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55 anos de Luis Islas, goleiro reserva de 1986 e ícone dos anos 90

Grande nome do Independiente na primeira metade dos anos 90, Luis Alberto Islas Ranieri ainda tinha 30 anos incompletos quando encerrou em 1995 o mais longo de seus três ciclos no Rojo de Avellaneda. Mas já tinha uma considerável percorrida, com a carreira no futebol adulto já tendo tomado metade de sua vida até ali, com direito a um título de Copa do Mundo e outro mundial disputado pela Argentina. Uma carreira tão precoce como longeva que vale ser relembrada hoje, quando o goleirão completa 55 anos.

Seu pai também tentou ser goleiro, chegando até o time sub-19 do Huracán (clube do coração da família), mas Islas, nos infantis, jogava no ataque. A influência final foi Ubaldo Fillol, o mitológico arqueiro da Copa de 1978. Em 1984, Islas já admitia nessa matéria à El Gráfico: “é o goleiro que me serviu de modelo. Eu era atacante ou meia, nada a ver para agarrar. O Pato [apelido de Fillol] eu não discuto, não brigaria com ele pela posição”. Uma declaração e tanto para quem sempre demonstrou autoconfiança: naquela mesma matéria, declarava que “se sou o melhor dos daqui [Fillol estava no Flamengo] não posso dizer eu, o que digo é que não ando longe disso”. Uma outra entrevista, dada em 2003, já começa indagando-lhe se ele ainda se considerava o melhor: “intimamente, tenho a resposta. Intimamente. Mas se a expressasse, seria uma falta de respeito”.

Islas emulava mesmo Fillol no estilo. Caracterizou-se como um goleiro que atuava mais entre as traves, evitando gols mais por reflexões e boa impulsão do que por sair muito da pequena área a fim de diminuir ângulos. Naquela nota de 2003, admitiu que fazia muitas poses no início da carreira: “eu voava e queria escutar o ‘eeeeeeeehhhhh’ das pessoas, te juro, era assim. Caía no chão e esperava os gritos da torcida. Era um babacão. Agora, obviamente não”. Já no fim da carreira, ele só admitia como grande defeito o tiro de meta (“não chega nem sequer no meio-campo”), destacando-se como um goleiro “completo. Me adapto muito fácil a qualquer sistema. Jogo debaixo das traves e fora da grande área”. Islas nasceu em San Martín, cidade ao noroeste da Grande Buenos Aires que abriga desde os anos 40 o tradicional Chacarita Juniors. Mas segundo o goleiro, seu tamanho amor próprio o fez optar por deliberadamente começar lá por outras razões: era “um clube da primeira divisão, mas não dos maiores”, lhe permitindo “chegar mais pronto” a um grande.

Fato é que o goleiro ingressou no Chaca em 1978. Em 1980, ainda com 15 anos incompletos, já participava de jogos contra garotos de 18 ou 19. E, de modo ainda mais precoce, estreou no time adulto com praticamente 15 anos e meio, em maio de 1981, contra o Banfield – relembrando naquela nota de 2003 que “nunca me valorizaram ter estreado tão jovem na primeira divisão. E ainda por cima como goleiro! No arco, fazes uma cagada e tchau. Tinha medos e dúvidas, mas me ajudou muito minha personalidade. Se não tivesse essa personalidade tão forte, não teria conseguido”. Na estreia entre os adultos, o próprio técnico adversário, o folclórico Héctor Veira, buscou encorajar os comandados a chutarem de qualquer jeito naquele garotinho, “que deve ter um susto bárbaro”. Pois o pivete tratou de retrucar: “não podem nos ganhar, com essa cara vão ganhar de nós?”. Os tricolores venceram a terceirona daquele ano, mas com Miguel Ángel Rivera na titularidade. A estreia competitiva tardou até 1982.

O garoto saiu-se bem, talhando-se cedo nos duros jogos da divisão de acesso. Os funebreros não chegaram a subir, mas em uma edição com o ineditismo de um gigante (o campeão San Lorenzo), os tricolores fizeram a terceira melhor campanha da temporada regular, cavando a Islas uma transferência ao Estudiantes. Naquela nota de 1984, Islas se gabava: “tinha fé em mim. A fé é algo que em mim sai naturalmente, a tinha antes de estrear, sempre… eu não cometo trapaças, mas não aceito perder, se acontece eu aguento, mas… sou meio atropelado, impaciente. Quando estava no sub-19, queria o time principal. Quando cheguei no principal, queria a seleção, quando cheguei à seleção queria que me vendessem e veio o Estudiantes… agora quero jogar a Copa 1986 e depois ir à Itália ou Espanha. Jogar ou pelos menos estar lá, embora prefira ser titular”.

Exemplo da famosa cara de pau de Islas: formar-se no Chacarita e passar pelo Platense para depois defender o Tigre, forte rival dos dois

Recém-chegado ao Estudiantes, ele logo foi aproveitado mais pelas seleções juvenis, competindo no Sul-Americano sub-20 de 1983 entre janeiro e fevereiro e depois no Mundial da categoria, em maio. Assim, não tomou a titularidade de imediato na conquista do Torneio Nacional, mas chegou a tempo de aprender ainda no Pincha com Carlos Bilardo (“foi como meu pai no futebol”), que logo chegou à seleção amparado pelo título do Metropolitano de 1982, que o clube levantou já naquele início de 1983. Carlos Bertero seguiu sendo o goleiro titular para a Libertadores, como na famosa “Batalha de La Plata”. Até porque a seleção juvenil também rendeu as primeiras repercussões nacionais quanto ao temperamento forte do garoto. Islas também não se ajudava com a briga de gênios contra o treinador da seleção juvenil, Carlos Pachamé: “eu era um pouco louquinho e além disso Carlos não era exatamente um cara paciente”, admitiu em outra entrevista, em 1995. Na de 1984, as lembranças estavam mais frescas:

“Eu posso reconhecer uma coisa: que tenho um caráter impossível. E começou com o assunto do Sul-Americano na Bolívia. O árbitro nos apitou dois pênaltis que não foram e ainda por cima o brasileiro que meteu o segundo gozou de [Mario] Vanemerak. Todos se agarraram, eu fui um a mais, e resulta que quem terminou marcado fui eu. Por um tempo, me passou o pior desde que jogo futebol, ia a campo e me gritavam traidor da pátria. Sabes quanta amargura? Se me agarrei aos socos foi justamente por defender a camisa… o mesmo que no Paraguai com o Estudiantes. Fui o último a chegar ao lado do bandeirinha, não disse nada de diferente e expulsou somente a mim, me disse que estava acostumado a fazer confusão. Na próxima vez, ainda que me façam cinco gols em impedimento, tenho que me morder e quando termine o jogo chorar sozinho no vestiário. Mas também digo às pessoas que quando alguém se sente roubado e sobretudo representando a Argentina, é difícil se segurar. É algo que sai de dentro”.

A titularidade com o Estudiantes enfim veio em 1984, um ano que começou periclitante com a lanterna no grupo da Libertadores (quando houve a visita ao Olimpia referida acima) e uma eliminação ainda nas oitavas-de-final do Torneio Nacional. Mas as coisas se acalmaram no Metropolitano, iniciado ainda em abril, resultando em uma uma campanha de 3º lugar que o credenciou a estrear na seleção adulta em 1º de setembro daquele ano – em 2-0 amistoso sobre a Suíça em Berna. No mesmo mês, jogou outras duas vezes: 2-0 sobre a Bélgica em Bruxelas no dia 5 e 1-1 com o México em Monterrey no dia 19. Sempre como titular, como sempre ocorreria nas vezes em que foi colocado em campo. Em 1985, o Pincha ainda se colocou a quatro degraus do título do Torneio Nacional. Não era o bastante para desbancar o ídolo Fillol ou o experiente Nery Pumpido na seleção, mas Islas, com 20 anos incompletos, descolou mais três partidas pela Argentina: um 2-1 sobre a liga de Mendoza em jogo-treino ainda em 28 de fevereiro e dois amistosos contra o México, em novembro (dois 1-1, em Los Angeles no dia 14 e em Puebla no dia 17).

Surpreendentemente, Bilardo abriu mão de Fillol após a suada classificação à Copa, fazendo de Pumpido o titular. A boa fase de Julio César Falcioni no América de Cali vice da Libertadores ao fim de 1985 também foi ignorada. Mesmo sem ter jogado as eliminatórias, Islas foi confirmado na delegação convocada ao Mundial do México, ainda que seu Estudiantes caísse para um 16º lugar no campeonato argentino de 1985-86 (o primeiro a adotar calendário “europeu”). Ele ainda atuou em amistoso não-oficial com o Napoli em 29 de março (2-1, no San Paolo que hoje é o Stadio Diego Armando Maradona) e na vergonhosa derrota de 1-0 em Oslo para a semiamadora Noruega, mas Pumpido atuou em todos os minutos da Albiceleste na Copa. Se não entrou em campo, o mais jovem membro da última Argentina campeã mundial ao menos cavou transferência a um clube bem maior, o Independiente. “Aquela minha venda foi a segunda mais cara do país, atrás da de Diego [Maradona]”, gabou-se em 2003, em referência a operação de 380 mil dólares em valores da época.

Islas estreou com pompa em Avellaneda: embora ainda pertencesse ao Estudiantes quando decolara ao México (o goleiro é justamente o único a vencer a Copa do Mundo como atleta pincharrata), o novo clube, antes do pontapé inicial com o Platense pela rodada inicial da temporada 1986-87, incluiu o goleiro na placa presenteada aos jogadores da casa (junto a Bochini, Clausen e Giusti) recém-campeões mundiais com o país. Então veio um ligeiro pesadelo: “iam 20 segundos e eu já tinha um gol sofrido. Queria morrer. Sério, queria morrer. A jogada começou pela direita. [Miguel Ángel] Gambier a levou. Vi que ia chutar e me adiantei. Pegou forte e alcancei para espalmar. Caiu para [José] Vieta e já não pude recuperar-me”. Menos mal que o Independiente soube virar e vencer por 2-1 mesmo. O segundo jogo já foi um primeiro Clásico de Avellaneda, o primeiro desde o rebaixamento do Racing em 1983. Dessa vez o Rojo soube segurar o 0-0 como visitante. Mais complicado a Islas foi o duelo contra o outro Racing, o de Córdoba, pela 16ª rodada: pior que a derrota em casa foi a terrível fratura que o goleiro sofreu em dividida com Jorge Pajurek.

Na seleção de 1986, é o de jaqueta vermelha. Os outros são o atacante Borghi (moletom cinza), os zagueiros Ruggeri e Garré (este, atrás de Islas), o cortado atacante Oscar Dertycia, o preparador físico Ricardo Echevarría, o médico Raúl Madero, o chefão Julio Grondona, o técnico Bilardo, o assistente Pachamé e o zagueiro Cuciuffo

Mesmo sem Islas, o Independiente brigou até a rodada final pelo título daquele campeonato. O clube ficou em 3º e o goleiro voltou a ser utilizado na liguilla pre-Libertadores, torneio-repescagem que valia a segunda vaga argentina na competição continental. Na entrevista de 1995, recordou que “me operou o Dr. Fernández Schnoor [cartola histórico do próprio Independiente] e me deixou zero quilômetro. Mas o medo só perdi na final da liguilla de 1987, contra o Boca. Jorge Comas me meteu uma solada e não senti nada, já estava curado”. Islas e o clube inicialmente empataram em casa com o Boca em 2-2, mas puderam dar dentro da Bombonera uma esquecida volta olímpica ao triunfarem por 2-1 em 14 de junho, com o goleiro avaliado com um 10 pelo Clarín. Esse bom retorno e a bizarra lesão que amputou um dedo do concorrente Pumpido em treinos para a Copa América renderam a Islas uma primeira sequência de jogos com a Argentina: foram cinco entre junho e julho, ainda que a Albiceleste pela primeira vez não vencesse uma Copa América jogada em casa. O grande questionamento a Islas, porém, viria na fase de grupos da Libertadores.

O torneio começou já no segundo semestre de 1987 e na estreia contra o Deportivo Táchira ele levou em derrota fora de casa por 3-2 um insólito gol de goleiro desde a grande área adversária, algo inédito na competição e que ainda glorifica o tal Daniel Francovig entre os venezuelanos. O assunto rendeu tanto na entrevista de 1995 (“depois desse gol, joguei um ano embaixo do travessão… mas prefiro que me façam esse gol que me escape uma bola ou fure um cruzamento”) e 2003 (“por sorte, esse gol não afetou o resultado. Se nos deixasse de fora de uma Copa, por exemplo, teria me marcado”). O Rojo, de fato, recuperou-se, terminando líder do grupo com um sonoro 5-0 em casa na revanche contra o Táchira. E esteve no páreo para voltar à final de La Copa, mas perdeu a classificação ao cair dentro de Avellaneda para o futuro campeão Peñarol. Tamanho enfoque continental fez o time se poupar no primeiro turno do campeonato de 1987-88, a ponto de terminar só em 11º e de fora da liguilla.

Islas, por outro lado, seguia entoado pela plateia (“em Avellaneda há um goleiro, há um goleiro chamado Luis Islas, pega tudo o que lhe atiram, é o maior da Argentina” virou um clássico da torcida) e mantinha-se na seleção. Em 1988, o regulamento olímpico já permitia profissionais de qualquer idade, desde que não houvessem disputado nenhum jogo de Copa do Mundo, incluindo eliminatórias – a não ser que fossem amadores. Mesmo campeão do mundo, a concorrência com Fillol em 1985 e com Pumpido em 1986 permitiu que Islas se encaixasse nos critérios. E ele disputou os Jogos de Seul, após quatro partidas prévias pelo Torneio Bicentenário da Austrália, em conexão em julho na viagem à Coreia. A Albiceleste caiu nas quartas nas Olimpíadas, no finzinho contra um Brasil cheio de futuros tetracampeões, ressaca que o goleiro curou em partes com o título argentino de 1988-89 (a última taça da Era Bochini). Em partes, porque não se dava bem com o treinador Jorge Solari: “o considero um diretor dos clubes. Mandava os jogadores organizarem rifas, nos fazia encher balões…”, resmungou na entrevista de 1995.

Na época, o goleiro perdeu a queda de braço. E atirou em 2003 contra o ex-colegas: “às vezes é mais fácil estar do lado do técnico, porque assim já sabes que tens o salário assegurado. Só briguei com dois [técnicos] e tive vinte. Com 18 tive relação bárbara e se  com todos me relacionasse bem, seria um hipócrita. Se me respeitam é muito fácil trabalhar comigo”. Nesse tiroteio, ele foi negociado com o Atlético de Madrid ainda em abril, embora seguisse na América do Sul até o fim da temporada. A polêmica não foi um obstáculo à convocação para a Copa América de 1989 (Islas fez até dois jogos, contra Chile e Equador, na primeira fase), mas ele sequer estreou pelo Atleti: foi imediatamente renegociado com o Logroñés para a temporada espanhola de 1989-90. A entrevista de 2003 destaca que, com apenas alguns dias em Logroño, já havia quem pedisse por um monumento para homenagea-lo. O 7º lugar daquela temporada segue sendo a mais alta colocação daquele clube em La Liga e fez o argentino ser eleito o melhor goleiro daquela edição.

Ali, sentiu-se muito à vontade para ser temperamental (“foi mais fácil que aqui ser tão frontal. Na Espanha, assinas e te esqueces de tudo. Em nosso país, ao contrário, tens que estar discutindo porque não te pagam, ou te pagam mal, ou te devem três meses”), só tendo preferido voltar rapidamente ao futebol argentino por saudades de casa: “eu sou um cara muito sentimental e amo a Argentina. Estive um ano e meio na Espanha, arrebentei e me escolheram o melhor goleiro do campeonato. Mas quis voltar”. Essas frases saíram da entrevista de 2003, assim como sua explicação à polêmica atitude de renunciar à seleção às vésperas da Copa do Mundo de 1990 (antes que a Panini cancelasse a tempo sua figurinha). Estava revoltado em permanecer na reserva para Pumpido (àquela altura um rival com quem sequer conversava), que vinha de disputar a segundona espanhola com o Real Betis: “não vou ser hipócrita. Analisando isso, acreditava que tinha que jogar eu. Até que, dois meses antes do Mundial, Bilardo me disse que não ia estar no primeiro jogo. Se não houvesse me dito isso, teria ido e, se não me calhasse jogar, teria apoiado desde fora como em 1986. Mas me tiraram o sonho. Por isso, decidi não ir”. Não faltaria ironia após a postura revoltada de Islas…

Os dez anos de Islas pela Argentina (1984-94) o viram esporadicamente em campo, pois concorreu com Fillol, Pumpido e Goycochea. As imagens são de seus torneios como titular: Copa América de 1987, Olimpíadas de 1988 e Copa do Mundo de 1994

Pumpido precisou ser cortado após fraturar-se no segundo jogo e o país viu o virtual terceiro goleiro, Goycochea, aproveitar muito bem a vaga que caíra no colo que poderia ter sido o de um Islas mais paciente. “Agora é uma anedota. Quando Nery se lesionou, contatei ele, porque eu tive uma lesão parecida. Pensava em como estaria Pumpido e não especulava se me teria tocado jogar ou não. Não sou esse tipo de pessoa. Festejava os triunfos da Argentina e os pênaltis de Goyco eram importantes para isso. Ele é o melhor pegador de pênaltis que vi. Eu pego um a cada 80 anos e ele, nesse sentido, era um monstro. Quando eu não estou, não desejo que o outro vá mal. Isso é ser um medíocre. O melhor que pode fazer alguém é demonstrar que é melhor que o outro. Temos uma relação bárbara. Vive a duas quadras de casa. Sempre nos cruzamos e ficamos nos falando. O mesmo ocorre com Pumpido; se nos vemos, nos damos um abraço”.

Islas foi repatriado pelo Independiente em meados da temporada 1990-91 e logo recobrou a todos de sua categoria: a equipe, de um 10º lugar no primeiro turno, fez no segundo uma campanha de 5º, cavando até vaga na liguilla (caiu nas quartas para o vencedor San Lorenzo). A temporada 1991-92 foi mais decepcionante: queda no primeiro mata-mata da Supercopa de 1991, 11º lugar no Apertura e 12º no Clausura. Islas não tinha nada com isso, ao contrário: naquele 1992, ele seria eleito o melhor jogador argentino no ano. Fase que o fez ser  perdoado pela seleção, já sob a nova direção de Alfio Basile. Reestreou em 3 de junho de 1992, em 1-0 sobre o País de Gales pela Copa Kirin, embora não saísse da reserva de Goycochea na primeira Copa das Confederações. O ano terminou com outros vexames ao Rojo, eliminado da Supercopa de 1992 em pleno Clásico de Avellaneda, com direito a gol de mão do rival Claudio García (e com Islas também invertendo os papéis, acertando o travessão ao tentar ajudar no ataque na hora do abafa), e 15º do Apertura da temporada 1992-93. Mas no Clausura o time saltou ao vice-campeonato. Islas, inclusive, foi o goleiro no amistoso contra o Brasil em 18 de fevereiro de 1993, a celebrar o centenário da AFA. Recebeu inclusive propostas da dupla Boca e River. Só não saiu do banco de Goycochea na vitoriosa Copa América e em todas as eliminatórias.

Se na Supercopa de 1993 o Independiente caiu já no primeiro mata-mata para o São Paulo de Telê, no Apertura o time manteve-se até o fim no páreo pela taça (com o goleiro se notabilizando em especial por fechar o gol a Maradona na aguarda estreia de Dieguito pelo Newell’s no torneio, em 10 de outubro), encerrada já em março de 1994 premiando o River de Goycochea por dois pontos a mais. Basile, contudo, preferiu apostar em Islas como o goleiro argentino de 1994. Ele não entrava em campo pela seleção desde aquele amistoso com o Brasil em fevereiro de 1993 e foi reutilizado seguidamente a partir de abril de 1994. Mas foi visto como um dos vilões da desclassificação pelo gol defensável de falta que sofreu contra os romenos: “sei que minha tarefa foi boa. Isso eu poderia ter defendido. Foi a única jogada duvidosa do meu mundial. Reitero que fiz uma primeira fase muito boa. Depois aconteceu o lance do Diego e…”, defendeu-se em 1995, enquanto que em 2003 dividiu sua responsabilidade como “a mesma de todos, fui um a mais nesse plantel”. Sentindo-se perseguido há anos também pelo temperamento forte, chegou até a boicotar entrevistas à El Gráfico, com aquela nota de 1995 sendo assumida por ele como uma reconciliação.

A própria entrevista começa pelo seu gênio difícil. Ele, que na nota de 1984 já dizia que “digo sempre a verdade ainda que isso me prejudique pela forma em que a digo, pelo meu caráter”, começava explicando que “sou uma pessoa com os princípios muito claros. Choco com muita gente por dizer a verdade de frente e ser honesto. Nessa sociedade, me rotulam de polêmico, mas não é assim. [Briguei com tanta gente] por dizer as coisas de frente e olhando nos olhos. Há tanta corrupção que, quando alguém é honesto e decente, é observado de lado e com injustiça”. Atacava inclusive a ex-mulher (“sinto que me valorizam mais pela grana do que por que sou”), que chegou a acusa-lo de agressão quando estava grávida (o que foi rebatido já na entrevista de 2003: “fantasias. Agora está tudo bem, tenho uma relação muito boa com ela e aquele processo não deu em nada”), e também declarava “respeitar”, mas preferir distância da comunidade LGBT.

A eliminação um tanto precoce na Copa dos EUA assinalou o fim da passagem de Islas pela seleção. Mas em dois meses, ele se recuperava com o título do Clausura 1994, só encerrado já em agosto, marcado pela notável reta final cheia de goleadas favoráveis – incluindo na última rodada, que serviu ao acaso como confronto direto exatamente contra o concorrente. Era justamente o Huracán do coração de Islas – treinado por um iniciante Héctor Cúper, o adversário jogava por um empate para finalizar um jejum pendente desde 1973 e que ainda perdura: o goleiro deixou o clubismo de lado no impiedoso 4-0 do Rojo (em 1995, ainda dizia-se torcedor “do Huracán até morrer”, mas assumiu em 2003 que “ali eu quis ganhar, e ganhei”) e três meses mais tarde ele e o time de Avellaneda deixaram três brasileiros pelo caminho até o clube ganhar, enfim, sua primeira Supercopa, superando o Boca de César Menotti; a imagem que abre a matéria é desse triunfo. Entre um título e outro, também encerrou-se um jejum de onze anos contra o Racing. Islas, já como capitão do elenco, reforçava-se como um dos rostos daquela fase intensamente brilhante.

Exibindo sua segurança nos clubes com o qual mais se identificou: no Estudiantes e, principalmente, no Independiente – essa defesa contra a letra de um Maradona estreante no Newell’s talvez seja a mais famosa da carreira

Mas o enfoque na Supercopa fez o time ser apenas 11º no Apertura da temporada 1994-95. Depois, o foco continental passou a ser a fase de grupos da Libertadores de 1995, bem como a Recopa Sul-Americana, enquanto o time repetia o 11º lugar na disputa paralela do Clausura. A Recopa até foi vencida, em abril, sobre o Vélez de Bianchi, título que até recolocou o Independiente como clube mais vezes campeão de copas dentre todos os continentes. Mas o treinador Miguel Ángel Brindisi pediu demissão em seguida, já não sendo o técnico no reencontro com o Vélez ao fim daquele mês, já pelas oitavas-de-final da Libertadores. A saída nunca foi devidamente explicada e houveram boatos de uma rixa com o goleiro, que desmentiu isso em 2003, garantindo ter de Brindisi “uma imagem linda. É um técnico muito capaz, sério e transparente. O clube tinha uma dívida muito grande comigo, e por isso fiquei com o passe. Mas era muito difícil para o Independiente dizer ao torcedor: ‘Islas vai embora’. Então, no lugar de comunicar que me deviam grana e que não podiam me pagar, se buscou outra explicações”. Pois, de fato, Islas rumou em meados de 1995 ao Newell’s, que buscava repor a saída de seu maior goleiro, Norberto Scoponi, seu ex-reserva na Copa 1994.

Ainda em alta, não só tinha o mimo de desenhar a própria roupa garantido pela Adidas (virando anedota ele precisar recorrer a uma camisa de treino na Recopa, que era bancada pela Toyota assim como o Mundial: assim, as camisas não podiam carregar outros patrocinadores) como declarou-se à disposição da seleção na entrevista daquele ano, embora não para ser reserva: “as pessoas sabem quem é o melhor. Se Passarella me convoca, é para ser titular”. A estadia promissora no Newell’s, porém, não deu certo, desentendido com o técnico José Yudica (“o respeito, embora seja um cara muito autoritário, seco, difícil de tratar. Alguém pode ser duro, mas com respeito”): os rojinegros ficaram só em 12º no Apertura 1995 e Islas começou o ano seguinte já na realidade mais modesta do Platense, que terminou em 16º no Clausura. Com ainda 30 anos e meio, ele deixou os marrons para um pé de meia no México, voltando do Toluca à Argentina em 1998 para cumprir o sonho infantil de defender o Huracán. Tampouco foi feliz, incapaz de impedir o segundo rebaixamento da história huracanense, ainda antes do fim da temporada de 1998-99.

Islas disputou a segunda divisão, mas não pelo Globo e sim pelo Tigre – virando de uma só vez duas casacas antigas, dada a tradicional rivalidade nortista dos rubroazuis com o Platense e a rixa modernamente desenvolvida com o Chacarita desde os anos 80. Tampouco foi duradouro por lá: o Islas adorado pelo clube de Victoria é seu irmão caçula Daniel, que, ex-membro das seleções de base, viraria o arqueiro recordista de partidas como tigrense. O Tigre em 2000 abrigaria também outro irmão, Pablo Islas, gêmeo de Daniel. Luis, por sua vez, já estava de volta ao México, no León. Voltou à Argentina em meados de 2002: o Talleres vendera seu histórico goleirão Mario Cuenca para o Racing e precisava de um substituto midiático. Ainda com Cuenca, La T vinha de disputar sua primeira Libertadores e não manteve o pique, com um 15º no Apertura e um 16º no Clausura da temporada 2002-03. Nada que derrubasse o queixo do veterano de 37 anos, ao menos naquela nota de 2003: “me sinto mais completo do que nunca. No futebol, se alguém se mata aos 20 anos, se nota. Se me abrissem não encontraria marijuana, nem cocaína, nem álcool, nada. Estou espetacular. Se tivesse estado de sacanagem, aos 33 já teria sentido os anos. Mas um esportista como eu chega a essa idade em sua plenitude. Com uma potência terrível e uma experiência de vinte anos. É o ideal”.

Ele também usava como exemplo o alto nível de outros veteranos em atividade na época, mencionando Ángel Comizzo no River, Oscar Passet no Newell’s e El Mono Navarro Montoya no Independiente. O ex-clube inclusive havia sondado o próprio Islas no México; ele não escondeu ter sentido nisso “uma alegria imensa” e de fato terminou reincorporado ao Rojo em meados de 2003. Pendurou as luvas ali, realizando um último jogo ainda em outubro embora naquela entrevista passasse outra imagem (“a aposentadoria chega quando a cabecinha diz basta: alguém não quer levantar-se às 8h, nem concentrar-se e lhe dá no mesmo ganhar ou perder… nisso sigo sendo o mesmo babaca que aos 15 anos se esquentava por um gol no treino. Então, sinto que estou apto para muito mais anos”), a ponto de dizer de antemão que não se surpreenderia totalmente se fosse convocado por Marcelo Bielsa: “por meu nível, não”. Calhou de no fim de setembro ele sofrer um 4-1 do River em plena Doble Visera pela Sul-Americana.

Naquela última entrevista, também já não titubeava em ser considerado superior a Fillol, ao menos na visão do pai: “se me comprar com um monstro como El Pato, quer dizer que fiz muito no futebol. Estava falando justamente disso há três ou quatro dias com meu pai e, para ele, que é muito objetivo, eu sou muito melhor que Fillol”, insinuando que nunca recebera elogios do ídolo porque “El Pato talvez fosse muito espetacular em um momento em que eu também era. Então, talvez…”. O aniversariante só não conseguir replicar a grandiosidade dessa autoconfiança nos trabalhos como pós-jogador. Ele seguiu no Independiente para ser auxiliar técnico de Américo Gallego e, em carreira solo, nunca saiu da terceira divisão, seja no Central Norte de Salta, no Racing de Córdoba ou no Deportivo Español, trabalhos que teve entre 2011 e 2016 até topar ser assistente de Maradona no Dorados de Sinaloa, na segundona mexicana.

Ao meio, com a Recopa 1995, onde precisou usar camisa de treino. Desenhando as próprias roupas de jogo, ele posa com Usuriaga, Garnero (todos em pé), Gustavo López e Rambert com a Supercopa 1994; e como alguém que andava sobre as águas, na foto que ilustra o perfil dele na edição em que a El Gráfico escolheu os cem maiores ídolos do Independiente, em 2011 (ela também brinca com seu sobrenome, que significa “Ilhas” em castelhano).

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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