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75 anos do primeiro clube europeu representado na seleção argentina: o Nantes

Foi somente no início dos anos 70 que a seleção argentina chamou pela primeira vez jogadores que atuassem fora do país. A medida chegou a ser proibida pelo sindicato de jogadores, privando convocações até mesmo de quem estava ali do lado, brilhando em Montevidéu, como Juan Hohberg e Atilio García (astros respectivamente de Peñarol e Nacional que terminaram defendendo o Uruguai). A barreira foi quebrada em 1972, quando Rodolfo Fischer, recém-chegado ao Botafogo, disputou a Taça Independência. O nome seguinte datou de fevereiro de 1973 e também vinha de futebol verde-amarelo. Mas do Nantes, equipe francesa que hoje faz 75 anos repletos de apostas certeiras em argentinos. Hora de lembrar os hermanos de La Beaujoire.

Quem se acostumou a domínios seguidos de Lyon e Paris Saint-Germain em anos recentes talvez estranhe, mas a Ligue 1 é historicamente marcada por conquistas aleatórias de seus clubes. Nesse contexto, o Nantes teve seu período dourado entre 1965 e 1983, quando obteve os primeiros seis de seus oito títulos no campeonato francês, do qual é o terceiro maior campeão – à frente, inclusive, dos próprios Lyon e PSG, que têm sete cada um (e só igualado ano passado pelo Monaco). Também nesse ciclo vieram a primeira Copa da França e boas campanhas internacionais.

O primeiro argentino por lá foi um centroavante importado da segundona argentina, onde defendia o Lanús. Rafael Santos, formado no Independiente, chegou ao Vale do Loire em 1962. A equipe, após décadas figurando na segunda divisão, obteve o acesso à elite como vice do Saint-Étienne, justamente outro clube a ter seu melhor momento entre meados dos anos 60 e o início dos 80. No ano seguinte, Santos acompanhado pelo volante Ramón Muller, que já estava no futebol francês, onde defendera Sochaux e Strasbourg após formar-se no Newell’s. 

Após uma temporada de meio de tabela, os canários conseguiram seu primeiro título de primeira divisão na de 1964-65, dois pontos acima do vice Bordeaux. A temporada histórica teve direito a dobradinha, vencendo-se também a Copa da Liga Francesa, com Muller marcando o último gol do 4-1 sobre o Toulon. Na temporada seguinte, veio o bicampeonato francês (dessa vez com sobras, sete pontos acima do Bordeaux, quando a vitória valia dois) e o vice na Copa da França, na primeira vez que o time chegou à final. Àquela altura, Santos já não era titular, não ficando para a temporada seguinte. Muller também saiu.

Os pioneiros: Santos, Ramón Muller e Marcos

O Nantes só voltou a ter um argentino em 1971: Ángel Marcos, ponta e capitão do Chacarita campeão pela única vez da elite, em 1969. Jogador de seleção, Marcos ficaria até 1975 e seria também treinador, entre 2001-03. No início de 1973, chegou outro daquele Chacarita, o xará Ángel Bargas, zagueiro de uma equipe seriamente postulante ao posto de sexto grande do país (além do título em 1969, o Chaca fora semifinalista em 1970 e 3º em 1971) e que murchou após sua saída. Desde 1971, já defendia a seleção, sendo justamente o funebrero com mais participações pela Albiceleste: dezesseis jogos.

Em fevereiro de 1973, Bargas então viajou até Munique para participar de vitória por 3-2 sobre a Alemanha Ocidental, virando o primeiro jogador que a Albiceleste aproveitou do futebol europeu. Afinal, ao fim daquela temporada o Nantes voltou a ser campeão francês, em uma quase dobradinha, com a equipe ficando no vice da Copa da França. A partir de julho, jogadores “europeus” tornaram-se uma constante, com Daniel Carnevali (Las Palmas e curiosamente também ex-Chacarita), Ramón Heredia e Rubén Ayala (ambos ex-San Lorenzo e reunidos no Atlético de Madrid) estreando na nova condição. Eles, como Bargas, viajariam do Velho Continente para participar das eliminatórias e todos foram à Copa de 1974. Bargas ficaria no Loire até 1979 e no período conviveu com outros três argentinos.

Dois apareceram em 1974: Hugo Curioni, artilheiro pelo Boca da elite argentina no ano anterior; e Oscar Muller, revelado no próprio Nantes, sendo filho de Ramón, que se radicara na França. Curioni não passou de uma temporada, enquanto o Muller filho permaneceria por dez. Novo título francês veio ao fim da temporada 1976-77. Em 1978, chegou ao clube o atacante Víctor Trossero, do período dourado do Unión; a equipe de Santa Fe ficara a dois pontos do vice-campeonato em 1975 e a três em 1976. Trossero foi artilheiro do Nacional em 1977 e em 1978 o Tatengue ficou a dois pontos do título.

Com Bargas e principalmente Muller e Trossero titulares, o Nantes enfim venceu a Copa da França, na temporada 1978-79, em enganosa vitória por 4-1 sobre o Auxerre no Parc des Princes: o jogo foi à prorrogação e com gol de Muller, a fazer 3-1 aos 8 minutos do segundo tempo, é que a taça inédita foi assegurada, com o quarto só vindo no último minuto. Enquanto Bargas saía, chegou o zagueiro Enzo Trossero. Sem parentesco com Víctor, ele também havia despontado em Santa Fe (pelo Colón) antes de destacar-se no Independiente bicampeão nacional em 1978 e 1979. 

O zagueiro Bargas foi o primeiro jogador que a seleção argentina chamou do futebol europeu, em fevereiro de 1973. Jogou a Copa de 1974

Os dois Trossero e Muller foram campeões franceses na temporada 1979-80, em que o Nantes também foi semifinalista da Recopa Europeia, eliminado pelo campeão Valencia (de Mario Kempes, artilheiro do torneio). Víctor deixou o time ao fim da temporada rumo ao Monaco (teria um trágico fim, falecendo em pleno vestiário por um infarto fulminante quando defendia o River, em 1983) e Enzo voltou ao Independiente em 1981. Muller, praticamente um francês, foi o argentino presente na Copa dos Alpes de 1982 e no título francês da temporada 1982-83.

Foi a imagem de um time vencedor que seduziu três argentinos a chegarem ao Loire nos anos 80: Víctor Ramos, maior artilheiro do Newell’s, ficou só na temporada 1984-85. Foi sucedido já em 1985 por Jorge Burruchaga, que já tinha no currículo uma Libertadores (marcando o gol do título, em 1983, sobre o Grêmio dentro do Olímpico) e um Mundial pelo Independiente. Foi como canário que foi à Copa de 1986. Ele seguiria no Nantes até 1992, chegando a ser colega na temporada 1986-87 do defensor Julio Olarticoechea, outro campeão da Copa de 1986 e com passagens por três grandes argentinos (Racing, Boca e River). 

Olarticoechea chegou a jogar uma vez pela Argentina como jogador do Nantes, em 1987, mas logo voltou a seu país. Só ele, Bargas e Burruchaga foram da Albiceleste enquanto defendiam o clube, com o atacante virando o recordista, com 29 partidas e outra convocação mundial, para a Copa de 1990. Faltaram os títulos. Mas sobrou protagonismo a quem era coadjuvante de Ricardo Bochini no Independiente e de Maradona na seleção: “mais ainda depois do primeiro ano, quando passei a ser capitão. Por sorte, tive a chance de jogar junto de grandes figuras. Só foram me dar essa função (de condutor) no Nantes”, contou Burru em 2006.

O Nantes voltou a ser campeão apenas em 1995, sua primeira taça sem hermanos consigo – e sua única. Em 1997, tentou Javier Mazzoni, o robusto homem-gol do Independiente vencedor com pouco futebol da Supercopa 1995. Em 1998, veio um pacote com os atacantes Sergio Comba e Diego Bustos, ambos atacante dos últimos suspiros do Ferro Carril Oeste na primeira divisão, além do zagueiro Néstor Fabbri, ex-seleção de 1990. Ex-Racing e Boca, o veterano Fabbri foi quem teve mais êxito, ficando até 2002 enquanto os outros dois (Comba em 1999, Bustos em 2000) não vingaram.

Time campeão de 80, 3 argentinos: Bertrand-Demanes, Rio, Bossis, E. Trossero, Tusseau, Henri Michel; Muller, Pécout, V. Trossero, Rampillon, Amisse

O zagueiro participou ativamente da sequência de títulos anuais entre 1999 e 2001: os dois primeiros, em bicampeonato na Copa da França nas temporadas 1998-99 e 1999-2000; foram seguidos pela Ligue 1 de 2000-01, a última antes da hegemonia do Lyon; e por fim pela Supercopa da França em 2001, troféu final do Nantes – em grande estilo, em 4-1 sobre o Strasbourg de José Luis Chilavert. A liderança do argentino foi tamanha que foi apelidado até de Le Président quando o time de fato não possuía um. Relembrou a vitoriosa passagem por lá assim, em 2008:

“Ir ao Nantes foi um desafio. Queria triunfar na Europa. E pude ralizar ganhando títulos, obtendo reconhecimentos importantes. Não quero ser vaidoso, mas quem esteve em Nantes x Guingamp, jogando eu pelo Guingamp, poderia se dar conta do que Fabbri significou para o Nantes. A ovação foi comovente, encheram o campo de bandeiras, as duas torcidas gritaram meu nome. Foi a síntese do que fiz e do que deixei. Quando cheguei, os jogadores estavam contentes porque só havíamos perdido de 2-0 para o Olympique de Marselha. Teve que se trabalhar muito para mudar a mentalidade. Depois, queriam ganhar até partidas de futevôlei. Modestamente, contribuí para essa mudança. 

(Virei um líder lá) em seis meses. Quando tens vontade, moves uma motanha. Aprendi o idioma da rua, não o da escola. E com essas armas elemantares me fiz entender. Cheguei ao Nantes com 30 anos, enquanto a média do grupo era de 22. Mas eu era o primeiro na fila, não faltava nenhum treino. Os franceses são frios se você se crê acima dos demais. Se trabalhares como qualquer um, te respeitam e te adotam como um francês a mais”.

Seu sucessor na defesa foi Mauro Cetto, promessa da seleção campeã mundial sub-20 em 2001 e futuro campeão da Libertadores com o San Lorenzo em 2014. Treinado por Ángel Marcos, ficou por quatro temporadas, mas já em tempos de estiagem no Stade de la Beaujoire. Julio Rossi, reserva do River dos anos 90, foi importado como goleador do futebol suíço em 2005, mas não passou de uma temporada fracassada. O hermano seguinte vem sendo o atacante Emiliano Sala, formado no próprio futebol francês, proveniente dos juvenis do Bordeaux. É canário desde 2015 e sua melhor temporada vem sendo a atual, com treze gols em 26 partidas por um time de meio de tabela.

Fabbri, Cetto e Sala, os outros argentinos a ficarem mais de duas temporadas no vale do Loire. Fabbri esteve nos últimos quatro títulos do Nantes

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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