Pobre Equador. Apenas em 2015 conseguiu sua primeira vitória sobre a Argentina na casa rival. Em tempos mais distantes, os tricolores eram comuns sacos de pancadas da Albiceleste. Os equatorianos sofreram duas vezes cinco gols de um só jogador, recorde nas estatísticas argentinas e também na Copa América. A primeira dessas ocasiões faz hoje 75 anos. Seu autor foi o centroavante Juan Andrés Marvezy, o maior artilheiro da história do Tigre. Também é grafado como Marvezi ou Marvezzi – segundo o historiador Esteban Bekerman, contudo, o registro oficial seria Marvezy.
Ele foi um típico centroavante argentino dos anos 30 e 40: potente e perseverante. Seus gols no pequeno Tigre, quase sempre longe das primeiras colocações (esqueça as boas campanhas recentes como os vices no Apertura 2008 e na Sul-Americana 2012, grandes pontos fora da curva), o levaram à seleção em meio a uma geração dourada da Argentina, algo notável. E teve média de um gol por jogo pela seleção: nove em nove – ou dez em dez, se considerarmos uma partida não-oficial. Cinco deles naquele 16 de fevereiro de 1941; os três primeiros, ainda antes dos 30 minutos. Fez seu quarto ainda no primeiro tempo. O quinto, com a partida já em 5-1, aos 14 minutos do segundo. Ironia: aquele 6-1 no Equador foi sua penúltima partida pela Argentina, e onde marcou pelas últimas vezes por seu país.
Nascido em 16 de novembro de 1913 para algumas fontes e 1915 para outras, veio ao mundo na cidade de San Miguel de Tucumán. Em uma província na qual as grandes forças são o Atlético e o San Martín (os quais mencionamos no especial de ontem: clique aqui), Marvezy começou no All Boys local (não confundir com o time portenho de mesmo nome do bairro da Floresta) e perambulou mais um pouco no interior até ganhar vitrine.
Em 1935, apareceu no Argentino de Rosario. Eram tempos em que times rosarinos, incluindo a dupla Central e Newell’s, ainda eram restritos à liga municipal, naturalmente duopolizada. Marvezy fez o gol do título mais expressivo do modesto Argentino naqueles tempos, em uma espécie de Torneio Início para o campeonato rosarino do ano de 1935. Bastou para que ele integrasse também a seleção rosarina no campeonato argentino de seleções regionais, bastante prestigiado na época e chamariz para muitos jogadores do interior, em tempos em que o campeonato argentino de clubes era (apesar do nome) restrito oficialmente à Grande Buenos Aires e La Plata. Seria de Marvezy o gol de honra na derrota de 4-1 na decisão, contra a seleção da capital federal, empatando momentaneamente em 1-1 logo aos 17 minutos.
Ele já estava novamente na terra natal quando foi integrado pelo Tigre em 1937, vindo do Bella Vista, da liga tucumana. Seus primeiros gols pelo Tigre deram-se em um 5-2 no Talleres de Remedios de Escalada já pela 11ª rodada do campeonato de 1937, em 4 de julho. Ele marcou três vezes e marcou mais um gol em cada um dos três jogos seguintes, ainda naquele mês. Em agosto, fez os três da equipe nos 3-3 com o Argentinos Jrs, fora de casa, e dois em um 3-1 no seu primeiro dérbi contra o Platense – contra quem o Tigre trava o Clásico de la Zona Norte (saiba mais). Em setembro, fez dois gols em um 4-2 sobre o Estudiantes em La Plata.
Foram ao todo impressionantes 23 gols em 24 jogos por um time que ficou em antepenúltimo em 1937. De forma meteórica, estreou pela seleção argentina em 10 de outubro daquele 1937, com direito a gol, que abriu um 3-0 sobre o Uruguai – em pleno estádio Centenário, pelo troféu binacional Copa Lipton. Em 1938, foram 16 gols em 31 jogos pela equipe 13ª colocada entre 17 equipes; distribuiu um cada no trio Boca, River e San Lorenzo e outros dois no clássico com o Platense. Para 1939, foram 21 em 33 partidas, novamente pelo 13º colocado. Mas foi em 1940 que ele brigou de verdade pela artilharia. Foram 28 gols em 33 jogos, quatro tentos abaixo de Delfín Benítez Cáceres, de um Racing muito mais impositivo que o 11º lugar dos rubroazuis, que se situaram a apenas quatro pontos da degola.
Desses gols pelo campeonato de 1940, destaques para os três que fez em inapeláveis 7-2 no Rosario Central, 6-2 no Vélez, 4-0 no Estudiantes e 4-1 no Chacarita (que modernamente é o maior rival tigrense). Ou os dois nos 2-1 em outro confronto com o Estudiantes, em La Plata. Outras tardes de glória foram contra os gigantes: fez os três gols rubroazuis em um 3-3 com o Independiente em Avellaneda, dois em um 4-2 sobre o River e o único de um 1-0 no San Lorenzo. Assim, em 15 de outubro ele voltou à seleção argentina após três anos, em outro troféu binacional com os uruguaios, a Copa Mignaburu. Anotou o segundo e o terceiro gols de um inapelável 5-0 sobre a Celeste. Em 30 de dezembro, fez sua partida não-oficial, contra a seleção rosarina. Curiosamente, foi sua única derrota, mas anotando o gol da Albiceleste nos 3-1 aplicados pelo adversário no estádio do San Lorenzo.
A Copa América de 1941 seria realizada em fevereiro e até lá a seleção fez mais jogos preparatórios, agora oficiais: no 2-1 no Chile em Santiago em 5 de janeiro (Copa Presidente de Argentina) e no 1-1 em Lima com o Peru em 26 de janeiro (Copa Roque Sáenz Peña), Marvezy não marcou. Em 29 de janeiro, também pela Sáenz Peña, fechou o 3-0 em novo jogo em Lima contra os peruanos. Em 12 de fevereiro, o duelo contra o Peru já valia pela Copa América, sediada no Chile em comemoração aos 400 anos da fundação de Santiago. Marvezy não marcou no triunfo de 2-1, mas compensou em cheio quatro dias depois, naqueles 6-1 que também marcaram o primeiro encontro entre as seleções de Argentina e Equador.
Os cinco gols bastaram para que terminasse na artilharia do torneio. Marvezy por fim atuou na vitória por 1-0 sobre o Uruguai, a valer o título para aquele ataque dos mais demolidores da seleção. Havia ali duas das maiores lendas do River? Adolfo Pedernera, ainda na ponta-direita, e José Manuel Moreno, por sua vez improvisado na meia-esquerda (era meia no outro flanco); o mais versátil jogador que o futebol argentino já teve: Antonio Sastre, do Independiente e depois ídolo no São Paulo, era o meia-direita; e um Garrincha dos anos 30: Enrique García, um driblador ponta-esquerda do Racing e apelidado por sinal de Chueco – expressão alusiva às suas pernas, tortas como as do botafoguense.
Marvezy não sabia, mas se despediria da seleção com aquela Copa América. Seus cinco gols não eram inéditos na competição, pois o uruguaio Héctor Scarone havia feito o mesmo em um 6-0 na Bolívia em 1926. Eram, sim, inéditos na seleção argentina, embora o colega Moreno (que inclusive fizera o outro gol naqueles 6-1) conseguisse igualar a marca já na edição de 1942 da Copa América. Pobre Equador: foi novamente a vítima da vez, e dessa vez em um 12-0, até hoje a maior goleada já aplicada pela Argentina. Por fim, a outra única vez que a Copa América viu cinco gols de um só jogador em uma única partida foi em 1957, anotados pelo brasileiro Evaristo de Macedo, em um 9-0 na Colômbia; esse é até hoje o recorde individual da seleção canarinho também.
Ele não foi lembrado para a Copa América de 1942 porque tivera um ano aquém no Tigre, com 12 golzinhos em 27 jogos na liga em 1941. Mas castigou o Racing: anotou o do 2-1 dentro de Avellaneda no primeiro turno e conseguiu uma tripleta nos 5-1 no segundo turno pelo 10º colocado. Assim, La Academia não teve dúvidas em contrata-lo para a temporada seguinte. Marvezy deixou o Tigre com 116 gols em 173 partidas e, sem ele, os rubroazuis não sobreviveram, sofrendo em 1942 seu primeiro rebaixamento – na lanterna. Marvezy tampouco foi feliz individualmente. Como racinguista, foram só 10 partidas e dois gols; um deles, no clássico com o Independiente, mas em derrota em casa. Sua última aparição foi na 17ª rodada. Uma goleada tremenda de 6-0 sofrida para o Boca.
A decadência foi tão meteórica como a ascensão e deveu-se muito a um baque psicológico do qual jamais se recuperou em tempos muito mais machistas e patriarcais do futebol e da sociedade: descobriu-se um caso extraconjugal de sua esposa com Leonardo Sandoval, seu ex-colega de Tigre, com quem ela terminou preferindo ir viver. Ele voltou ao Tigre emprestado, para disputar a segundona em 1943, e nem assim conseguiu ser a sombra de outrora. Sem interessar ao Racing em 1944, preferiu parar de jogar; embora sua intimidade tenha sido preservada do grande público, aquele adultério era um boato conhecido no seu seio futebolístico.
Entregue ao alcoolismo e longe dos tempos lucrativos da profissão de jogador, Marvezy terminou como gari na municipalidade de Vicente López – por sinal, as redondezas do Platense, onde o vira-casaca Sandoval, por sinal, também jogou. E você achando que Maxi López sofre por Mauro Icardi… O recordista e artilheiro da Copa América de 1941 faleceu em 20 de abril de 1972.
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