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70 anos de Agustín Cejas, ídolo do Santos de Pelé e 1º Bola de Ouro da Placar

Cejas-01Ontem, Pelé foi saudado antes do grande clássico inglês, Liverpool x Manchester United. A milhares de quilômetros dali, um ex-colega seu fazia poderia ter assistido a cena. Mas não se conseguiria lembrar da estrela nem de que tão bem conviveu com ela, quando mal conseguiria lembrar do próprio aniversário – ocorrido ontem também, pela 70ª vez. Trata-se do goleirão Agustín Mario Cejas (pronunciado “Cêrras” e significando, curiosamente, “Sobrancelhas”) um dos melhores da posição a não figurar em uma Copa do Mundo, que chegou-lhe perto três vezes. Foi um grande ídolo do Santos, no canto do cisne da Era Pelé. E estrela do grande Racing dos anos 60, sendo um dos pilares do primeiro título mundial do futebol argentino.

Cejas conseguia ser ágil apesar de parrudo para os seus 1,88, com 90 quilos de massa. E sabia teorizar o que a posição lhe exigia. Não por teoria, mas por teorema mesmo: “o ABC do arco é saber que as traves e a bola formam um ângulo agudo e o goleiro deve ir sempre até a bola seguindo sua bissetriz. Assim, para aquele que chuta se apequenam os ângulos”. Veio da base do Racing e estreou no time adulto ainda aos 17 anos, em 1962 (um 7-3 no Chacarita pela 26ª rodada, em 11 de novembro); foi sua única aparição no time adulto por um bom tempo: ele não chegou a participar do campeonato argentino de 1963, com o reforço Luis Carrizo (25 jogos), recém-chegado do All Boys, desbancando Osvaldo Negri (apenas um), titularíssimo até 1962 e ídolo exaltado até no oscarizado filme O Segredo dos seus Olhos.

Isso não significou inatividade a Cejas em 1963: esteve no título sul-americano juvenil com a seleção, marcado pela “tragédia de Lima”, quando cerca de trezentas pessoas morreram no estádio. O ano de 1964 parecia, enfim, de afirmação. Cejas foi às Olimpíadas de Tóquio e, mesmo com a vexaminosa queda para o anfitrião Japão, soube revezar-se com Luis Carrizo (sem parentesco com o histórico goleiro do River), atuando em 17 partidas contra 14 do concorrente – além de ser efetivamente profissionalizado após voltar dos Jogos Olímpicos. Mas ainda foi preciso aguardar mais um tempo: Carrizo seria o dono da vaga em 1965 (25 jogos contra dez) e manteve o posto após Cejas fraturar um dedo em 1966 (32 jogos contra oito).

Racing campeão da Libertadores: Cejas, Basile, Perfumo, Díaz, Mori e Martín; o brasileiro Cardoso, Rulli, Cárdenas, Raffo e Maschio

Precisamente entre os fins de 1965 e meados de 1966, o Racing acumulou 39 jogos seguidos de invencibilidade, um recorde só quebrado na Argentina pelo super Boca de Carlos Bianchi, que acumulou exatamente um jogo invicto a mais em 1999. Nesse embalo, a Academia foi campeã argentina de 1966, credenciando-se à Libertadores de 1967. Até então, só o rival Independiente, duas vezes, havia vencido o troféu continental dentre os clubes argentinos. Cejas recuperou de vez a titularidade na hora certa, quando ele e os demais colegas da Equipo de José, “a equipe de José” (referindo-se ao técnico Juan José Pizzuti) levantaram a edição de 1967 da Libertadores – e foram além, conseguindo também o Mundial.

Cejas, presente em 26 jogos dos torneios domésticos (agora divididos entre os Torneios Metropolitano e Nacional) contra dez de seu reserva imediato (dessa vez, Antonio Spilinga), jogou em quinze dos vinte jogos na campanha da Libertadores e nas três partidas necessárias ao Mundial, contra o Celtic – justamente a equipe que havia batido na final europeia a Internazionale, por sua vez precisamente a algoz do rival Independiente nas duas tentativas que o vizinho tivera até então. Sobre os escoceses, La Acadé tornou-se o primeiro representante do futebol argentino campeão mundial. Ela só não sabia que iniciaria um jejum imenso de títulos depois. Em partes, porque seguia nos páreos: em 1968, entregou caro a eliminação nas semifinais da Libertadores para o futuro campeão Estudiantes, e foi vice no Nacional; e, em 1969, esteve a quatro minutos da classificação à final do Metropolitano.

Aqueles eram tempos em que os bons goleiros abundavam no futebol argentino, muitas vezes mais de um por equipe: Amadeo Carrizo e Hugo Gatti no River, Antonio Roma e Néstor Errea no Boca, Miguel Santoro no Independiente, Carlos Buttice no San Lorenzo, Edgardo Andrada no Rosario Central… Cejas, absolutíssimo no gol racinguista, enfim ganhou oportunidade na seleção em 1969, após a ida de Andrada ao futebol brasileiro. Foi o titular das eliminatórias à Copa de 1970. A Argentina acabou eliminada ao empatar em plena Bombonera com o Peru. Foi a última vez em que a Albiceleste se ausentou das Copas, e a única em que isso se deu por eliminação em campo: ela deixara de ir às de 1938, 1950 e 1954 por opção (esdrúxula, claro) dos próprios cartolas, sequer tendo participado das eliminatórias.

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No mundial de 1967, Racing x Celtic, em Glasgow

O goleiro racinguista foi um dos pouquíssimos poupados do vexame, inclusive seguindo na seleção: em março do ano seguinte, estava lá no Beira-Rio no amistoso em que os hermanos bateram fora de casa por 2-0 o mesmo Brasil que meses depois seria campeão mundial. Na revanche quatro dias depois, no Maracanã, os canarinhos venceram por 2-1 graças a um golaço de Pelé encobrindo Cejas. Ainda assim, seu arrojo chamou a atenção de clubes brasileiros. Ele fez em 13 de setembro seu último jogo no primeiro ciclo com o Racing (derrota de 1-0 para o San Lorenzo, fora de casa), logo se tornando colega do próprio algoz: estreou em 27 de setembro como santista, visitando no Mineirão o Cruzeiro.

Ir ao futebol do exterior lhe fecharia as portas na seleção (uma política oficial, que só começaria a ser alterada em 1972), mas virar colega de Pelé era tentação demais. Ironicamente, o Santos pretendia contratar o uruguaio Ladislao Mazurkiewicz enquanto era o São Paulo quem especulava pelo argentino, cuja estreia no Peixe foi assim descrita pela Placar: “no gol santista, pulando dentro daquele uniforme negro, um goleiro desconhecido em Minas assombrava a torcida do Cruzeiro, fazendo lembrar muito a imagem de Yashin, o Aranha Negra, um dos maiores goleiros do mundo. Era Cejas, estreando no time de Pelé”.

Mas o início não foi fácil, com Cejas tomando alguns gols bobos e precisando se explicar: “na Argentina, os atacantes não chutam de 30 ou 40 metros. Sabe como é? Eles lá não são tricampeões do mundo e, se erram, a torcida cai em cima. Aqui, os jogadores estão cheios de moral, chutam de qualquer lugar e o pior é que geralmente conseguem colocar a bola lá na forquilha. Finalmente, há também a parte do material: a bola daqui é menor e mais leve, faz curva com mais facilidade, enganando o goleiro com frequência”, declarou à mesma Placar já em novembro de 1971.

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Entre Carlos Alberto e o compatriota Ramos Delgado, raro argentino negro

Pelé o defendeu na época: “Cejas vai queimar a língua de muita gente por aí. O que está acontecendo com ele não é normal. Já jogamos contra ele na Argentina e ele fechava”. E foi exatamente em 1971 o ano em que o argentino se assegurou. Muito graças a ele, o Santos teve a defesa menos vazada dos times classificados às semifinais do Brasileirão. A presença no triangular final foi perdida no quadrangular-semifinal por um ponto a menos que o futuro campeão Atlético Mineiro. Mas 1973 é que seria o grande ano. Àquela época, o Santos já não lembrava o grande time dos anos 60.

Os craques se resumiam a Pelé, Clodoaldo e ao argentino; outro hermano de destaque dos anos anteriores, o zagueiro José Ramos Delgado, estava em declínio a ponto de naquele mesmo ano ter sido repassado à prima pobre Portuguesa Santista, que, com o estadual já em andamento, abrigaria também um habilidoso Manoel Maria nunca recuperado totalmente após um acidente de carro ainda em 1970. Carlos Alberto Torres era outro veterano: o capitão de 1970 não iria à Copa de 1974… que, na imaginação do técnico Zagalo, poderia contar com Cejas – na seleção brasileira. O próprio Carlos Alberto o exaltou: “o goleiro? Bem, dos brasileiros, para mim, o melhor é o Leão. Agora, se resolverem chamar os naturalizados, aí deixa com o Cejas, porque melhor do que ele não existe”.

O arqueiro santista, de fato, havia adquirido a cidadania vizinha. Naquele 1973, fora o grande responsável pelo título estadual, defendendo com a mão trocada a cobrança de Zecão no alto e espalmando também o de Calegari, na decisão por pênaltis contra a Portuguesa (a da capital). Desempenho majestoso que involuntariamente confundiu o árbitro Armando Marques, que deu a série de penais como encerrada antes da hora, acarretando na taça acabar dias depois, pela federação paulista, decretada como dividida entre os dois clubes. Embora a medida salomônica aguasse a festa do Santos na época, ainda assim era o primeiro título em quatro anos – uma tremenda enormidade na Era Pelé, período em que a Vila Belmiro, até 1969, jamais havia ficado dois anos seguidos na seca.

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No Grêmio, foi bem, mas deu azar. O título viria só no ano seguinte, quando já havia saído

A boa fase manteve-se no Brasileirão, a ponto do argentino ser escolhido o melhor jogador do campeonato pela Placar, juntamente com o beque uruguaio Atilio Ancheta. Foi a primeira vez em que a revista premiou a Bola de Ouro (entregue ao cruzeirense Dirceu Lopes por 1971 apenas na premiação de 2013, ano em que o título brasileiro dos mineiros estimulou essa surpresa), que por curiosidade ficou com dois estrangeiros naquela ocasião inaugural. Em 1973, Cejas também defendeu o Resto do Mundo no jogo-festivo que marcou a despedida de Garrincha da seleção brasileira. Mas a Argentina, embora já começasse a chamar gente do exterior (o já cruzeirense Roberto Perfumo seria até o capitão), preferiu levar à Copa do Mundo o goleiro da modesta equipe espanhola do Las Palmas, Daniel Carnevali, além de Miguel Santoro e da revelação Ubaldo Fillol.

Pesava contra Cejas o declínio praiano com o ocaso da Era Pelé, que deixou os alvinegros naquele mesmo ano. Em, 1975 Cejas acertou o retorno à Argentina. Foi o titular da grande campanha do Huracán no Metropolitano, onde o Globo foi vice. Idade elevada não era um problema para a seleção, que começava a usar frequentemente o trintão Hugo Gatti. Mas já em 1976 o ex-santista voltava ao Brasil: veio com o compatriota Oscar Ortiz como uma das grandes contratações do Grêmio, que visava impedir que o Internacional lograsse um octacampeonato seguido no Estadual (marca que ainda por cima ultrapassaria o heptacampeonato gremista nos anos 60, então o recorde). “Veja, ele era pesadão, mas tinha uma colocação impressionante”, lembrou certa vez seu reserva em Porto Alegre, Remi.

Mas o Tricolor não teve êxito na empreitada e Cejas, insatisfeito, voltou à terra natal: “tal como não fiquei no Santos depois que Pelé parou, não fico agora no Grêmio. Aqui há jogadores que se escondem atrás dos adversários, enquanto uns poucos correm com garra”. Postura vista como desagregadora para o jornalista-historiador-gremista fanático Eduardo Bueno. Ortiz também voltou à Argentina, acertando com um poderoso River e se garantindo na Copa do Mundo. Cejas, por sua vez, retornou ao Racing, que já não era sombra do poderoso time da década anterior: havia escapado por um pontinho do rebaixamento em 1976.

No Huracán vice-campeão de 1975 – à sua frente, um vencedor da Copa de 1978, René Houseman; e já veterano em seu retorno ao Racing: foi pré-convocado para aquela Copa

Com o velho ídolo, houve um bom salto no Torneio Nacional de 1977. Se a desorganização institucional seguia imperando, fazendo de Cejas ocasionalmente precisar conciliar-se como jogador-treinador, em campo o time quase alcançou as semifinais. Como ponto alto, um 3-0 no River com direito a pênalti defendido contra o astro adversário Norberto Alonso. Nesse embalo, Cejas defendeu a seleção sul-americana em amistoso com o Real Madrid.

Ao fim de 1977, o desempenho do veterano foi reconhecido na pré-convocação à Copa do Mundo; a irregular fase do clube não havia sido empecilho para que os racinguistas Ricardo Villa e Daniel Killer acabassem mesmo no Mundial, ainda que como reservas. Mas ao goleiro a presença na lista preliminar foi um reconhecimento mais simbólico do que alguma oportunidade palpável; seria mesmo justamente ele o arqueiro cortado, com as três vagas na posição ficando entre Fillol, Héctor Baley e Ricardo La Volpe. Em 1978, Cejas inicialmente pôde voltar a concentrar-se em ser apenas jogador e seguiu salvando-se nas campanhas razoáveis do Racing: o time foi eliminado nas quartas do Torneio Nacional de 1978 e de 1979, ainda que volta e meia o goleiro precisasse voltar a ser jogador-treinador.

Em 1980, em dupla com Hugo Zavano, teve um terceiro momento como jogador-treinador, até ser contratado 1981 no pacotão de craques anunciado pelo River em resposta à ida de Maradona ao Boca: o time de Núñez também importou Juan Carlos Heredia do Barcelona e adquiriu ainda três campeões da Copa de 1978 – René Houseman, Américo Gallego e, sobretudo, Mario Kempes. Cejas deixou La Academia como o profissional que mais defendera o clube até então, com 334 partidas; hoje é o segundo, com três jogos a menos do que Gustavo Costas. Considerando-se somente a primeira divisão profissional (Costas atuou duas temporadas nos tempos de segunda divisão, em 1984 e 1985), a marca ainda pertence ao goleiro.

Reencontro racinguista em 1991, ainda pelos 25 anos do título argentino de 1966: Néstor Rambert, Agustín Cejas, Rubén Díaz, Oscar Martín, Juan Carlos Rulli, Humberto Maschio, Alfio Basile, Norberto Raffo, Juan Carlos Cárdenas e o técnico Juan José Pizzuti

No River, a história foi outra. O timaço de papel não engatou no Metropolitano, com críticas sobrando até mesmo a Kempes, de exibições irregulares. El Matador gradualmente vingou, mas Cejas se limitou a somente nove jogos e muitos questionamentos: sofreu simplesmente 16 gols, só ficando por duas partidas sem ser vazado. Ao mesmo tempo em que somente em uma partida pôde ser guarnecido pelos defensores Daniel Passarella e Alberto Tarantini juntos (ambos titularíssimos da seleção, que costumava desfalcar o River), justamente nela levou de 5-2 do Instituto de Córdoba. Pôde ser campeão do Nacional de 1981, mas com uma única participação (empate em 2-2 na visita ao Guaraní Antonio Franco, na fase de grupos), sob reserva absoluta do fã Fillol. E assim pendurou as luvas.

Cejas, já exclusivamente como treinador, teve ainda um último regresso ao Racing: foi como bombeiro para tentar desatolá-lo da segundona (o clube havia sido rebaixado em 1983), treinando-o entre 1984 e 1985 – ano em que a volta à elite enfim veio, mas já sob comando do ex-colega Alfio Basile, o quarto técnico que La Acadé teve em uma temporada que não deixou de ser tumultuada apesar do acesso. Ocasos que não poluíram uma carreira tão rica, da qual o goleirão infelizmente não se lembra. Humberto Maschio, seu ex-colega daquele Racing de 1967, desabafou em 2011: “lamentavelmente, está em um geriátrico há alguns anos. Tem mal de Alzheimer, pobrezinho. E é o mais jovem, fez 66 anos em 22 de março! Vamos visita-lo, mas já não nos reconhece. Não reconhece as filhas. Nos dá pena ir vê-lo”. O clube de Avellaneda e toda a sua fanática torcida sempre se lembrarão dele.

Atualização em 14-08-2015: Cejas faleceu nesta data. Fillol, que o sucedeu no Racing e que posteriormente o deixaria na reserva no River, homenageou-o duas vezes no facebook, declarando que “se foi o grande Agustín, meu ídolo da adolescência e o único jogador do qual tive um pôster colado na parede quando começava meu sonho de ser goleiro. Neste momento de profunda dor para mim, quero mandar um forte abraço a toda sua família. Hoje nos deixou um gigante das nossas traves. Até sempre, querido Agustín Mario Cejas”. Abaixo, homenagens dos clubes.

Cejas Fillol

https://twitter.com/SantosFC/status/632273454738370565

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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