70 anos de Francisco Sá, quem mais ganhou a Libertadores: seis vezes

Quando essa foto foi tirada, em 1975, era mais para enaltecer sua presença em todo o tetra seguido do Independiente. Sá ainda não era o maior vencedor individual da Libertadores, mas a foto seria profética

Francisco Pedro Manuel Sá tem a mesma quantidade de títulos na Libertadores que os dois maiores vencedores brasileiros, Santos e São Paulo, somados. Para um sobrenome tão curto (o menor já visto na seleção argentina), nomes por triplicado. E para cada nome, duas Libertadores. Para os íntimos, ele era o Pancho, apelido nos países de língua espanhola para Francisco. E poucas coisas lhe foram tão íntimas como La Copa. Afinal, foram sete finais, seis vencidas. Recorde exclusivo para quem brilhou exatamente nos dois clubes que “lutam” pelo apelido de Rey de Copas e hoje faz 70 anos.

Nascido em Las Lomitas, na província de Formosa, Sá começou no Central Goya, de seu povoado. Mas o jogador mais vezes campeão da Libertadores nem teria o futebol como prioridade. Quando ele se mudou para a cidade de Corrientes, foi para se graduar em direito. Mas acabou aproveitado pelo Huracán local (um clube que, apesar do nome, ironicamente usa uniforme bastante semelhante ao do San Lorenzo, arquirrival do Huracán original, de Buenos Aires).

Tocando na concentração do Independiente em 1974, entre Daniel Bertoni e Agustín Balbuena

Sá participou da estreia de uma equipe de Corrientes no nível mais alto do futebol argentino: o torneio promocional de 1968, que envolvia alguns campões regionais (San Lorenzo de Mar del Plata, San Martín de San Juan e Central Córdoba de Santiago del Estero) com os clubes que ficaram em sétimo e oitavo lugares dos dois grupos do campeonato argentino. O Huracán de Corrientes foi o sétimo de oito equipes do minitorneio, mas o zagueiro chamou a atenção do poderoso River Plate.

Não vingou em Núñez. Mas lá fez amizade com o lateral Roberto Ferreiro, ex-jogador do Independiente bi na Libertadores de 1964-65. Quando Ferreiro voltou a trabalhar na antiga equipe, na comissão técnica, chamou Sá, em 1971. O reforço logo cavou vaga de titular. Fazia bem ao grupo também fora dos gramados: antes de se firmar no futebol havia sido músico também, participando do Festival de Cosquín, em Córdoba, bastante prestigiado, e tocava violão e cantava músicas folclóricas nas concentrações.

No Huracán de Corrientes, na seleção na Copa de 1974 (com Kempes) e com nova Libertadores, dessa vez no Boca

O Independiente ganhou quatro finais seguidas de Libertadores entre 1972 e 1975, até hoje um recorde. Sá esteve em todas, período que incluiu também o primeiro Mundial vencido pelo clube, já na quarta tentativa, na edição 1973. A festa não tinha fim: o compromisso seguinte dos campeões do mundo foi justamente um Clásico de Avellaneda, em pleno estádio racinguista. Cuja plateia, em tempos mais sãos, aplaudiu a volta olímpica prévia ao dérbi, histórico também nas estatísticas. É que a vitória vermelha por 3-1 igualou ambos em triunfos no duelo direto. E um raro gol justamente de Sá é que fechou aquele placar.

Não que El Pancho tivesse a qualidade mais chamativa daquele elenco, embora fosse um zagueiro sóbrio e correto, sabendo usar sua alta estatura. Mas ele e o ponta Agustín Balbuena foram os únicos dali que conseguiram ser titular já na Copa de 1974 – o outro rojo convocado foi o goleiro Miguel Santoro, reserva (foi por ficar insatisfeito com isso que Santoro se negou a jogar a última partida na Copa, com a Argentina já eliminada. Foi assim que o terceiro goleiro estreou na seleção: Ubaldo Fillol).

Terceiro em pé na primeira Libertadores que venceu

A última das quatro Libertadores seguidamente levantadas pelo primeiro Rey de Copas foi a mais complicada de se vencer, o que aconteceu após grande reviravolta – o clube perdeu os dois primeiros jogos do triangular-semifinal e para avançar para uma nova decisão precisava de três gols de diferença no último jogo, contra o Cruzeiro, o que se conseguiu com direito a gol olímpico. Clique aqui para saber mais. Assim, Sá, já veterano, buscaria o confortável futebol colombiano para garantir uma aposentadoria financeiramente tranquila. Mas o técnico do Boca, Juan Carlos Lorenzo, o convenceu a assinar com o clube auriazul.

Pancho chegou sob desconfiança e a equipe, inicialmente, de fato não ajudou. Chegou a perder o clássico com o River e a levar de 5-1 do Rosario Central após show de Mario Kempes. Lorenzo balançou, mas não caiu. E o Boca, após uma primeira fase cambaleante no Metropolitano, embalou na fase final e terminou campeão embora o Huracán tenha somado pontuação mais alta na soma das fases. Naquele 1976, o Boca faturou também o torneio Nacional, em uma inédita final com o River. Enquanto isso, o ex-clube de Sá caía nas semifinais da Libertadores, encerrando o ciclo de dominação roja.

Primeiro jogador em pé na festa do primeiro Mundial do Independiente

A dominação continental passou a ser auriazul. O Boca conseguiu seus primeiros títulos no torneio nas edições seguintes, em 1977 e 1978 – e o primeiro mundial também (válido por 1977, mas disputado apenas em 1978 mesmo). O zagueiro superou recorde de Néstor Gonçalves, volante do Peñarol que havia jogado seis finais de Libertadores (mas vencendo “só” três) nos anos 60… e superou também o jogador mais vezes campeão até então, outro uruguaio e ex-colega de Independiente: o lateral Ricardo Pavoni esteve com Sá em todo aquele tetra após já ter figurado no título de 1965.

O Boca quase foi tri em 1979, mas na terceira final seguida dos auriazuis (e a sétima no geral para Sá) o surpreendente Olimpia venceu em Assunção e segurou o 0-0 na Bombonera. Como o clube já não conseguia títulos caseiros, se ausentou em 1980. E, simbolicamente, a falta de Libertadores na vida de Sá se combinou com seu declínio. O desfecho de sua trajetória no Boca foi agridoce: campeão argentino em 1981 como colega de Maradona, mas na reserva.

No Boca de Maradona: Sá é o jogador mais à esquerda na fila superior, enquanto Diego é o terceiro da fila inferior

Sá já sentia o peso da idade (36 anos) e falta de ritmo após larga suspensão depois de antidoping positivo para efedrina, por sinal a mesma substância proibida detectada em Dieguito na Copa de 1994. Na campanha, o beque só esteve em dois jogos, um deles por sinal em um 1-1 com o Independiente. Ele não voltaria à Libertadores, competição que teve o Boca novamente em 1982; o beque jogou só mais quatro partidas da primeira fase do campeonato seguinte ao título do Metropolitano de 1981 – o Torneio Nacional do mesmo 1981, despedindo-se após o 2-1 sobre o Atlético Tucumán.

Pancho ainda passaria pelo Gimnasia y Esgrima de Jujuy. Vez ou outra volta aos dois Reyes de Copas, chegando a ser técnico interino do Boca no fim de 1996, após a saída de Carlos Bilardo. No Brasil, há ruas que se chamam Francisco Sá por causa de um ex-ministro do início do século XX. Mas bem que poderiam exaltar quem ganhou a obsessão dos clubes nacionais mais do que qualquer um deles.

Pancho Sá em imagem recente, em homenagem do Independiente
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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