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70 anos do Riquelme das 2 primeiras Libertadores ganhas pelo Boca: Mario Zanabria

Nem Maradona, nem Riquelme. Antes deles, o Boca teve seus camisas 10 clássicos em contraste ao estilo aguerrido tão pregado pela torcida xeneize, a única na Argentina com razões a preferir Román a Diego. Afinal, Maradona só teve um título (e doméstico) pelo clube, enquanto Riquelme enfileirou três Libertadores, encerrando jejum continental de 22 anos. Nos anos 60, Ángel Rojas, o Rojitas, deslumbrou com malícia e classe, e, como Riquelme, foi similarmente tapado da seleção. Na Libertadores, ficou só no vice, em 1963. Já Mario Nicasio Zanabria, outro ignorado na Albiceleste, foi a canhota que vestia a camisa 10 do bi de 1977-78. Hoje o Marito, que também fez o gol do primeiro título argentino do Newell’s, faz 70 anos.

Nascido na cidade de Santa Fe, capital da província de mesmo nome, Zanabria (a pronúncia é “Sanábria”) foi descoberto nas peladas de rua do bairro de Barranquitas. Dali rumou à oitava categoria juvenil do Unión, uma das duas forças da cidade. A estreia no time principal veio com 18 anos incompletos, no decorrer da história campanha de 1966; no ano anterior, o arquirrival Colón havia vencido a segunda divisão e se tornando a primeira equipe santafesina a obter o acesso à elite argentina. A resposta alvirrubra foi imediata, vencendo a segundona de 1966.  Ele não chegou a ser protagonista, mas lembrou do título como “uma das lembranças mais lindas que tenho do futebol. Era muito jovem e fui campeão no clube da cidade onde nasci”.

Os novatos, inicialmente, não se deram bem na elite de 1967, terminando rebaixados. Em 1968, o campeão foi o Almagro, mas o regulamento permitiu o reacesso imediato do Tatengue, terceiro colocado com um ponto a menos que os tricolores. Isto porque ainda era necessário que os quatro primeiros (incluindo o campeão) jogassem um decagonal com os seis últimos da elite. Por ironia, o campeão Almagro e o vice Nueva Chicago não sobreviveriam àquela repescagem, enquanto o Unión e o quarto colocado Deportivo Morón, sim. Neste acesso, sim, Mario foi protagonista, com sete gols – cinco na segundona e dois no chamado “Torneio Reclassificatório”. A estadia na elite em 1969 foi mais tranquila. O clube ficou na última posição acima dos que brigariam para não cair em novo Torneio Reclassificatório, mas com seis pontos de distância (em época em que a vitória valia dois).

Zanabria nunca foi um camisa 10 artilheiro, se notabilizando mais por armar jogadas, por vezes como dono do “penúltimo passe” em tempos em que nem mesmo as assistências diretas costumavam ser contabilizadas. Assim, mesmo com só três gols marcados por 1969, a canhota refinada chamou a atenção da capital futebolística da província, a cidade de Rosario. Em 1970, Zanabria era jogador do Newell’s, pelo qual inicialmente manteve o hábito de marcar em torno de cinco gols ao ano. A idolatria no Unión seria realçada com o passar dos anos, crescendo nos encontros com o Colón: dos seus 75 gols na primeira divisão, seis seriam no “rival pessoal”, compensando nunca ter marcado no Clásico Santafesino.

Os outros clubes de Zanabria, ídolo no Unión e no Newell’s e sem tanto êxito por Argentinos Jrs e Huracán

Uma boa equipe foi armada no Newell’s de 1970. Por ironia do destino, armada por dois ícones do arquirrival Rosario Central – o treinador Miguel Ángel “Gitano” Juárez e seu assistente, um tal de César Luis Menotti. Os três gols de Zanabria escondem sua grande contribuição para um igualmente enganoso 5º lugar: a Lepra ficou a dois pontos do campeão Independiente no Metropolitano. Em 1971, os rosarinos ficaram no 4º lugar do Metropolitano, a seis pontos do novamente campeão Independiente (Zanabria, inclusive, marcou em um 6-0 no Colón). Ainda em 1971, uma campanha ainda melhor deu-se no Torneio Nacional. Para Zanabria, a melhor na qual jogou em seis anos de Ñuls. A competição dividiu o participante em dois grupos, e o A continha as camisas de dois grandes: River e Independiente.

O Rojo foi o líder, mas secundado pelos leprosos, um ponto abaixo. Os dois primeiros de cada chave se classificavam a semifinais e final em jogos únicos, em campo neutro. Aí veio o desastre à parte rubronegra de Rosario: a semi foi contra o Rosario Central, vencedor por 1-0 no “dia da palomita de Aldo Poy”. Para piorar, o arquirrival terminaria campeão, no primeiro título argentino do interior do país. No Metropolitano de 1972, o Newell’s ficou em 7º, embora a dois pontos do 3º e a cinco do vice Racing. Zanabria, que só marcou duas vezes em todo aquele ano, começou a se sobressair ofensivamente em 1973. Foram nove gols no Metropolitano por um time que ficou só em 14º de 17 participantes. E mais oito no Nacional, com destaque a um marcado no 4-0 sobre o Racing, dentro de Avellaneda. A equipe rosarina ficou na 5º colocação da chave.

Mas mais uma vez, o Newell’s foi eclipsado pelo rival: o Rosario Central terminou campeão, no ano mais goleador de Zanabria – que em em 21 de novembro terminou reconhecido pela seleção: não a de Argentina, e sim a da província de Santa Fe, que enfrentou a própria Albiceleste em amistoso não-oficial. Pois a seleção nacional não passou de um 1-1 no “Cemitério de Elefantes”, o estádio do Colón. O pior viria em abril do ano seguinte, dessa vez contra a seleção rosarina. A Argentina levou de 3-1 para Zanabria e colegas. Em paralelo, seu Newell’s enfim saía da sombra dos vizinhos, e em roteiro cinematográfico que teria o camisa 10 de protagonista.

Inicialmente, o Newell’s não deu pinta de campeão, só vencendo a partir da quarta rodada. Já a quinta foi um clássico rosarino: 4-2 no arquirrival, com gol de Zanabria, em prévia do que viria. Uma sequência regular de bons resultados, salvo um 5-1 sofrido fora de casa para o Independiente, manteve a Lepra sob a impressão de grandes chances de classificação. Mas veio o clássico do segundo turno: Rosario Central 3-0 no Gigante de Arroyito, e novamente uma semana de pressão psicológica, visível na comemoração extravasada no jogo seguinte, um 1-0 arrancado fora de casa sobre o forte Chacarita da época. Restavam três jogos, dois deles vencidos, sobre nada menos que Independiente (papão da Libertadores na época) e San Lorenzo (dono de quatro títulos argentinos entre 1968 e 1974).

O gol imortal do primeiro título argentino do Newell’s, em pleno clássico rosarino. À direita, os dois Marios de Rosario: Kempes e ele

Zanabria, aliás, foi o personagem principal contra o Rojo, marcando os dois na vitória de 2-0. O Newell’s terminou na liderança, para figurar como virgem no quadrangular com os já campeões Huracán (no ano anterior), Boca e… Rosario Central. O quadrangular ocorreu em turno único. O Newell’s foi o único a vencer as duas primeiras partidas, sobre Huracán e Boca. Assim, um empate na rodada final levaria pela primeira vez o título argentino ao Coloso del Parque. Só que teria pela frente o arquirrival, com chances de título se vencesse. No sorteio, o local do clássico foi definido como o Gigante de Arroyito, onde o Central não era derrotado pelo rival desde 1965 (1-0 com gol, aliás, do brasileiro João Cardoso). E de fato o carma pareceu preponderar.

O Central, cujo time campeão de 1973 estava reforçado por ninguém menos que Mario Kempes, abriu 1-0, de pênalti, no fim do primeiro tempo. E a taça parecia se encaminhar de modo definitivo aos canallas aos 24 minutos do segundo tempo, com Cai Aimar anotando o 2-0. Mas dois minutos depois Armando Capurro recolocou os visitantes no páreo, em cabeceio certeiro. Aí, ao invés de um natural abafa, sobressaiu-se o toque rasteiro daquele belo elenco treinado por Juan Carlos Montes, jogador do elenco até o fim do ano anterior. Numa dessas jogadas, a dez minutos do fim, o gol hollywodiano: Zanabria mata no peito e enche a canhota fora da área para marcar um gol imortal, o seu nono naquele campeonato.

Não, o tabu do Newell’s contra o rival na casa adversária não terminou naquele 2 de junho de 1974 (somente em 1980). Mas não precisava. Os leprosos enfim davam a resposta perfeita à Palomita de Poy de três anos antes: campeões, pela primeira vez, e em confronto direto na casa vizinha. O feito, porém, foi tardio demais para Zanabria ir à Copa do Mundo de 1974. No segundo semestre, ele continuou brilhando, com cinco gols no Torneio Nacional (um deles, no Colón, além de outro no River). O Newell’s avançou de fase, ainda que terminasse em último no octagonal final vencido pelo San Lorenzo. Em 1975, o clube não passou de um 10º lugar no Metropolitano, ainda que Zanabria vazasse o campeão River, o vice Huracán e deixasse o seu em um 6-2 no Colón.

Mas o foco era na na estreia na Libertadores, cujo regulamento duríssimo só permitia ao líder da chave avançar. Para a decepção rubronegra, dessa vez Kempes fez a diferença ao marcar o único gol de um jogo-extra necessário após a dupla rosarina liderar a chave. Zanabria, por outro lado, enfim foi convocado à seleção, chamado à Copa América de 1975. Menotti, sabendo da força daquele interior argentino dos anos 70, chamou basicamente jogadores da província de Santa Fe. Zanabria foi titular nas quatro partidas ao longo de duas semanas em agosto, marcando seus dois gols pela Albiceleste no incomum 11-0 sobre a Venezuela. Porém, só o líder avançava naquele grupo de três aos mata-matas. E foi o Brasil. Zanabria, mais pela dura concorrência da época, não voltaria a defender a Argentina.

Daniel Killer, Rebottaro, Mario Killer, Gatti e Pavoni; Bóveda, Gallego, Luque, Zanabria, Kempes e Ardiles: a seleção “do interior” na Copa América de 1975

Após ausentar-se por um ponto dos mata-matas do Nacional de 1975, o Newell’s classificou-se ao dodecagonal final que decidiu o Metropolitano de 1976. O Boca terminou campeão, o que não impediu que buscasse reforços. Foi quando Zanabria tornou-se xeneize. Não agradou logo de cara, desacostumado às exigências físicas requeridas por qualquer jogador que se preze para os lados ao norte do Riachuelo. Após começar na titularidade, só jogou saindo do banco nos dois compromissos decisivos – a semifinal com o Huracán e a final, em pleno Superclásico com o River. Foi campeão, mas sem gols próprios para contar na campanha.

Zanabria logo recuperaria a titularidade para 1977. Com as obrigações ofensivas em um time maior bem distribuídas entre o tridente Ernesto Mastrángelo, Carlos Veglio e Darío Felman, Zanabria limitou-se a municia-los, reduzindo a assinatura final dos gols. Em 1977, foram cinco em jogos competitivos – o mais importante deles, o único sobre o Libertad dentro de Assunção pelas semifinais da Libertadores. Na decisão, não falhou contra o Cruzeiro, convertendo sua cobrança na decisão por pênaltis que rendeu a primeira Copa aos xeneizes. Mas, ao fim do ano, veio a confirmação de que nenhum jogador do clube campeão continental iria à Copa do Mundo de 1978. A resposta seria dada no Mundial Interclubes de 1977, travado já no próprio ano de 1978: 3-0 sobre o Borussia Mönchengladbach, dentro da Alemanha.

Após ser campeão mundial em agosto de 1978, o clube foi em paralelo vice do Metropolitano e em novembro já emendava nova Libertadores – o compromisso antes das finais foi outro acontecimento internacional, na vitória por 4-2 sobre o estrelado Cosmos de Nova York, em que Zanabria marcou o gol do desempate para 3-2. Aquele ciclo vitorioso chegaria ao fim com nova final da Libertadores em 1979, mas perdida para o Olimpia. A derrota foi simbólica também para Zanabria. Foram quatro meses sem jogar depois da final, em virtude de uma operação no joelho. Ficou o ano inteiro sem marcar um gol. Em 1980, teve alguma sequência de jogos, mas sem titularidade absoluta. O Boca ficou só em 7º no Metro e esteve longe dos mata-matas do Nacional.

Assim, a diretoria não teve dúvidas em incluir Zanabria no pacote de empréstimos ao Argentinos Jrs em troca de Maradona para 1981. Brigou para não cair, marcando só um gol. Voltou aos xeneizes em 1982, mas não ficou para 1983, pendurando as chuteiras em fraca campanha do Huracán (novamente, só um gol). Reapareceu no Boca em 1984, mas como assistente técnico, assumindo inicialmente como interino ao fim do pior ano do clube. Seu grande capítulo à beira do gramado se deu em 1986, na liguilla pre-Libertadores. Por ironia, opondo Boca e Newell’s na final: o ex-clube venceu por 2-0 dentro da Bombonera e abriu o placar em Rosario. O Boca ainda teve um expulso, mas mesmo com dez homens conseguiu o 4-1 que lhe garantiu em La Copa, na mais fantástica virada da história auriazul.

Tesare, Suñé, Zanabria, Pernía, Gatti e Bordón; Mastrángelo, Saldaño, Salinas, Felman e Suárez na Alemanha: time dos 3-0 no primeiro Mundial ganho pelo Boca

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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