Oro, o “Pé Grande de Ouro”, chegando a abrir um bar chamado Piedone após parar de jogar. Mas não se recuperou totalmente de uma lesão no joelho e não contou com o apreço do mesmíssimo técnico Juan Carlos Lorenzo, que fora treinar a Loba na época – e que, voltando à seleção às vésperas da Copa do Mundo de 1966, igualmente não fez força para leva-lo, tal como em 1962. Manfredini pendurou as chuteiras grandes em 1968, após duas temporadas no Venezia e outra no Brescia, já decadente. Radicou-se na Velha Bota, mantendo uma pequena sorveteria no balneário de Ostia, vizinho a Roma.

Em tempos de disseminação da retranca catenaccio, Manfredini teve uma média de 0,57 gols por jogo na carreira. Superior a grandes atacantes dos tempos áureos do duro futebol italiano, como Platini (0,51), Batistuta (0,56) e Shevchenko (0,49). Se Isidoro Gómez queria se gabar, escolheu o ídolo certo…

Clique aqui para acessar especial dedicado ao oscarizado O Segredo dos seus Olhos.

O despintado Julio Bavastro. À direita, Manfredini em foto recente
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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