Há 8 décadas, um dos mantos mais icônicos e vitoriosos do futebol sul-americano foi usado pela primeira vez: a poderosa camisa branca com V azul do Club Atlético Vélez Sarsfield, então um time de pequeno porte, mas já forte institucionalmente. A ocasião ainda teve um brasileiro como protagonista.
O desenho do uniforme é a cara do clube, fundado em 1 de janeiro de 1910 por garotos que se reuniam na estação ferroviária de Vélez Sarsfield, no bairro da Floresta, aos quais se juntaram membros da colônia italiana. As cores azul e branca já eram usadas pela seleção da Itália, por serem as usadas pela casa real de Savoia (família que reinaria na Velha Bota até 1946, quando, no pós-guerra, o país tornou-se uma república), e haviam pertencido ao próprio escudo velezano em 1926. E a imponente faixa, La V Azulada, cai bem como inicial do nome do clube.
Tudo ocorreu, todavia, por acaso. A presença italiana havia sido lembrada no uniforme então utilizado, só que de outra maneira: em listras verticais nas três cores da bandeira da Itália, lembrando a roupa do Fluminense (a camisa original era branca; a tricolor, oficializada em 1916, ocasionalmente é relembrada em uniformes reservas). Em contraponto, para demonstrar os laços com a Argentina, o nome original foi Club Atlético Argentinos de Vélez Sarsfield, encurtado alguns anos depois para o atual.
Em 1933, para renovar o estoque de uniformes, os representantes do clube receberam uma proposta da fornecedora, que ofertava uma promoção pelo jogo de camisas de outro cliente: um time de rúgbi (esporte popular na Argentina) que não chegara a se concretizar e, com isso, recolher o que encomendara. Nem mesmo os historiadores do Vélez, como Esteban Bekerman, conhecem a identidade da equipe de rúgbi em questão. Curiosamente, o estádio do Vélez, o José Amalfitani (El Fortín de Liniers), passou a ser no novo século a casa mais costumeira dos Pumas, a seleção argentina de rúgbi.
A novidade logo acabou aceita, inclusive porque, na época, estava na moda inovar uniformes com faixas. O tradicional rival velezano, o Ferro Carril Oeste (que teve departamento de rúgbi e hospedou os Pumas entre os anos 60 e 90), também usou listras em V em 1933. O River Plate, que desde os anos 10 vinha usando listras verticais tricolores – hoje, uma camisa reserva tradicional -, havia ressuscitado em 1932 a hoje mítica faixa diagonal vermelha com a qual chegara à primeira divisão, em 1908.
O curioso é que camisas da forma mais difundida de rúgbi no mundo (o chamando rugby union, implementado na Argentina e cuja Copa do Mundo é o terceiro evento esportivo mais assistido no planeta), quando listradas, normalmente o são quadriculadas ou horizontalmente. As faixas em V, por sua vez, são típicas do código secundário, o rugby league, separado do union desde 1895 por relativizar o amadorismo que este iria manter obrigatório por mais cem anos, até 1995.
A Argentina é justamente o único país do alto escalão do rugby union que mantém amadorismo obrigatório após 1995, nunca praticando oficialmente o rugby league – que terá Copa do Mundo neste 2013, no segundo semestre. Quanto à V do Vélez, ela foi usada em campo pela primeira vez na oitava rodada do campeonato argentino de 1933, em 30 de abril daquele ano.
O estádio do bairro de Villa Luro, onde ficava o primeiro Fortín (só dez anos depois, na campanha do título da segunda divisão de 1943, é que haveria a mudança para o bairro de Liniers, hoje tradicional reduto velezano), recebeu há 80 anos para a novidade o San Lorenzo – curiosamente, clube com quem as animosidades têm crescido ultimamente por ter seu posto entre os “cinco grandes” cada vez mais ameaçado pelo ascendente Vélez. Presente na partida, o atacante Agustín Cosso é um dos ídolos em comum e passou também pelo Flamengo.
O adversário seria o campeão daquele ano e logo demonstrou força: aos 10 minutos, abriu o placar, por meio do brasileiro Petronilho de Brito – conhecido no Brasil apenas como irmão de Valdemar de Brito, ídolo são-paulino (e que também esteve no San Lorenzo), participante da Copa do Mundo de 1934 mas mais célebre como o descobridor de Pelé. Na Argentina, onde é mais grafado como “Petronilo Do Britos”, ainda é um reconhecido ídolo sanlorencista e foi um dos pilares daquele título, o primeiro de seu clube na era profissional. O gol veio em chute cruzado e rasante, após passe de Jacinto Villalba.
Mas não foi com derrota que a emblemática camisa V terminou usada pela primeira vez: aos 35 minutos, o atacante Juan Pressacco, com chute de meia altura, igualou tudo. O escore manteve-se até o fim, embora o San Lorenzo tenha atuado os últimos 20 minutos com um a menos: sem substituições na época, o atacante Genaro Canteli se improvisou entre as traves para ocupar o lugar do goleiro Jaime Lema, que se lesionara.
No ano seguinte, o uniforme que completa 80 anos se solidificou, embora voltasse a carregar no peito um distintivo tricolor (que se alternaria com alviazuis até 1943; pequenas variações do de 1937 vem sendo usadas modernamente) e o clube, de forma cavalheira, ainda usasse inicialmente a camisa tricolor quando recebia adversários de camisas brancas.
FICHA DA PARTIDA – Vélez Sarsfield: Alfredo Curti; Eleuterio Forrester e Manuel de Saá; Carlos Maggiolo, Victorio Spinetto e Mariano De Filippo; Osvalto Reta, Federico Sachs, Agustín Cosso, Juan Pressacco e Miguel Galguera. San Lorenzo: Jaime Lema; Félix Pacheco e José Fossa; Alberto Chividini, Bartolomé Brizuela e Cipriano Achinelli; Gabriel Magán, Jacinto Villalba, Petronilho de Brito, Genaro Canteli e Diego García. Gols: Petronilho (10/1º) e Pressacco (35/1º).
Agradecimentos especiais a Esteban Bekerman, do 442 Perfil.
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