Sumido da elite desde 1984, natural que o Atlanta sempre exalte sua maior conquista no futebol, há exatos 60 anos. Mas é um desleixo as lembranças à Copa Suécia se resumirem à única estrela bordada no distintivo do pequeno clube do bairro portenho de Villa Crespo. Afinal, aquele elenco do Bohemio germinou, direta ou indiretamente, peças vitais para quem adiante venceu a liga nacional por outros times “fora do eixo”, a Libertadores e a própria Copa do Mundo. Além de fazer do clube o primeiro não-grande a levantar um troféu profissional da AFA em disputa corrida com todos os times da primeira divisão.
Uma prévia disso foi dada anteontem, no especial dedicado ao goleiro em campo pelo lado vencedor naquele 29 de abril de 1960, o ex-vascaíno Néstor Errea – ele próprio titular do Boca vice da Libertadores em 1963, semifinalista com o Peñarol em 1967 e campeão pelo Estudiantes na edição de 1970, a última do tri seguido do time de La Plata. Já ali contextualizamos a força que o Atlanta vinha exercendo no fim dos anos 50. O time tentara dar seu primeiro salto em 1947, ao contratar treze reforços estrelados, principalmente da poderosa La Máquina do River: o arrojado goleirão peruano José Soriano, o eficientemente ambidestro ponta Aristóbulo Deambrossi, Eligio Corvalán e a mais badalada, o atacante Adolfo Pedernera, exaltado por Alfreo Di Stéfano como maior jogador que vira. Detalhe: seriam 14 o número de reforços se o clube efetivasse a contratação de um certo uruguaio de sobrenome Ghiggia, desaprovado após um único amistoso.
O elenco continha ainda um defensor titular na Copa América vencida pela Argentina em 1946 (León Strembel) e o veterano ex-vascaíno Bernardo Gandulla, antigo artilheiro de Boca e Ferro Carril Oeste. Mas, incrivelmente, aquele supertime terminou rebaixado. Foi o primeiro descenso bohemio, um dos últimos times chicos a caírem; até mesmo Vélez e Argentinos Jrs, hoje expressivos até continentalmente, já haviam experimentado o descenso antes, assim como o arquirrival Chacarita, o Quilmes, Rosario Central, Tigre, Banfield, Gimnasia LP e Ferro Carril Oeste. Em 1949, o tapetão devolveu o Atlanta à elite, aproveitando-se do grande êxodo de craques ao Eldorado Colombiano. Mas o time tornou a cair em 1952. Para voltar à elite no campo, socorreu-se em Victorio Spinetto. Sob ele, o acesso veio em 1956 e a manutenção de categoria, em 1957.
Bem, se parte do contexto do Atlanta foi relembrado anteontem na nota sobre Errea, a de ontem (sobre os 50 anos de Diego Simeone) apresentou o tal Spinetto como o técnico do time dos sonhos que elegemos para o Vélez nesse 2020. Foram mais de dez anos seguintes à frente de La V Azulada, desatolando-o da segundona (e da beira da própria extinção) em 1943 e levando-o ao vice-campeonato em 1953 – campanha onde um de seus pupilos foi o meia-direita Osvaldo Zubeldía, trazido para o Atlanta também já como um veterano. Como treinador, Zubeldía levaria ao Estudiantes tri da Libertadores de 1968-70 os ensinamentos deixados pelo mestre Spinetto em jogadas ensaiadas e em aproveitar brechas regulamentares para fazer frente aos cinco grandes. Ingredientes que por sua vez seriam repassados ao pupilo Carlos Bilardo, volante daquele elenco de La Plata e técnico da Argentina campeã de 1986.
Outro nome histórico dentre os técnicos argentinos cultivados no bairro de Villa Crespo na época foi o de Carlos Griguol, então volante que treinaria o Rosario Central vencedor de 1973 e, sobretudo, os únicos títulos do Ferro Carril Oeste na elite (feio mas muito eficaz em 1982 e em 1984) e os vistosos momentos do Gimnasia LP vice em 1995 e 1996 – sendo eleito por nós para o time dos sonhos da equipe do bairro de Caballito e também da outra paixão de La Plata. Ferro que chegou a contar também com o preparador físico Adolfo Mogilevsky, um dos pioneiros da área (com muitos créditos no Banfield de 1951, quase o primeiro time pequeno a vencer a liga argentina profissional), outra cara daquele Atlanta da virada dos anos 50 para os 60.
Quer mais um nome seminal da tática e da preparação física do que se viu no futebol argentino dos anos 60 aos 80? O treinador que ergueu a taça de vidro da Copa Suécia há 60 anos foi Manuel Giúdice, que em 1964-65 conquistaria com o Independiente as duas primeiras Libertadores do Rojo e do país. Torneio levantado também por outras figuras formadas pelo Bohemio, com o Nacional uruguaio (em 1971) e o Boca (no bi de 1977-78) conseguindo-o pelas primeiras vezes sob o respectivo protagonismo do superartilheiro Luis Artime e do sucessor de Errea no gol bohemio, Hugo Gatti – que viria a ser também o recordista de jogos no campeonato argentino e único goleiro aproveitado pela seleção vindo tanto do River como do próprio Boca.
Mas voltemos a fita. Após os grandes craques argentinos terem atravessado o Rio da Prata para disputar a Copa de 1930, a Albiceleste cometeu diversos erros históricos pelos mundiais seguintes. Em 1931, seus principais clubes – dentre eles, o Atlanta – romperam com a associação oficial perante a FIFA em prol de um campeonato mais interessante financeiramente. A associação só foi ceder em 1935 ao fato consumado, se deixando absorver pela liga profissional para criar a atual AFA. Mas isso se deu tarde demais para a seleção ser devidamente representada no Mundial de 1934, para o qual só atletas formalmente amadores (e mais fracos) foram enviados à Itália; os cartolas da liga profissional temiam não ver a cor do dinheiro caso suas estrelas fossem cooptadas pelos europeus, tendo em vista o caráter “pirata” da liga até então. E a bola nela seguiu rolando normalmente.
Então, de 1938 a 1954 a ausência se deveu por politicagens da própria AFA, que primeiro retaliou ter perdido para a França a condição de sede em 1938, crente de um dever moral de alternância entre América e Europa na recepção do torneio; em 1950, as relações estavam rompidas com a CBD desde as cenas lamentáveis na Copa América de 1946, e havia temor de vexame diante do recente êxodo de grandes craques para uma outra liga pirata, a daquele Eldorado Colombiano – fator que pesou para o próprio presidente Perón vetar a participação hermana também na Copa de 1954. A seleção sequer participou das eliminatórias a esses três mundiais e, tal como em 1934, a bola seguiu rolando normalmente.
Para 1958, enfim, a maior campeã continental voltaria em peso à Copa do Mundo, trazendo um problema praticamente inédito aos grandes clubes: embora o Mundial se desenrolasse entre 8 e 29 de junho, o longo de junho, desde a segunda quinzena de março os times estariam desfalcados dos convocados, concentrados para a série de amistosos pré-Copa – que começaram em 16 de março contra a seleção da liga de Mendoza, seguindo contra a de San Juan (dia 19), o Uruguai (6 de abril), a seleção provincial de Paraná (13 de abril), o Paraguai (20 de abril e 26 de abril), novamente o Uruguai (30 de abril), o Colo-Colo (4 de maio), a seleção do sul da província de Buenos Aires (11 de maio), e, já na Europa, a Internazionale (21 de maio) e o Bologna (29 de maio) antes da estreia na Suécia no próprio dia 8 de junho.
O campeonato argentino de 1958 começou em 23 de março, mas foi pausado após a terceira rodada, entre 3 e 6 de abril, antes do ciclo mais sério de amistosos – com o Atlanta inclusive somando três vitórias seguidas de 2-1. Para manter os clubes em atividade (física e financeira) frente a uma situação a qual não estavam acostumados, a AFA então idealizou um torneio com as mesmas equipes da primeira divisão, separadas em dois grupos, com seus líderes travando a finalíssima após turno e returno no interior das chaves. Cada grupo deixou rivais separados: o A continha Boca, Estudiantes, Huracán, Newell’s e Racing, além de Tigre, Vélez e o Central Córdoba de Rosario, sem seus respectivos rivais na elite. Já o grupo B continha respectivamente River, Gimnasia, San Lorenzo, Rosario Central e Independiente, além de Lanús, Argentinos Jrs e… o Atlanta.
Ao menos 11 das 14 rodadas poderiam ser disputadas até 29 de junho, data agendada para a final do Mundial. Em referência a ele, o torneio foi denominado de Copa Suécia – cujo Embaixador na Argentina, Carl-Herbert Borgenstierna, providenciaria o troféu. E o Atlanta estreou em 20 de abril com um triunfo ressonante. Sem nenhum desfalque para a seleção, o Bohemio goleou por 4-1 dentro do Monumental um River sem sete convocados: o goleirão Amadeo Carrizo, a dupla de zaga Federico Vairo e Alfredo Pérez, o volante Néstor Rossi, os meias Eliseo Prado e Norberto Menéndez e o ponta Roberto Zárate, que adiante terminaria cortado e seria substituído na lista por outro millonario, um veteraníssimo Ángel Labruna.
Ainda disponível, Labruna participou da goleada na escalação Orfeo Cortés; Julio Venini, Raúl Hernández; Oscar Mantegari, Juan Urriolabeitía, Pascasio Sola; Rodolfo Micheli, Miguel Ángel Rodríguez, Juan Vairo (irmão do convocado Federico), Labruna e Héctor de Bourgoing (que, presente com a Argentina na Copa América de 1957, iria à Copa de 1966 pela França das raízes). A escalação vencedora, por sua vez, foi alinhada por Victorio Spinetto com Ángel Rocha; Oscar Clariá, Marcelo Etchegaray; Norberto De Sanzo, Carlos Griguol, Rodolfo Bettinotti; Alberto Dezorzi, Osvaldo Güenzatti, Salvador Calvanese, Osvaldo Zubeldía e Mario Katzman. Calvanese e Katzman abriram dois gols de vantagem, aos 4 e aos 37 minutos do primeiro tempo, respectivamente. Aos 3 do segundo, Calvanese ampliou. Vairo descontou aos 20, mas Güenzatti liquidou aos 28.
Em 27 de abril, o Bohemio recebeu o Independiente, desfalcado do lateral David Acevedo, do volante José Varacka e do ponta Osvaldo Cruz (campeão com o Palmeiras da Taça Brasil em 1960). A única alteração em relação à estreia foi Juan Asprela no lugar de Griguol e, novamente, os atacantes auriazuis somaram quatro gols no placar. Sesti abriu o marcador para o Rojo com dez minutos em Villa Crespo, mas já aos quinze Dezorzi empatou antes de Calvanese começar seu show, virando aos 35. Bonelli empatou aos 38, mas ainda aos 43 os anfitriões comemoraram novo gol de Calvanese, que anotou sua tripleta aos 12 do segundo tempo. Placar final, 4-2. Em 4 de maio, a mesma escalação goleadora contra o Independiente então visitou o Lanús, desfalcado pela seleção no zagueirão José Ramos Delgado (futuro ídolo santista) e no tanque Alfredo Rojas.
Mas os grenás tinham consigo outro futuro argentino da seleção francesa (Ángel Rambert, pai de Sebastián Rambert, figura do Independiente noventista e última transferência direta entre Boca e River até hoje) e souberam prevalecer pelo placar mínimo – ainda que por conta de um gol contra de Clariá. O segundo revés seguido deu-se em 11 de maio. Spinetto trocou outra peça em relação ao jogo anterior, inserindo o meia Mario Griguol (primo do volante Carlos) no lugar de Güenzatti. A mudança foi premiada, mas a vitória não veio em Villa Crespo em um jogo frenético nos primeiros e nos últimos minutos: Dezorzi abriu o placar com 8 minutos, mas aos 11 o Gimnasia, sem desfalques, empatou. Foi com Villegas, que virou aos 37. Mario Griguol então “contravirou” com gols no segundo tempo, aos 25 e aos 43, mas o estraga-prazeres Villegas teve tempo de alcançar a tripleta aos 44.
Em 18 de maio, novo baque, na visita ao San Lorenzo, desfalcado de dois atacantes para a Suécia: Norberto Boggio e o maior artilheiro azulgrana, José Sanfilippo. De volta ao time, Güenzatti abriu o marcador em Boedo e Bettinotti ampliou com 15 minutos de jogo. Mas os donos da casa viraram para 4-2, com Herrera diminuindo aos 31 e empatando aos 7 do segundo tempo e Héctor Facundo anotando os dois seguintes – convertendo dois pênaltis, aos 16 e aos 33. Güenzatti ainda diminuiu aos 35, mas ficou-se no 4-3. O Argentinos Jrs não se viu desfalcado, mas não foi um problema para o Atlanta vencê-lo mesmo fora de casa em 1º de junho, em gol solitário do veterano Zubeldía aos 10 minutos do segundo tempo. Nem o Rosario Central tinha homens na seleção, sendo um páreo duro em Villa Crespo.
Mottura, com dois minutos, pôs os rosarinos na frente e Mario Griguol empatou aos 12. Zubeldía virou aos 3 do segundo tempo, mas aos 4 os visitantes igualaram, com Rivero. Dezorzi, enfim, anotou o 3-2 e o 4-2, com gols aos 12 e aos 35 minutos. Em 8 de junho, os hermanos acordavam sob ressaca da derrota da seleção para a Alemanha Ocidental na estreia em gramados nórdicos, embora o revés para a detentora do título fosse compreensível. Começava o returno grupal e o River, já sem Labruna, visitou Villa Crespo com um time bastante diferente ao outrora goleado, especialmente na retaguarda: Luis Masuelli, Luis Pentrelli e Julio Nuín; Juan Carlos Malazzo, Henry Magri e Juan Urriolabeitia; Rodolfo Micheli, Hugo Zarich, Héctor de Bourgoing, Juan Vairo e Emilio Melón foram mais páreos. Güenzatti até abriu o placar com 7 minutos, mas a torcida local precisou resignar-se com o 1-1 alcançado por Melón aos 11 do segundo tempo.
O compromisso seguinte foi uma semana depois, em 15 de junho. E àquela altura a ressaca nacional era muito maior. Foi o dia do “desastre de Suécia”, a goleada de 6-1 para a Tchecoslováquia, a eliminar precocemente a Albiceleste ainda na fase de grupos de seu primeiro mundial “para valer” desde 1930. O Atlanta soube segurar o 0-0 em Avellaneda contra o Independiente. O problema seria o interesse geral pelo torneio-tampão. Mas a vida seguiu: em 22 de junho, Zubeldía, aos 5 do segundo tempo, anotou o único gol no duelo em casa com o Lanús e Jesús Fernández fez aos 12 do segundo tempo o único no pega com o Gimnasia em La Plata no dia 29. O campeonato argentino então recomeçou, com o próprio Atlanta voltando a enfrentar o Lanús, agora pela quarta rodada, em 6 de julho (derrota de 4-2). O conflito de datas com a liga seria uma constante para a subsistência da Copa Suécia.
O Bohemio fez mais três compromissos ao longo de julho pela liga (derrota em casa de 1-0 para o Vélez, triunfo de 3-0 sobre o San Lorenzo fora e um de 2-0 sobre o Newell’s) antes de um novo compromisso pela Copa: o San Lorenzo deu o troco, ganhando dentro de Villa Crespo por 2-0 em 6 de agosto, em jogo histórico para o futebol argentino – foi o primeiro da carreira de Carlos Bilardo, inclusive o autor dos dois gols azulgranas, que souberam triunfar mesmo enviado um elenco reserva, uma vez que esteve firme no páreo pela liga (terminaria a três pontos do título). O Atlanta, diga-se, também ia muito bem na liga em 1958. Foi um dos líderes do primeiro turno (“com um pouquinho mais de grana, seríamos campeões. Começaram as demoras para pagar e parece que não, mas isso atrapalha”, lamentaria o artilheiro Calvanese ao site Manicomio Bohemio) finalizando-a por sua vez a cinco pontos do campeão.
Mas, entendendo a oportunidade copeira, usou seus principais jogadores no jogo seguinte pela Copa, só encaixado já em 8 de outubro. Afinal, era a penúltima rodada e o time liderava seu grupo. Um dos poucos novatos entre os titulares fez ali a sua estreia oficial no time adulto: Luis Artime. O matador só integrou a campanha naquela partida, mas deixou sua marca, com dois gols (aos 8 do segundo tempo e aos 42) de um 4-0 no Argentinos Jrs. Dezorzi, aos 10 do primeiro tempo, e Bettinotti, aos 35 do segundo, completaram a goleada. Restava um duelo direto contra o Rosario Central, com o Atlanta podendo empatar. Mas a partida tardou até 5 de janeiro de 1959 para ser realizada, já após a liga de 1958. Juan Castro, porém, aguou a festa bohemia, marcando aos 8 do primeiro tempo e aos 18 do segundo os dois gols da vitória rosarina, a igualar a pontuação dos dois clubes. O Racing, em paralelo, aguardava.
O grupo do time de Avellaneda adiantara-se mais e fez a penúltima rodada ainda em agosto. Em 14 de dezembro, La Academia sagrou-se campeã da liga. E em 23 de dezembro, sapecou um 5-1 no Central Córdoba para garantir-se na decisão da Copa Suécia, a ponto de seu concorrente à liderança, o Newell’s, preferir o W.O. no compromisso final que teria já em 6 de janeiro com o Tigre. O Racing poderia vislumbrar a conquista de uma dobradinha, mas não seria tão simples forçar Atlanta e Rosario Central a um jogo-desempate nos escaldantes meses de pré-temporada. Até porque ambos ainda poderiam ser igualados na liderança pelo Lanús, que tinha pendente uma peleja com o Independiente. E em março a Argentina sediaria a Copa América, já com dois reforços do Atlanta: Güenzatti e Carlos Griguol. Ou melhor, três, pois o cargo de técnico foi exercido em triunvirato de Spinetto com José Bareiro (do San Lorenzo) e José Della Torre (do Racing e ex-jogador do America-RJ!). Ou cinco, pois Mogilevsky foi aproveitado como o preparador físico…
Em 4 de abril, a Albiceleste sagrou-se campeã no empate com o Brasil campeão mundial, resultado visto na época como atenuador da mancha dos hermanos na Escandinávia. Com a liga argentina de 1959 começando em 4 de maio, no fim de abril agendou-se o desfecho do Grupo B, em partidas de luxo como aquecimento ao campeonato. No dia 26, o Lanús deu adeus às suas chances, derrotado por 3-1 fora de casa pelo Rojo – dois gols foram de Roberto Saporiti, que teria uma efêmera passagem pelo Atlético Mineiro antes de auxiliar César Menotti na comissão técnica da Copa de 1978. Três dias mais tarde, então, os dois líderes confirmados do Grupo B travaram o jogo-desempate. Somando uma vitória a mais, o Rosario Central atraiu a partida para a sua cidade, embora realizada na “neutra” cancha do rival Newell’s.
O Atlanta teria técnico novo: com Spinetto na seleção, Juan Carlos Fonda foi o comandante que pôde, por sua vez, escalar reforços para a nova temporada, a exemplo do uruguaio Walter Roque. E este mostrou a que veio logo aos 3 minutos, ao abrir o placar. Mas o herói foi o goleiro Ángel Rocha, a pegar aos 40 minutos do segundo tempo um pênalti (após Bettinotti ter usado a mão na área) de Miguel La Rosa. O Bohemio estava na final, aguardada para o pós-temporada. Porém, uma nova Copa América foi agendada para dezembro, no Equador… por sinal, com três membros do Atlanta presentes: Bettinotti, Carlos Griguol e a revelação Errea, que tomara a vaga de goleiro a partir da décima rodada da liga, após lesão de Rocha.
Nisso, a tardia definição da Copa Suécia foi procrastinada para 29 de abril de 1960, exatamente um ano depois do jogo-desempate entre Atlanta e Central. Muita coisa mudou em Villa Crespo. Zubeldía, por exemplo, pendurou as chuteiras em 1959, iniciando de imediato sua vitoriosíssima carreira de técnico – sem que Fonda emplacasse, o próprio Spinetto reassumiu interinamente o cargo antes que ele fosse preenchido em triunvirato interino por 15 partidas naquele ano com os jogadores Juan Carlos Colman e Ángel Rocha. E somente quatro jogadores do Atlanta usados há 60 anos haviam participado da estreia, dois anos antes: De Sanzo, Carlos Griguol, Clariá e Bettinotti, estes dois dividindo o recorde de partidas pelos campeões (estiveram em todos os dezesseis jogos, com Bettinotti detendo inclusive o recorde de jogos pelo clube).
No ínterim até a final, presidência de Alberto Chissotti foi assumida em 1959 pelo principal cartola da história do clube, León Kolbowski, um polaco-lituano nascido no que hoje é a Bielorrússia e primeiro judeu a efetivamente assumir o cargo no clube que vinha sendo crescentemente abraçado pela comunidade israelita (aquele zagueiro León Strembel de 1947 já havia sido um exemplo disso, bem como o preparador Mogilevsky e o massagista Elías Yagodnik); o estádio que leva seu nome seria inaugurado em menos de um mês após o título, inclusive, no feriado nacional de 25 de maio. O cargo de técnico, por sua vez, já estava com Manuel Giúdice, que alinhou Errea; Clariá e Nuin; De Sanzo, Carlos Griguol e Bettinotti; Mario Griguol, Alberto González, Domingo Rodríguez, Roberto Bellomo e Walter Roque.
Pela frente, diante da arbitragem de Elías Duval Goicoechea, um poderoso Racing que (usando uma camisa reserva azul-marinho com três listras horizontais simulando a bandeira argentina no primeiro tempo), conservava a base campeã em 1958 e vice em 1959 – e que voltaria a ser campeã em 1961: Osvaldo Negri; Norberto Anido e Juan Carlos Murúa; Néstor de Vicente, Vladislao Cap e Julio Gianella; Manuel Murúa, José María Ferrero, Juan José Pizzuti, Rubén Sosa e Raúl Belén. Outro sinal das mudanças naturais de um torneio que atravessou três anos e duas temporadas (acarretando desinteresse escancarado nas arquibancadas do estádio neutro do San Lorenzo, onde só 8.300 pagantes compareceram há 60 anos) é que o primeiro herói de 60 anos atrás foi o zagueiro Nuín, ele próprio ex-adversário do Atlanta na campanha – naquele segundo jogo contra o River. Uma perfeita cobrança de falta dele aos 12 minutos encontrou as redes do arqueiro racinguista Negri.
O título ganharia ares de epopeia a partir de uma distensão muscular de Mario Griguol aos 24. Na época, as substituições eram autorizadas apenas para goleiros e os azarões precisaram jogar com dez homens por 66 minutos. Mas quem marcou outro gol no primeiro tempo foi o Atlanta mesmo, com um cabeceio de Roberto Bellomo, aproveitando a zaga adversária parada. Negri deixou o Racing no intervalo para a entrada de Ataúlfo Sánchez: curiosamente, esses dois goleiros foram mencionados de modo contrastante no oscarizado filme O Segredo dos Seus Olhos, mas com a visão favorável se destinando “ao grande Negri” enquanto o eu-lírico não queria “terminar como Sánchez”. O Racing voltou dos vestiários trajando a tradicional e poderosa camisa alviceleste e Rubén Sosa, que obviamente não é o uruguaio, havia aproveitado rebote de Errea (que completara 20 anos de idade na antevéspera) para descontar aos 17 do segundo tempo.
Mas aos 34 a fatura foi liquidada. Cap não afastou bem o estreante Alberto González venceu o tal Sánchez. O jovem ponta dali a dois anos viraria ídolo instantâneo do Boca, como seu Gonzalito que terminou aproveitado pela seleção na Copa de 1966. Mas ele estreara pela Albiceleste ainda como jogador do Atlanta, a exemplo de diversos outros campeões 60 anos atrás – como Errea (vendido ao Boca junto com González), o reserva Artime, Echegaray e Mario Griguol, por sua vez repassados ao River. E não foi preciso aguardar o desabrochar das revelações para que a conquista da Copa Suécia fosse vista de imediato como histórica: desde a implantação oficial do profissionalismo, em 1931, somente os cinco grandes – Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo – vinham dividindo os troféus em disputa pelas equipes da primeira divisão. Huracán (ainda visto como grande também), Estudiantes, Newell’s e San Martín de Tucumán até puderam levantar nos anos 40 variadas copas, mas todas em formato mata-mata desde o início e quase nunca com todos os times da elite nacional.
De ressaca, aqueles pioneiros despencaram para um 11º lugar no decorrer de 1960 e Giúdice foi substituído ainda naquele ano por Zubeldía, que relançaria o Bohemio para as cabeças até deixa-lo em 1965 rumo ao Estudiantes – justamente o clube que, sob seu comando, quebraria em 1967 o oligopólio dos cinco grandes também no campeonato argentino, feito que precedeu as conquista em série dos alvirrubros na Libertadores. Indiscutivelmente o maior técnico do time de La Plata, também escolhemos Zubeldía para o maior comandante do Atlanta na ocasião dos 110 anos do clube, em escalação que também teve Errea, Carlos Griguol e Artime como símbolos de um tempo em que a famosa broma autodepreciativa do ilustre torcedor judeu-argentino Juan Gelman (“sou Atlanta, mesmo que ganhe”) não era aplicável…
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