70 anos do título do San Martín, único time de Tucumán campeão nacional
Ultimamente, o San Martín mais expressivo vem sendo o de San Juan, de passagens recentes pela elite e que acaba de retornar outra vez a ela. Mas é o de Tucumán que tem mais história. Província do interior das mais importantes na formação do país, sendo ali que foi realizado o congresso que em 1816 oficializou a proclamação da independência argentina (liderada pelo general José de San Martín que dá nome ao clube), Tucumán tradicionalmente careceu de um time que lhe honrasse nacionalmente com uma glória verdadeira, apesar de bons momentos nos anos 70 e 80 do Atlético local e do próprio San Martín. A grande exceção fez ontem 70 anos, quando os alvirrubros lograram a Copa de la República.
Até os anos 80, o campeonato argentino, apesar do nome, se concentrou da primeira divisão à última na Grande Buenos Aires e La Plata. Os clubes do interior tinham de se contentar com competições provinciais. Tanto que a extinta Copa Carlos Ibarguren, ao opor o campeão “argentino” e o rosarino, era vista como moralmente definidora do verdadeiro campeão nacional, o que no sentido literal também seria falacioso ao excluir representantes de outras províncias. Os clubes de Rosario só foram admitidos no Argentinão a partir de 1939, com a exceção sendo estendida aos da cidade de Santa Fe na década seguinte. A Ibarguren remanesceu então como tira-teima entre campeões do Argentinão contra combinados das províncias do interior, até a última edição em 1958.
De 1943 a 1945, então, disputou-se a Copa de la República, até então a tentativa mais literal de apontar um campeão verdadeiramente nacional, em modelo similar ao da atual Copa Argentina. Este torneio antecessor surgiu em 1943 para celebrar os 50 anos da AFA e também era chamada de Copa Pedro Pablo Ramírez, nome do general que se habituara a protagonizar golpes de Estado (participou da derrubada do presidente Hipólito Yrigoyen por Félix Uriburu em 1930, no que inaugurou a “década infame”; acabara de destituir naquele mesmo 1943 o presidente Ramón Castillo, que o havia apontado como ministro da guerra, e em 1944 faria o mesmo com o sucessor de Castillo, Arturo Rawson) e governava o país na prática.
Em uma década dourada para o futebol argentino, com craques abundando até em clubes pequenos, a turma do interior fez bonito. Prova disso foi demonstrada já na primeira edição. A liga de Córdoba, normalmente dividida entre Belgrano e Talleres e às vezes vencida pela dupla secundária Instituto e o Racing local, foi representada pelo quinto grande cordobês, o General Paz Juniors. E ele conseguiu um honroso vice para o San Lorenzo, marcando três gols na final.
Falamos da epopeia do Juniors neste outro Especial. O San Martín, por sua vez, já demonstrava força naquela edição inaugural: foi o time que o Juniors eliminara na semifinal, por um ferrenho 5-4, isso após os tucumanos terem eliminado nada menos que o Independiente nas quartas. O título que hoje completa 70 anos foi válido ainda pela edição de 1944 e não pela de 1945.
Obcecado após chegar às semifinais de 1943, o time recheou-se de reforços de última hora para o torneio, que só se iniciaria em outubro. Alguns haviam se notabilizado na campanha de 1943 e ido a clubes do campeonato argentino. Dentre os titulares daquela final, eram os casos de do volante Manuel Acosta, que era do San Martín até o início de 1944 e regressava após meses de experiência no Racing; e do centroavante Víctor Brandán e do ponta Evilio Gramajo, de situações semelhante, mas em relação a Banfield e Chacarita, respectivamente.
Em relação ao zagueiro Martín Blasco, a manobra não foi necessária: requisitado regularmente pelos clubes da capital federal, sempre se negou a deixar o San Martín e é considerado o maior ídolo do futebol tucumano. O camisa 10 José Lirio Díaz também foi longevo, desde o fim dos anos 30 ao início dos 50 nos alvirrubros.
O técnico, Ricardo Santillán, era ex-jogador do clube nos anos 20 (chegou a jogar o campeonato argentino por Tigre e Atlanta) e, na nova função, foi outro a passar os anos 40 por lá.
Em jogos-únicos de mata-mata, o San Martín não tiveram maiores trabalhos nos primeiros compromissos, com um 5-0 fora de casa no Ñuñorco de Monteros, com destaque a Ángel Aguilar, que marcou três gols (Ricardo Juárez e Víctor Brandán anotaram os outros); e um 4-0 no Atlético de Concepción, com dois de Brandán e um cada de Aguilar e Rubén Baum. A prova de fogo mesmo viria no compromisso seguinte, pelas quartas-de-final. Mesmo sendo em Tucumán, era nada menos contra o Boca.
Os auriazuis usaram seus titulares e de início confirmavam o favoritismo, abrindo 2-0 no primeiro tempo com gols de Alberto Lijé e Pío Corcuera. Mas em espaço de três minutos, aos 17 e aos 20 do segundo tempo, o San Martín conseguiu empatar, com Aguilar e Baum. A partida rumou à prorrogação e o placar não se alterou. Decisão por pênaltis não existia na época e o regulamento previu que o critério de desempate seria o número de escanteios, suposto parâmetro para definir quem havia sido mais ofensivo.
Aí deu San Martín, com onze tiros de córner contra os nove do Boca, para engordar as boas festas tucumanas: essa partida ocorreu a uma semana do natal. Já os torcedores mais novos preferem outro dia inesquecível contra o adversário, quando os alvirrubros impuseram um 6-1 em 1988. Detalhe: em plena La Bombonera. Antonio Vidal González entrou na ocasião para o seletíssimo grupo dos que marcaram três vezes em um jogo lá contra o dono da casa.
Voltando a 1945, o prosseguimento da Copa de la República foi retomado apenas no fim de fevereiro de 1945 – vale lembrar que o campeonato argentino de 1929 foi marcado por protestos dos jogadores em atuar no forte verão que assola o país especialmente em janeiro, fazendo com que a AFA passasse a evitar competições nesse período do ano. Os escanteios voltaram a classificar os tucumanos. Dessa vez foi por 12-7 após um 1-1 no tempo normal fora de casa com o Sarmiento de Resistencia.
A final, naquele 4 de março de 1945, foi contra o Newell’s, que havia despachado dentro de Córdoba o sempre determinado Talleres. Mas que não resistiu em Tucumán. Não houve a menor necessidade de forçar escanteios. Logo aos 3 do segundo tempo o troféu parecia definido, quando Brandán anotou o terceiro gol dos anfitriões no goleiro Julio Musimessi, anos mais tarde ídolo no Boca (e convocado à Copa de 1958) bem como o xerife Juan Carlos Colman. Juárez e o camisa 10 Lirio Díaz haviam feito os dois anteriores. Raúl Micci diminuiu para os rubronegros aos 9, mas a reação visitante parou aí.
Apesar da conquista, não houve um desmanche no time campeão. Aguilar e Baum passaram ao Tigre em 1946 e só. Mas a façanha não foi uma exceção para o futebol de Tucumán: em 1944, a sua seleção, sem nenhum jogador do San Martín, ganhou o campeonato argentino de províncias, se credenciando para enfrentar o Boca pela tal Copa Ibarguren, uma vez que os rosarinos estavam desde 1939 inscritos no Argentinão. Que, se hoje abrange clubes do interior, a AFA segue sem fazê-lo.
Os clubes da Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe são diretamente afiliados à seleção argentina, mas os demais são afiliados a suas respectivas ligas provinciais, que por sua vez é que são afiliadas à AFA. Assim, o San Martín é o único clube indiretamente afiliado que já teve o gosto de ser campeão nacional – vale ressaltar que seu arquirrival, o Atlético de Tucumán, venceria uma Copa dos Campeões Provinciais em 1959, mas este torneio não recebeu os times diretamente afiliados à AFA. Abaixo, a ficha técnica daquela ocasião que acaba de completar a sétima década:
San Martín: Eduardo Larrosa, Martín Blasco e Carlos Lacroix; Ernesto Figueroa, Mario Acosta e Mariano Coman; Ángel Aguilar, Ricardo Juárez, Víctor Brandón, José Lirio Díaz e Evilio Gramajo. T: Roberto Santillán. Newell’s: Julio Mussimessi, Juan Carlos Colman, Córdoba, Micci, Rubén Nieres, Nicolás Bustos, Arturo Buján, Amable López, Raúl Micci, Rafael López e Juan Ferreyra.
*Agradecimentos ao amigo e especialista Esteban Bekerman.