65 anos de Daniel Passarella: único argentino bi mundial, o capitão de 78 é o segundo maior zagueiro-artilheiro do futebol

Nessa sexta-feira, o River celebrou os seus 117 anos oficiais. Na mesma data, Daniel Alberto Passarella soprou 65 velinhas. Infelizmente, a trajetória do Kaiser como presidente millonario impediu uma comemoração conjunta à altura da grandiosa história desenvolvida como treinador e, sobretudo, como jogador em Núñez. Esqueça as polêmicas como técnico da seleção e a passagem frustrante pelo Corinthians: quinto maior goleador da Albiceleste no século XX, o capitão do primeiro título mundial argentino foi um fenômeno dentro das quatro linhas e sob essa prisma o segundo maior zagueiro-artilheiro do futebol será relembrado – no dia em que o Olímpico de Kiev, onde o único hermano bicampeão da Copa estreou pela Argentina, terá atenção mundial com a Liga dos Campeões.

Ironia: Passarella não necessariamente nasceu para ser ícone do River. Primeiramente, porque a data real da fundação do clube é em 15 de maio. Mas, sobretudo, porque o natural de uma rua de terra em Chacabuco (cidadezinha ao norte da província de Buenos Aires, mas mais próxima de província vizinha de Santa Fe do que da própria capital federal) era fanático pelo Boca na infância, rendendo uma trajetória quase única. Exemplos não faltam de quem se consagrou, muitas vezes como ícone máximo, do rival de quem torcia: Garrincha era flamenguista, Renato Gaúcho era colorado, Rivellino era palmeirense, Raúl até jogou na base do Atlético de Madrid, Iniesta era madridista e o maior artilheiro do Peñarol – Fernando Morena – torcia pelo Nacional. Na Argentina, exemplos não faltam nas diversas rivalidades, e já publicamos especial só com o tema Boca x River.

O zagueiro não foi o primeiro xeneize de fábrica a se consagrar millonario (nos anos 30 e 40 brilhou José Manuel Moreno, considerado acima de Maradona em habilidade pelos portenhos mais antigos). E nem o último: Leonardo Astrada é quem mais vezes foi campeão argentino pela Banda Roja, dez vezes. Mas em meio a essa listagem, só Passarella e “um outro” Kaiser deram passos além, jogando, treinando e presidindo o “rival”. Passarella herdou o apelido da lenda Franz Beckenbauer exatamente pela categoria similar ao do craque alemão, mas aproxima-se dele também nesse aspecto curioso: Beckenbauer jogou, treinou e presidiu o Bayern Munique sem nunca esconder sua torcida juvenil pelo vizinho Munique 1860, em tempos em que o dérbi da capital bávara tinha equilíbrio.

O livro oficial do centenário do River narra até que a avó de Passarella, curandeira local, teria previsto seu destino com o River. Mas antes, obviamente que o filho do casal Vicente Uberto e Elida Passarella tentou o Boca, clube dos pais – foi em 1970, mas foi reprovado. Assim como no Estudiantes, no Independiente e no Chacarita. Dividindo o tempo desde os 14 anos entre o trabalho em lojas de materiais com o pai e o futebol de rua, a fama de sua canhota potente e goleadora foi crescendo até ele chegar ao Argentino de Chacabuco – como ponta-esquerda. Foi três vezes campeão da liga municipal, mas sem que o time avançasse na seletivas das diversas ligas do interior pelas poucas vagas delas no Torneio Nacional. Já o Sarmiento jogava o campeonato argentino (que, apesar do nome, era restrito à Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe), ainda que na terceirona.

Dois registros em seu primeiro clube, o Argentino de Chacabuco: ainda anônimo, à esquerda… e já consagrado, em 1979, quando fez esse amistoso festivo

No time alviverde da cidade de Junín, Passarella nunca conseguiu sair daquela divisão, mas esteve perto. Em 1972, o acesso foi perdido nos critérios de desempate para o vice Flandria. Em 1973, ficou em quarto, mais distante da vaga – mas ali começou a se destacar como um zagueiro-artilheiro, marcando na campanha os primeiros cinco gols da carreira; apenas um deles foi de pênalti. Sua trajetória na seleção poderia até ter começado ali: a Argentina foi realizar jogo-treino contra o Sarmiento em 29 de julho e o defensor foi requisitado para substituir na Albiceleste o lesionado Antonio Rosl. E negou: “jogarei pelo Sarmiento, pois se me destacar não vão poder dizer que foi por [algum jogo mole dos] meus companheiros”. E coube justamente a ele marcar o gol de honra, convertendo um pênalti no minuto 87 para fechar o placar de 5-1.

Passarella deveria ter continuando defendendo as cores verdes, mas as do Ferro Carril Oeste, da elite. Maior presidente do time, Santiago Leyden relatou anos depois uma rejeição menos conhecida que a do Boca, mas talvez mais folclórica: “lá por 1974 testaram 120 pibes no clube. Um deles nos convenceu e lhe dizemos que voltasse no dia seguinte para assinar o contrato. Quando o fez, o pequenino estava esperando na sede para cumprir o trâmite. Mas um dos integrantes da Comissão Diretiva nos disse que o muchacho devia fazer o serviço militar [obrigatório na Argentina até os anos 80]. ‘Ah, não… então não nos convém’… estivemos todos de acordo e o deixamos ir. O pibe foi se testar em outro lado e entrou no River. Sabem quem era? Daniel Passarella… tivemos uma visão incrível, não?”.

A trajetória no River começou com um amigo que havia sido zagueiro em Núñez, Raúl Hernández, que o levou para ser testado por Néstor Rossi – glória do clube e da seleção nos anos 40 e 50 e que na época treinava o Millo. Rossi indagou-lhe se estava disposto a jogar contra o Boca em um amistoso de verão em Mar del Plata. Logo ali, o zagueiro demonstrou personalidade forte: “desculpe-me por responder: eu me animo em jogar. Tem que ver se você se anima em me escalar”. Terminou como a grande figura de um reles 0-0 em 23 de janeiro de 1974, anulando Ramón Ponce. O jogo poderia até ter sido vencido, se um arremate daquele atrevido não parasse no travessão.

Na época, o River vivia em terrível jejum desde 1957, quando Rossi ainda jogava. Que se prolongou para 1974: o time, por um ponto a menos que o Huracán, não se classificou ao quadrangular final do Metropolitano. No Nacional, faltaram três. Mas Passarella já demonstrava seus diferenciais de um zagueiro que, com 1,75 metros de altura, ganhava todas no jogo aéreo, com grande sentido de tempo e distância para subir mais do que adversários maiores. E já fazia também seus gols. Foram cinco. Seu chute forte o fez cobrador de pênaltis e assim marcou três sobre o Alto Hornos Zapla no Nacional. Provavelmente foi o primeiro zagueiro a conseguir um hat trick na elite argentina. E até fez-se presente no primeiro jogo de César Menotti como técnico da seleção, ainda que, novamente, como adversário: foi em 29 de agosto de 1974, em duelo não-oficial da Albiceleste contra um combinado Boca-River.

Contrastes: em tempos de terceira divisão argentina pelo Sarmiento de Junín, e estrela europeia por Fiorentina e Internazionale

Ele não tardou a juntar-se a Menotti, inicialmente na seleção juvenil que em maio do ano seguinte disputou o Torneio Internacional de Toulon, pela primeira vez realizado só com seleções. Foi a primeira participação dos hermanos, dirigidos pelo próprio treinador da seleção principal. Naquela edição foram lapidados o Kaiser e outros futuros campeões mundiais, casos de Alberto Tarantini, Américo Gallego, Marcelo Trobbiani e Jorge Valdano, autor do gol do título sobre os anfitriões franceses, após eliminarem na semifinal o México do jovem Hugo Sánchez. Em paralelo, o River enfim finalizava seu terrível jejum. Mas, por ironia, com Passarella colocado na reserva pelo novo treinador, Ángel Labruna.

Labruna lhe queria na lateral-esquerda e o zagueiro não aceitou, ficando na reserva de Héctor Ártico. A quebra de braço enfim foi vencida no Torneio Nacional. Salvaguardado pelo também fenomenal defensor Roberto Perfumo, Passarella marcou sete gols em nova campanha campeã, quatro deles no octogonal final – e só um foi de pênalti. O River assim encerrava em dose dupla o jejum de dezoito anos. E Passarella logo chegava à seleção principal. As primeira partidas foram não-oficiais, em jogos-treino em fevereiro contra os clubes Kimberley de Mar del Plata (no dia 7) e Excursionitas de Tandil (no dia 9); o debute oficial deu-se em 20 de março de 1976 na famosa partida sob a neve de Kiev, contra a União Soviética. Entrou no decorrer da vitória de 1-0 substituindo um meia-armador, Ricardo Bochini. Foi a única vez em que o Passarella jogador sentou no banco da Albiceleste; além de dali para frente sempre ser titular, jamais seria substituído.

Em julho de 1976, era a vez de jogar a final da Libertadores. Foram três decisões contra o campeão Cruzeiro, mas aquele fenômeno só esteve na segunda, justamente a única ganha pelos argentinos, bastante desfalcados com lesões para a terceira. Foi um ano amargo ao River, que ainda viu o Boca também obter tanto o Metropolitano como o Nacional. Mas foi o ano da explosão do zagueiro-artilheiro, a marcar em dezoito jogos. Com direito a um hat trick sem precisar de pênaltis, ao marcar os três do 3-0 no Racing. Foram 14 gols no Metropolitano, suficientes para fazer dele o goleador do elenco millonario.

No Nacional, marcou no Superclásico na Bombonera em um 1-1 na fase inicial, outro no Racing (4-2) e sobretudo o único gol da semifinal contra o fortíssimo Talleres da época, colocando o River na decisão que perderia para o rival. Em 1977, o time recuperou o título Metropolitano, com Passarella marcando “só” oito gols, dois deles em confrontos capitais: de pênalti, empatou a partida que o clube venceria de virada o Boca em La Bombonera, na penúltima rodada; e fez também na rodada final, na partida do título contra o Ferro, batido por 4-2. No Nacional, foram mais cinco gols, mas os ressecados campeões do Metro não passaram da duríssima fase de grupos onde só o líder (Talleres) avançava.

Recém-chegado no River e a amarga despedida: vencendo o Boca, mas sendo expulso em 1989

Em paralelo, Passarella seguia intocável na seleção, que, sem jogar as eliminatórias por ser sede da Copa de 1978, fez em 1977 uma bateria de amistosos contra seleções fortes. Neles, o zagueiro marcou três gols, na derrota de 3-1 para a Alemanha Ocidental, no empate em 1-1 com a forte Escócia da época e o único da partida contra a Iugoslávia. Em 1978, ausentou-se de quase todo o Metropolitano em nome da concentração que Menotti iniciou desde janeiro com os pré-convocados. Nos amistosos finais, foram mais três gols, no 3-1 sobre o Peru em Lima e os dois no 2-0 sobre a Romênia. Ali ganhou a braçadeira, ante a desistência em fins de 1977 do então capitão Jorge Carrascosa.

No torneio, o zagueiro abriu o placar com uma pancada de pênalti na vitória sobre a França, classificando por antecipação os anfitriões à segunda fase – e também eliminando por antecipação Michel Platini e colegas. Na tumultuada batalha de Rosario, era ele quem conseguia empregar desarmes limpos, chegando a roubar a bola de Roberto Dinamite. Contra o Peru, forneceu de cabeça a assistência para Leopoldo Luque marcar o quarto dos 6-0. Foi esse o gol que classificou os hermanos à final. Nela, o capitão quase marcou, em petardo de falta no início da partida, na primeira chance clara da Albiceleste. Em outro momento, emendou de primeira bola levantada por Jorge Olguín na sequência de outra falta; a bola passou por cima do travessão.

Aos 35, quase o goleiro holandês foi encoberto por um cabeceio do zagueiro, mas conseguiu espalmar para fora. Ainda antes do fim do primeiro tempo, outro cabeceio do Kaiser, à queima-roupa, foi parado a tempo pelo arqueiro Jan Jongbloed. Passarella não marcou, mas pôde iniciar a jogada do segundo gol argentino, iniciada em cobrança de falta desferida por ele desde a defesa: a bola chegou a Daniel Bertoni, que entregou para Mario Kempes finalizar o serviço. E quase em seguida veio o terceiro, em nova cobrança de falta em que Passarella buscou Bertoni, que dessa vez concluiu diretamente, acertando o travessão.

Base daquela seleção, o River, recuperando os desfalques dos seus cinco campeões mundiais, chegou à final do Nacional, perdida para o Independiente. Mas em 1979 teve troco: as semifinais do Metropolitano seguinte foram contra o Rojo, com Passarella marcando nos dois jogos: 4-3 em Núñez e 2-1 em Avellaneda. Na final, o Vélez não foi nada páreo, levando de 7-1 no agregado. Adiante, o Millo, tal como em 1975, faturaria também o Nacional, campanha que contou com cinco gols de seu capitão, incluindo no Superclásico empatado em 1-1 e no 4-0 na semifinal com o Rosario Central. Em paralelo, marcou cinco também pela seleção ao longo daquele 1979 (incluindo um sobre o Brasil, no 2-2 na Copa América), suficiente para ser o artilheiro da Albiceleste na temporada!

Copa de 1978: abrindo o placar sobre a França e anulando Roberto Dinamite

O bi anual de 1979 virou um tri seguido em 1980, com oito gols de Passarella (um deles na vitória de 2-1 sobre o Boca)em um Metropolitano obtido duas rodadas antes de antepenúltima. No Nacional, porém, o time caiu no primeiro mata-mata, para o Newell’s, vencedor de um maluco 8-5 agregado. O River, apesar dos oito gols de Passarella, também foi incapaz de oferecer resistência ao Boca maradoniano que ganhou o Metropolitano de 1981. Somado às constantes decepções na Libertadores, que em 1981 parou o Millo ainda na primeira fase, encerrou-se um ciclo com a demissão do técnico Labruna. Seu substituto foi Alfredo Di Stéfano, que faturou o Nacional agraciado com sete gols do zagueiro, incluindo um em vitória por 3-2 sobre o Boca na Bombonera e outros nas quartas-de-final (2-1 no Rosario Central) e semi (1-1 com o Independiente em Avellaneda).

Tal como em 1978, em 1982 Menotti promoveu uma longa concentração desde o início do ano. Dessa vez, a receita não funcionou, não bastando o gol de Passarella para evitar a fatal derrota para a Itália no triangular da morte que envolveu também o Brasil. Na eliminação, destacou-se por não querer trocar de camisa para então, na privacidade do hotel, não segurar mais o choro – segundo ele, na única vez que não os evitou por futebol. Jamais venceu os canarinhos como jogador.

Vendido à Fiorentina ainda antes do torneio por uma transferência recorde para um zagueiro argentino (1.750.000 de dólares), deixou o River também como jogador que mais vezes o representou na seleção: foram 52 partidas. A equipe italiana o conhecia bem: sofrera dois gols dele em vitória de 5-3 da seleção argentina, em amistoso não-oficial travado em Florença em 29 de agosto de 1981. No calcio, ele engrenou na segunda temporada: a Viola, com sete gols dele, incluindo sobre Inter (nas duas partidas) e Milan, ficou em terceiro. Na terceira, o clube de Florença foi apenas nono, mas o argentino deu-se o gosto de marcar em vitória sobre a rival Juventus (campeã europeia na temporada) em Turim.

Em paralelo, Passarella foi o grande nome da suada classificação argentina à Copa de 1986. Na rodada final, o Peru conseguia vencer de virada dentro do Monumental, resultado que colocaria os hermanos no perigo de uma repescagem. Mas a dez minutos do fim, com bola rolando, o zagueiro se aventurou como atacante e arrematou. A bola bateu na trave e sobrou para Ricardo Gareca emendar às redes um gol moralmente atribuído ao capitão, tanto que foi o chute dele e não Gareca que estampou a capa da principal revista esportiva do país, a El Gráfico.

Mantendo a camisa argentina na eliminação de 1982 e classificando-a para 1986. Na final, sem jogar, pôde apenas interagir com Rummenigge, dali a semanas colega na Inter

Embalado, o Kaiser conseguiu na temporada 1985-86 o recorde de gols para um zagueiro na Serie A: onze, o suficiente para ficar em quarto na artilharia geral, igualado a Maradona, um gol abaixo de Platini e dois abaixo de Karl-Heinz Rummenigge. Quatro dos gols de Passarella vieram no trio principal, nas vitórias de 2-0 sobre Milan, dois no 3-0 na Inter e outro no 2-0 sobre a campeã Juventus. A Fiorentina ficou em quarto. Infelizmente, os deuses do futebol não permitiriam que aquela fase oferecesse ainda mais brilho à Argentina campeã da Copa de 1986. Acometido por desarranjo digestivo, Passarella ficou de fora de toda a campanha. Felizmente, um desses deuses incorporou em Maradona naquela competição. O zagueiro tornou-se o único argentino bicampeão mundial, mas já declarou que não se sente parte de 1986.

Despediu-se oficialmente da seleção em 4 de maio, no 7-2 sobre Israel, último país enfrentado antes da Copa – ainda entraria em campo em 15 de maio, em duelo não-oficial com o Junior de Barranquilla (0-0). Dali rumou à Inter, perseguidora do campeão Napoli maradoniano na temporada 1986-87: foram quatro pontos a menos. Passarella jogou mais uma temporada na Itália, deixando seis gols incapazes de levar o time de Milão além do quinto lugar na temporada 1987-88.

Aos 35 anos, declarou-se aposentado até ser novamente convocado por Menotti, dessa vez para defender o River, que contratara o velho treinador da seleção. Passarella chegou até a pedir desculpas públicas por não ter pensado em voltar à velha casa. O time não deu combate ao campeão Independiente, mas Passarella somou nove gols, acumulando exatamente 99 nos campeonatos argentinos. Já a despedida foi agridoce. Vencendo o San Lorenzo em dois jogos na virada de agosto para setembro, o River daria volta olímpica na liguilla, torneio-repescagem que oferecia a outra vaga na Libertadores. Antes, foram necessários três Superclásicos, e após dois 0-0 o Millo levou a melhor sobre o Boca com um 2-1 no estádio neutro do Vélez.

Nessa partida, em 27 de julho, o capitão terminou expulso. Foi seu ato final: em 3 de agosto, anunciou em coletiva que “prefiro me retirar no momento adequado, em um bom nível e quando todos, absolutamente todos me pediam que seguisse. A decisão foi estritamente pessoal e a vinha amadurecendo faz tempo. O fato de que todos queriam o contrário, isto é, que continuasse jogando, me deu mais forças. Uma coisa é sair por vontade própria e outra muito diferente é que te digam para saíres”.

Passarella de bem com Batistuta e Caniggia e sondado pelo Boca em 1998: sim, isso tudo existiu

Exatamente cinco meses depois, em 5 de janeiro, ele era anunciado como novo treinador millonario, substituindo o breve período da dupla Reinaldo Merlo-Norberto Alonso, que preferiram sair com a não-reeleição em dezembro do presidente que os contratara. Pegou o então vice-líder com futebol defensivo para um time que pressionava intensamente os adversários, ainda que preferindo o iluminado caneludo Ramón Medina Bello ao diamante não-lapidado Gabriel Batistuta. Goleadas ficaram mais frequentes e o time foi campeão na antepenúltima rodada. O River, após ser campeão somente em 1986 entre 1981 e 1990, iniciava fase prolífica de quase um título por ano na nova década.

No Apertura 1991, Passarella conseguiu algo inédito no profissionalismo argentino: oito vitórias nas oito primeiras rodadas. O título se garantiu antes mesmo da antepenúltima rodada. Após alguma entressafra, veio o Apertura 1993 (finalizado só em março do ano seguinte), marcado pela aposta na base: Ariel Ortega, Hernán Crespo, Matías Almeyda e Marcelo Gallardo tinham entre 18 e 20 anos e conseguiram ali o primeiro título como titulares ou semititulares, ainda que com mais solidez do que brilho. Despediu-se ao fim do Clausura para assumir a seleção pós-Copa 1994 e, a despeito das famosas polêmicas contra brincos e cabelos compridos, era um treinador apoiado pelos jogadores.

Está lá, em El Gráfico de 1996: Passarella aos sorrisos com os cabeludos Batistuta e Claudio Caniggia, em ótima fase no Boca e de quem o Kaiser não abriu mão até o próprio jogador tirar um ano sabático devido ao suicídio da mãe, em setembro, causa mais determinante para seu afastamento. Já Fernando Redondo não teria aceitado virar meia-esquerda e não renegou apenas Passarella, já tendo recusado-se a jogar a Copa de 1990 por desaprovar Carlos Bilardo (dando uma justificativa estudantil que depois provou-se falsa) e pedindo para deixar a seleção em 1999, quando o treinador já era Marcelo Bielsa. O título mundial não veio por falta de méritos. Ficou ao menos a vitória sobre o Brasil no Maracanã em 29 de abril. Os hermanos não venciam no estádio desde 1957, na famosa estreia de Pelé. E desde então não ganharam mais o clássico em terras tupiniquins.

Como epílogo: o desejo de Mauricio Macri era inicialmente pelo único superado por Ronald Koeman como maior zagueiro-artilheiro do futebol, e não Carlos Bianchi (que, inversamente, era torcedor do River na infância…) para treinador do Boca em 1998. O resto foi a história errática de ciclos menos gloriosos pela seleção uruguaia, Parma, Corinthians, um River sem títulos (mas invicto no Superclásico) e a desastrosa presidência assumida ainda em 2009 sem evitar o rebaixamento dois anos depois…

Atualização em 9-12-2021: dedicamos este Especial à curiosa passagem de Passarella como técnico do Uruguai e sua quase-contratação pelo Boca em 1998.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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