Ricardo Bochini é o maior nome da história riquíssima do Independiente: é quem mais jogou (714 vezes, entre 1972 e 1991) e quem mais vezes foi campeão pelo clube, treze. Isso e sua classe em distribuir jogo, em estilo semelhante ao de Iniesta, fizeram o jovem Maradona declarar-se seu fã e torcedor do Rojo. Um outro feito do Bocha é superar outro Ricardo: doze vezes campeão pelo clube e com 495 partidas oficiais entre 1965 e 1976, o uruguaio Ricardo Elbio Pavoni era justamente o dono desses recordes. E mereceu similar idolatria de Dieguito, que já confessou que El Chivo foi uma das poucas pessoas a quem pediu autógrafo. Hoje Pavoni faz 75 anos.
Em uma coisa, é certo dizer que Bochini não superou Pavoni: os títulos na Libertadores. Bochini já se deixou fotografar com cinco troféus da competição, os levantados a partir de 1972 (ano em que estreou); daquele ciclo do recordista tetra seguido entre 1972 e 1975, somente o Bocha permanecia na conquista derradeira de 1984. Mas a rigor ele não participou da conquista de 1972: sua estreia oficial veio em 25 de junho, exatamente um mês depois daquele título. E sua primeira vez na competição só viria exatamente na terceira partida da final de 1973.
Ou seja, o Bocha, venceu “só” quatro Libertadores. Os outros dois jogadores do clube a vencê-la em décadas distintas foram Pavoni e o goleiro Miguel Ángel “Pepe” Santoro, este presente nos títulos de 1964 e 1965 (os dois primeiros do time e do futebol argentino) e nos de 1972 e 1973 – a equipe estreou na edição de 1974 em setembro, quando o arqueiro já era jogador do Hércules na liga espanhola. Assim, somente um rojo esteve em campo em cinco títulos do Rojo em La Copa, como os hermanos se referem à Libertadores: o lateral uruguaio, campeão em 1965 e depois presente em todo o tetra.
E quase não foi bem assim.
Pavoni foi revelado no Defensor, estreando em 1962 pela seleção uruguaia. Em 1964, esteve em cinco amistosos internacionais, incluindo na derrota honrosa de 2-1 para a Inglaterra no templo de Wembley. Acabou importado em 1965 para Avellaneda para suceder outro uruguaio xerife na defesa do Independiente: Tomás Rolán, campeão com o clube na Libertadores de 1964. Esse título, pelo regulamento da época, permitiu que o Rojo adentrasse na edição seguinte já na semifinal. Foi contra o Boca. Curiosamente, todas as partidas foram em campo neutro, disputadas no Monumental de Núñez.
O Rojo venceu a primeira por 2-0 (com Pavoni usando a mão para impedir um gol, mas Santoro pegou o pênalti) e perdeu a segunda por 1-0. O regulamento forçou um terceiro jogo e o 0-0 favoreceu os campeões, em função do saldo melhor. Pavoni foi titular nas três partidas. Só que o presidente do Boca, Alberto Jacinto Armando (quem dá nome oficial à Bombonera), não se conformou: segundo ele, o passe internacional de Pavoni não teria sido devidamente registrado a tempo. Mas não contava com a astúcia de outra raposa, Herminio Sande, presidente rojo: Sande alegou que, por ser um encontro entre dois clubes argentinos, poderia prevalecer as regras da AFA e não da Conmebol.
A AFA, de fato, teria concedido habilitação provisória para que o uruguaio já jogasse no campeonato argentino. Colou. Mas, por precaução, Pavoni foi deixado de fora das finais com o Peñarol. O tri seguido na Libertadores não veio em 1966. Mas Pavoni se firmou na titularidade. Atributos não faltavam: além forte na marcação mano a mano, tinha sua técnica para efetuar cruzamentos na área quando laterais, no futebol argentino, ainda jogavam recuados. Seus fortes chutes também o credenciaram a cobrar pênaltis e algumas faltas. Com o decorrer dos anos, reforçaria a intimidação deixando crescer um grosso bigode até o queixo. Visual complementado com um pioneiro implante capilar (embora com o tempo ele voltasse a aceitar a calvície) pouco após a terceira Libertadores, já em 1972.
Até lá, Pavoni levantara mais três troféus caseiros. Os dois primeiros, com o sabor especial de serem garantidos exatamente no Clásico de Avellaneda, ganhando-se em dezembro de 1967 por 4-0 do rival recém-campeão mundial (em campanha sob o comando do treinador brasileiro Osvaldo Brandão, carregado por Pavoni na volta olímpica de um título ainda com recorde de aproveitamento: cerca de 87% dos pontos) e decretando-se a dez minutos do fim a vitória de virada por 3-2 em 1970 para conseguir nos critérios de desempate a taça contra o River. Em 1971, veio novo título, também emocionante, ultrapassando na última rodada o favorito Vélez.
Pavoni, especialmente, voltaria à Libertadores para quase não mais sair: o Independiente faturaria um recordista tetra seguido na competição entre 1972 e 1975 com Pavoni jogando simplesmente todas as partidas da série. Era o nome fixo de uma linha de quatro defensiva na qual a dupla de zaga era revezada entre Francisco Sá, Miguel Ángel López e Alejandro Semenewicz, além do também uruguaio Luis Garisto na edição de 1972. A outra lateral tinha Eduardo Commisso na titularidade, mas volta e meia Sá era improvisado na posição. Inamovível, apenas Pavoni. A volta olímpica de 1972, curiosamente, foi a única dada em casa no tetra.
O título fez ainda Pavoni voltar à seleção uruguaia após oito anos. Até os anos 70, a Celeste não convocava quem atuasse no exterior. Mas a campanha fraca na Taça Independência, uma Minicopa organizada pelo Brasil na comemoração dos 150 anos do Grito do Ipiranga, não o manteria além das três partidas da fase de grupos. Ao menos por um tempo. Em 1972, também não pôde evitar a surra do Ajax no Mundial. Nada que novas Libertadores não resolvessem. Na campanha de 1973, até gol marcou, acertando uma falta no 2-0 sobre o Millonarios para compensar um pênalti perdido.
Duas semanas depois de erguer, em 6 de junho, aquela Libertadores, Pavoni e colegas já davam nova volta olímpica: em 20 de junho, o clube vencia por 2-0 o Olimpia hondurenho e levantava a Copa Interamericana, extinto tira-teima entre os vencedores da Libertadores e o da Concacaf, válido ainda pelo ano de 1972. Os dois jogos se deram fora de casa, em San Pedro Sula (2-1 no dia 17) e Tegucigalpa (aquele 2-0). O Rojo superou isso e as trinta horas de viagem entre conexões por Lima e pelo Panamá para entrar em campo três horas após aterrissar em Honduras. “Nos anos 70, o Independiente era ainda mais famoso que o Santos de Pelé. Nos reconheciam em todos os lados”, declararia o xerife.
Na partida de “ida” daquela Interamericana, Pavoni até participou do primeiro gol, originado a partir de cobrança de falta sua. Em novembro, enfim veio o primeiro Mundial do clube, no jogo único em que o Independiente enfrentou uma Juventus tão favorita que ninguém na imprensa argentina dignou-se a reportar in loco a partida em solo italiano – fazendo com que o título histórico só aparecesse em 20% da capa da revista El Gráfico seguinte. A conquista o recolocou na órbita da seleção: após dois anos ausente da Celeste, Pavoni foi à Copa do Mundo de 1974.
Não foi uma Copa feliz, com o Uruguai ficando na lanterna da chave, atrapalhado por um ambiente interno dividido, com jogadores “caseiros” insatisfeitos com a presença dos “estrangeiros” (como também Pedro Rocha, Pablo Forlán e Ladislao Mazurkiewicz, que jogavam no Brasil); o superartilheiro Fernando Morena revoltara-se em especial, pois recusara o Real Madrid por acreditar que seria privado da Copa. Novamente, a Libertadores, agora disputada no segundo semestre, foi o remédio. E teve em Pavoni o gol do título.
A edição de 1974 foi definida nos pênaltis: não em decisão de penais, e sim na finalíssima na neutra Santiago após Independiente e São Paulo vencerem um ao outro em casa. Com um arremate potente no meio do gol, o Chivo converteu a penalidade assinalada após toque de mão do compatriota Pablo Forlán. No segundo tempo, foi a vez dos tricolores terem um pênalti assinalado, mas o sucessor de Santoro, Carlos Gay (que, não, não sofria piadinhas em tempos em que a palavra inglesa não estava tão disseminada no Cone Sul como sinônimo de homossexualidade), defendeu em dois tempos. O personagem maior, porém, foi mesmo o uruguaio: “Pavoni e La Copa, dois velhos amigos” foi a manchete sobre sua imagem na capa da revista El Gráfico, como mostra a imagem que abre a matéria.
No mês seguinte, em novembro, mais uma Copa internacional: a Interamericana, culminando sete partidas ao longo de dezessete dias. Nada demais a um Independiente que não fugia de novamente ter que se privar de jogar em casa: tal como pela edição anterior, a de 1974 teve seus dois jogos realizados na América Central, na Guatemala: vitória de 1-0 no dia 24, derrota pelo mesmo placar no dia 28. Poderia ter sido empate, se Pavoni não errasse um pênalti. Após prorrogação, houve decisão por penais. E nela o uruguaio não falhou. Nem nenhum rojo. Já o goleiro Gay voltou a sobressair-se, pegando a quarta cobrança do Deportivo Municipal.
Em 1975, Pavoni, de pênalti, deixou sua marca em um 5-1 sobre o Racing na casa rival (marcou ao todo quatro vezes na rivalidade). E, novamente de pênalti, fez o time ressurgir na Libertadores, na campanha mais errática do tetra: o clube chegou à última rodada precisando vencer o Cruzeiro por três gols de diferença. Conseguiu. O uruguaio marcou o primeiro de um 3-0 que teve direito até a gol olímpico de Daniel Bertoni. Nas finais, após derrota na ida ao Chile, em que o Rojo vestiu-se estranhamente de amarelo para enfrentar a camisa também vermelha da Unión Española, Pavoni participou ativamente dos gols da vitória em casa: no primeiro, ao fornecer o cruzamento que resultaria no êxito de Percy Rojas, e no segundo, ao converter novo pênalti na vitória de 3-1.
Em 16 de julho de 1976, porém, não teve jeito. River e Rojo decidiram quem iria à final e o rival venceu por 1-0. “Foi a noite mais triste da minha vida. Sabia que não só havia se cumprido um ciclo da equipe, mas também que se aproximava minha aposentadoria”. Mas ainda haveria espaço para mais uma Copa, porém. Em agosto, realizou-se nova edição da Interamericana, válida ainda por 1975. Àquela altura, a defesa estava bastante reformulada: o goleiro titular voltou a ser Gay, enquanto a lateral-direita estava com Eleazar Soria e a zaga já possuía os futuros bastiões do título de 1984, a dupla Hugo Villaverde e Enzo Trossero.
Pavoni era o remanescente da linha de quatro tetracampeã sul-americana para os duelos com os mexicanos do Atlético Español, atual Necaxa – realizados na neutra Caracas. Embora menor, foi uma conquista com seu sabor histórico. Foi ela que marcou a estreia de José Omar Pastoriza como treinador do clube, substituindo o treinador que falhara na Libertadores, Miguel Ignomiriello, para ser o maior técnico da história roja. Na primeira partida, os mexicanos vinham vencendo de virada por 2-1, mas Trossero empatou ao completar um cruzamento de Pavoni. Na segunda, com diversos desfalques decorrentes da violência mexicana na ida (dentre eles, Bochini), prevaleceu o 0-0, a forçar penalidades.
Gay voltou a ser o herói, pegando a segunda e a quarta cobranças, e o velho xerife não comprometeu: acertou a primeira e ao fim as lágrimas molhavam os bigodes enquanto erguia sua última Copa. El Chivo segue trabalhando no Independiente, treinando juvenis e ocasionalmente sendo interino no time principal. Em títulos no clube, foi superado em 1989 por Bochini. Na Libertadores, foi o jogador com mais títulos até 1978, quando foi superado pelo ex-colega Sá, ainda dono da marca; Sá somou seu tetra no Independiente de 1972-75 com os dois títulos obtidos no Boca no bi de 1977-78 – as primeiras Libertadores vencidas pelo outro time argentino que sustenta ser o legítimo Rey de Copas. Mas isso é outra história…
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