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60 anos de Ricardo Giusti, campeão em 1986 e maior “Rojo” da “Albiceleste”

O Independiente é daquele tipo de clube cuja história deixa os torcedores mal acostumados. Não basta ganhar, é preciso jogar bem. Na riquíssima história do time de Avellaneda, não faltaram jogadores refinados, do calibre de Raimundo Orsi, Antonio Sastre, Vicente de la Mata, Ernesto Grillo, Raúl Bernao, Claudio Marangoni, Gustavo López e, principalmente, Ricardo Bochini. Mas nenhum homem defendeu tantas vezes a seleção vindo dos Rojos quanto o volante Ricardo Omar Giusti, que representou a Argentina 53 vezes (ou 60, como veremos), todas como jogador do Independiente. El Gringo faz hoje 60 anos.

Torcedor do Newell’s, Giusti foi aprovado aos 14 anos em testes da Lepra, onde já jogava o irmão José Luis, também apelidado de Gringo – expressão que na Argentina também designa quem vem do campo. A alcunha se estendeu a Ricardo, filho de Arroyo Seco, cidade de menos de 30 mil habitantes do interior santafesino. Mais especificamente, de Albarellos, “localidade de gente humilde” onde “a atividade é a agricultura, só há trabalho vinculado a isso, e a maioria dos jovens vão embora. Em um momento tínhamos 1.500 habitantes, hoje são 300”, explicou ele em 2016 à El Gráfico.

“Então, durante um ano eu saía do colégio, tomava o ônibus de Bogado a Albarellos, minha velha me esperava na estação e me passava um sanduíche de milanesa pela janelinha e eu seguia até Rosario, onde treinava e tomava o mesmo ônibus à noite. Isso eu fiz um ano e meio até que fui viver em Rosario com um tio”. Giusti havia sido aprovado em 15 minutos por Jorge Griffa, consagrado no Newell’s e no Atlético de Madrid, cujo olho clínico esteve por trás das diversas revelações promovidas pelos rubronegros até o início dos anos 90, e depois pelo Boca.

Griffa foi fundamental também em não deixar Giusti desistir após dois anos, quando o garoto sentia grandes dores de coluna. Estreou no time adulto em 1975, época em que já começou a defender a Argentina – disputou o pré-Olímpico para os Jogos de 1976, etapa em que a Albiceleste usou basicamente jogadores do Newell’s, incluindo o inábil Marcelo Bielsa. Nos juvenis, Giusti era camisa 10, chegando a fazer seus gols. Mas não se deu tão bem na promoção ao time adulto. Foi recuado para a volância e, sem triunfar para a torcida leprosa, saiu em 1979 para o Argentinos Jrs de Maradona.

Ficou um ano e meio no clube do bairro de La Paternal. Após integrar o elenco vice-campeão do Metropolitano de 1980, até então o mais alto que o Argentinos Jrs alcançara no pódio, foi transferido a um Independiente em transição de eras: as figuras do tetra seguido na Libertadores entre 1972-75 saíam e o Rojo não era campeão desde o título nacional de 1978. Giusti integraria um quadrado mágico no meio-campo, com os citados Marangoni e Bochini, além de Jorge Burruchaga. Somente Marangoni não iria à Copa de 1986, e não por falta de classe.

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Os outros clubes de Giusti: Newell’s, com o irmão José Luis; Argentinos Jrs, com Maradona; e Unión, com o goleiro Nery Pumpido

O time voltou às cabeças e foi bivice para o Estudiantes no Metropolitano de 1982 e no Nacional de 1983, para então desafogar no campeonato seguinte. Mais do que o fim de um jejum de meia década – uma enormidade na época para a torcida, ainda mais mal-acostumada -, o Metropolitano de 1983 foi especialmente festejado pela taça ter se garantido justamente em um clássico contra o já rebaixado Racing. O rival visitou o Doble Visera para defender apenas o pouco de honra, mas a resistência ruiu ao fim do primeiro tempo. Graças ao Gringo, que não poderia ter escolhido ocasião melhor para marcar seu único gol em clássicos em toda a carreira.

“Dessa tarde sempre conto o mesmo a meus amigos: me mandei em grande pique pela direita, Bochini meteu o passe na medida, cruzei ao segundo pau e converti o 1-0 (…). Nesse dia, fomos mais para festejar o campeonato do que para ganhar do Racing, ainda há gente do Rojo que cruza por mim e me diz: ‘você participou do mais glorioso do clube’, mas não o tomamos assim. Hoje se festejaria mais mandar ao descenso o rival do que celebrar título próprio. As coisas mudaram muito”. O Independiente ainda faria 2-0 e graças ao título pôde disputar – e ganhar – sua sétima e última Libertadores, batendo o Grêmio em pleno Olímpico, partida que Giusti considera a melhor que o time já fez: “ganhamos por 1-0, mas foi um baile”.

Com o título, o Rojo também jogou e ganhou seu segundo e último Mundial, isolando-se até 2000 como time argentino mais vezes campeão do mundo. O volante já estava na seleção principal desde antes desse ciclo: estreou em um 2-2 amistoso com o Chile em 12 de maio de 1983. A boa fase clubística e a dedicação mantiveram o Gringo.

Não que ele tenha se entendido de primeira com Carlos Bilardo: “eu vinha de uma escola desordenada, a do Independiente, onde o único que fazia era ir à frente, e de golpe, Bilardo me impunha 4 horas em frente à TV para ver distintas funções. (…). Carlos me ligava à meia-noite, para ele não existiam horários. ‘Que estás fazendo, Giusti?’, me perguntava. ‘Dormindo, Carlos, o que estaria fazendo?’. Me pedia que visse determinado jogo, me perguntava no outro dia no treino. (…) Ou em qualquer tarde me dizia: ‘venha à AFA’ e nos metia três horas de vídeos. Havia que aguentá-lo, não era fácil. E não é como agora, que tens um compacto de jogadas ofensivas. Não, antes tinhas que ver os 90 minutos”.

Após os títulos internacionais de 1984, a torcida do Independiente teve de suportar outra enormidade de meia década, mas a paciência de Giusti foi retribuída na seleção. Esteve em todos os minutos na Copa de 1986, ainda que fosse outro nome discutido na convocação – como José Luis Brown, que fez 60 anos ontem (veja aqui), e Oscar Garré, que fez 60 anteontem (aqui). “Muito muito criticado, pau a pau com Garré. Mas também, minha função não reluzia, só importava para os de dentro”. De fato, o volante pouco participou ofensivamente: era o encarregado de estar de imediato no círculo central após os gols, comemorando-os não com os autores mas com outros colegas da defesa. Ficou mais recordado por respeitar uma das diversas superstições de Bilardo: enterrar um caramelo no círculo central antes das partidas, após a “receita” ter “dado certo” após a estreia.

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Giusti não foi derrotado em nenhuma partida de Copa. Jogou todos os minutos de 1986 e não esteve na estreia e na final de 1990

Na estreia, recebeu amarelo, o que na época significa jogar pendurado em todas as partidas seguintes. “Mas isso não me condicionou”, assegurou em 2011, também à El Gráfico. “Estrear em um mundial não tem nada a ver com nada. Eu já tinha 29 anos, mas ainda assim senti um cagaço. Eu me perguntava como seria jogar um Mundial, e nesse dia comecei a ter as respostas. Fui me adaptando com o correr das partidas”. O título argentino de 1988-89 pelo Independiente e um jogo arrasador pouco após a conquista, saindo do banco para marcar três vezes contra o Instituto, mantiveram-no para a Copa de 1990, mesmo aos 33 anos.

Não esteve na estreia por tendinite, enquanto que o cartão amarelo na semifinal, o segundo que recebia no torneio, já o suspenderia para a decisão mesmo antes de tomar o vermelho: “o jogou se parou por vários minutos. No segundo tempo, entrou Baggio, o garoto que surgia, olhei Bilardo e me fez sinal de que o seguisse. Me pegou em uma e eu, caladinho. Na seguinte fomos os dois buscar por cima, com veemência mas sem má intenção: ele se cai e todo o banco de reservas da Itália se levantou e gritou. O garoto era a figurinha, ficou no chão e depois de um par de minutos, o bandeirinha levantou a bandeira e disse ao juiz que eu havia lhe pegado e me expulsou”.

“Fui ao vestiário e, no caminho, encontrei um cara que estava na frente de um monitor, em uma salinha, dizendo coisas ao que estava relatando. Fiquei aí, olhando o monitor, eu vestido de jogador, os dois sós. Tratei de conter as emoções, mas quando Goyco pegou os pênaltis, gritei ‘vamos Argentina, carajo!‘ e saí correndo ao vestiário a esperar os muchachos. Depois passaram uns minutos e me dei conta de que não ia jogar a final. E aí fiquei mal. Esse contra a Itália terminou sendo meu último jogo na seleção”. Ao todo, foram 53 jogos oficiais pela Argentina. Ainda entrou em campo em sete partidas não-oficiais, contra clubes (2-1 no Napoli, 1-0 no Grasshoppers e 0-0 com o Junior de Barranquilla em 1986, derrotas de 2-1 para a Roma em 1987 e de 2-0 para o Monaco em 1990) ou seleções não-reconhecidas pela FIFA. Não chegou a marcar gols.

Só quatro jogadores representaram um clube na Albiceleste mais do que El Gringo: Javier Zanetti (136 dos 145 jogos foram pela Internazionale), Lionel Messi (116 jogos e contando, todos pelo Barcelona), Américo Gallego (63 de seus 73 jogos foram pelo Newell’s) e René Houseman (55 jogos, todos pelo Huracán). Giusti ficou mais um ano no Independiente. Saiu para o Unión, onde viveu rotina desconhecida: brigar contra o rebaixamento, sem sucesso. Dia que considera o mais triste da carreira e o único, além do título mundial, que o fez chorar por futebol.

Baque bem mais forte viria em 2000, quando, dirigindo o carro, sofreu acidente que vitimou sua esposa. Giusti, que segue mantendo a forma, atualmente é empresário de jogadores de Newell’s e Rosario Central e presidente do Sportivo Albarellos. É também sogro do goleiro Oscar Ustari, por sinal o último a participar de uma Copa do Mundo (em 2006) como jogador do Independiente.

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Outro ângulo daquele gol sobre o Racing. E em 1989, após marcar três vezes no Instituto

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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