O campeonato argentino de 1960 foi histórico por diversas razões. E se sabia disso desde o início: estrangeiros aportaram simultaneamente como nunca na dupla principal. Mas terminou por outros motivos. O nanico Argentinos Jrs fez sua primeira grande campanha no profissionalismo, muito antes dos tempos de Maradona (nascido naquele ano, aliás). E um gigante encerrou seu maior tabu profissional: depois de doze anos, o Independiente voltava a gritar campeão.
1960 ainda trazia resquícios da Copa de 1958, quando uma Argentina que se considerava favorita por dominar amplamente a América do Sul desde meados dos anos 30 caiu ainda na primeira fase, sofrendo sua mais elástica derrota (6-1 para a Tchecoslováquia). O River era a base daquela seleção, e muitos de seus jogadores terminaram criticadíssimos. O time havia sido tri seguido entre 1955 e 1957. Mas, abalado, decaíra de forma que em 1959 ficou a treze pontos do campeão (o San Lorenzo), algo jamais vivido no profissionalismo. Mal sabia que era só o início de um jejum que terminaria em 1975 apenas.
As coisas também não iam muito bem no Boca, que desde 1954 não sabia o que era título, tempo demais para o mais popular clube do país. Em 1960, Alberto Jacinto Armando, que já havia sido presidente nos anos 50, retomou o cargo – e dele só sairia novamente em 1980, não por acaso sendo o homem cujo nome batiza oficialmente La Bombonera. Ele e Antonio Vespucio Liberti, seu equivalente no arquirrival (Liberti batiza oficialmente o Monumental de Núñez) tiveram a mesma ideia: contra a queda de público e a aparante defasagem do futebol nacional, chamaram nomes estrangeiros.
O River, que em 1959 dispensara ídolos históricos do porte de Ángel Labruna, Eliseo Prado e Néstor Rossi (todos no vexame na Suécia), trouxe do Vasco o brasileiro Paulinho de Almeida, presente na Copa de 1954 e recentemente vice da Copa América de 1959, sediada na Argentina; e do Alianza Lima o atacante Juan Joya, que posteriormente faria história no Peñarol. Do mercado nacional, o reforço mais renomado foi o defensor José Varacka – que, por ironia, vinha dos anos de jejum do Independiente para passar a integrar os anos de jejum do Millo. Já o Boca também trouxe seu Paulinho, o Valentim, botafoguense que se tornaria o maior carrasco do River em jogos do campeonato argentino.
Também chegaram à Bombonera outro brasileiro, o palmeirense Edson dos Santos; outro uruguaio que seria ícone no Peñarol, José Sasía (então no Defensor), além de Walter Davoine (Rampla Jrs) e, como o River, um peruano do Alianza – Víctor Benítez, do Alianza. E, do Milan, voltava à Argentina o veterano meia-atacante Ernesto Grillo, que pelo clube italiano chegara a marcar na final da Liga dos Campeões contra o Real Madrid de Di Stéfano. Havia antes brilhado nos anos de jejum do Independiente.
De início, o River não se deu bem enquanto o Boca, sim: os auriazuis ficaram invictos nas dez primeiras rodadas, até perderem exatamente para o futuro campeão Independiente. Os xeneizes eram líderes até metade do segundo turno, com direito a um 3-1 no River com dois gols de Paulinho Valentim em sua estreia em Superclásicos. Valentim foi justamente o único reforço forasteiro que se destacaria; as outras novidades que vingaram eram nacionais: o goleiro Antonio Roma e o lateral-direito Silvio Marzolini, que chegaram do Ferro Carril Oeste para passarem o resto da década na Ribeira.
Já o River teve um início irregular. Mas, justamente após os 3-1 contra o Boca já na 18ª rodada, desempenhou grande reação. Nos doze jogos seguintes, os últimos do torneio, perdeu apenas um e venceu nove. Não foi o suficiente para chegar à última rodada com chances de título, embora ironicamente nela tenha garantido a segunda colocação. Mas colocou fogo no campeonato: venceu por 3-0 o Independiente na 25ª e, na antepenúltima, depenou o Argentinos Jrs, massacrado por 5-1.
Sem recursos, o Argentinos apostava na base (casos do atacante Martín Pando, do defensor Alberto Sáinz, ambos futuramente convocados à Copa de 1962, ou do defensor Mario Ditro, que defenderia depois tanto River como Boca) e em refugos de outros clubes (Valentino, Ramacciotti e Malazzo vieram do River e Carceo, do rival All Boys). A grande e barata campanha rendeu-lhe ali e alcunha de Bichos Colorados, que chegaram a ser líderes na 25ª rodada graças à derrota do Independiente para o River. O próprio campeão chegou a levar de 4-0 em casa daqueles abusados do bairro de La Paternal.
O declínio do Boca na reta final também envolveu o Argentinos: na 21ª rodada, os torcedores auriazuis, inconformados com derrota de 2-0, geraram grande confusão que acarretou na interdição da Bombonera até o fim do campeonato. Desde a implantação do profissionalismo, apenas os “cinco grandes” (Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo) haviam ganho o torneio, apesar de boas campanhas de alguns médios: o Estudiantes de 1931, o Gimnasia LP de 1933, o Huracán de 1939, o Banfield de 1951, o Lanús de 1956. Mas o Huracán era visto como “sexto grande” e os demais eram clubes de suas próprias cidades, onde naturalmente tinham grande apelo.
Já o Argentinos era um nanico de bairro na imensa Buenos Aires. Nanico que na segunda rodada fez 3-0 fora de casa no Ferro Carril Oeste. Que na terceira fez 5-1 no “grande” Huracán. Que na quarta sapecou um 4-1 em La Plata no Gimnasia. Que manteve a boa fase na quinta com um 2-0 no Chacarita e que na sexta segurou um 0-0 na Bombonera contra aquele Boca estrelado, para em seguida vencer por 3-1 Rosario Central e (fora de casa) Atlanta. No primeiro turno, ainda ganhou de 4-2 do Estudiantes.
A regularidade, porém, caiu no segundo turno. Apesar dos 4-0 no Independiente, de um 4-1 em La Plata no Estudiantes de um 3-2 fora de casa no Vélez, os Bichos também levaram de 4-1 do Chacarita e, em casa, não passaram de um 1-1 com o Ferro e caíram por 3-1 para o Lanús – estes dois lutavam contra o rebaixamento. O 5-1 sofridos para o River na antepenúltima rodada foram fatais, ainda que na penúltima tenham feito um 4-0 no Newell’s. O problema é que nessa rodada o já líder Independiente segurou o 0-0 em visita ao arquirrival Racing no Clásico de Avellaneda.
O empate foi uma vitória para a segunda melhor defesa do campeonato, que também recorrera a estrangeiros (os uruguaios Alcides Silveyra, Tomás Rolán e Vladas Douksas): os Rojos poderiam até perder na última rodada que seria campeão se o Bicho também caísse. Foi o que aconteceu. Curiosamente, quem vinha em terceiro, o Boca, já sem chances de título, também perdeu (2-1 para o San Lorenzo; os auriazuis cairiam para quinto). O Independiente visitou o Atlanta, que venceu pela diferença mínima a quinze minutos do fim.
Mas os de Avellaneda contaram com nova “ajuda” do arquirrival: o Racing fez 4-1 no sonho do Argentinos e acabou até ultrapassado nos critérios de desempate pelo River, que paralelamente venceu o Huracán. O recém-nascido Maradona levaria o Bicho ao vice-campeonato vinte anos depois, campanha falaciosamente vista como a mais perto do título que o clube de La Paternal chegou até então. É uma meia verdade: foi o mais alto no pódio, mas a nove pontos do campeão.
Já aquele Argentinos Jrs de 1960 chegou bem mais perto, ficando a dois de um Independiente que não encantou: os rojos só venceram duas partidas por mais de dois gols de diferença, um 4-1 no Gimnasia LP e um 3-0 no Rosario Central. Seu ataque fez simplesmente 19 gols a menos que o do Argentinos, imperando o pragmatismo necessário para quebrar o tabu vigente desde 1948, apesar dos bons momentos vividos no período. Como entre 1953 e 1955, quando o time cedeu todo o seu quinteto ofensivo à seleção (saiba mais), algo jamais visto na Argentina – o último remanescente dos cinco, o ponta Osvaldo Cruz (outro deles foi o mencionado Ernesto Grillo), saiu justamente naquele ano, para o Palmeiras, a tempo de marcar um dos gols do título na Taça Brasil.
A torcida roja, porém, se acostumaria tanto a um futebol bonito e a vitrines internacionais que não dedica tanta lembrança àquela taça. Injustiça: ícones das primeiras Libertadores vencidas pelo clube (e pelo futebol argentino) estavam lá, como o truculento defensor Rubén Hacha Brava Navarro, o meia David Acevedo (autor de “a camisa não se beija, se honra”) e os xerifes Roberto Ferreiro e Jorge Maldonado, que eternizaria o gesto de saudarem em linha horizontal a plateia com as mãos ao alto, com ele à frente. Havia até quem venceria a Libertadores pelo Racing, caso do reserva Norberto Raffo (justamente o artilheiro do título racinguista, em 1967). Para os fãs, muito pouco. Ainda não havia Mario Rodríguez, Raúl Bernao, Raúl Savoy, Miguel Santoro, Osvaldo Mura, para ficar apenas nos anos 60…
A rodada daquele 27 de novembro de 1960 também teve outro momento histórico: o único rebaixamento do Newell’s. Após levar de 4-0 para aquele Argentinos Jrs na penúltima rodada, os rubronegros enfrentariam o Ferro Carril Oeste, ressentido pela saída de Roma e Marzolini ao Boca (que os contratara em razão da melhor campanha do FCO na elite, um 3º lugar em 1959 quando o time recém-voltava de outra estadia na segundona): quem perdesse estaria rebaixado, mas os verdolagas tinham a vantagem do empate. E se safaram com o 0-0 em Rosario.
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