“Tudo o que está metido na medula do futebol. Toda a seiva íntima que explode na manifestação ruidosa, que se exterioriza neste conjunto decorado de cores, nas nuvens fechadas de papéis, nas milhares e milhares de caras excitadas pela festa, no rumor incessante, interminável… assim foi a tarde do Racing. Festa do esporte e caldeirão de sensações emotivas. E ali dentro, na caixa de cimento, todos fomos cúmplices na magnitude de um acontecimento que nos enche de satisfação a todos, que nos faz viver a todos, com a mesma intensidade, um frenesi que só pode atesourar o futebol. Assim foi a festa do Racing. Assim se iniciou, transcorreu e se concluiu. Como festa. Com o singular atrativo de cinco gols”.
As palavras acima pertencem ao editorial da revista El Gráfico em sua edição pós-jogo da rodada do campeonato de 1966 em que o Racing pôs uma mão na taça em um 3-2 no Boca – a imagem que abre essa matéria é a capa daquela revista. A outra mão foi enfim colocada no domingo seguinte, que hoje completa 55 anos. A taça já era vista como histórica em seu tempo, marcada por um recorde profissional de 39 jogos de invencibilidade (só superado uma vez) e pelo ataque mais positivo da década (marca que se manteria). Mas ganhou ainda mais relevo já em curto prazo: o troféu foi a credencial para La Academia vencer no ano seguinte sua única Libertadores e, sobretudo, o primeiro título Mundial do futebol argentino.
Se a espinha-dorsal de 1967 já estava bem visível em 1966, houve sutis mas significativas diferenças entre as duas temporadas. A escalação consagrada em Montevidéu contra o Celtic foi Agustín Cejas, Oscar Martín, Roberto Perfumo e Nelson Chabay; Alfio Basile e Juan Carlos Rulli; Norberto Raffo, João Cardoso, Juan Carlos Cárdenas, Juan José Rodríguez e Humberto Maschio. Deles, o brasileiro Cardoso e El Toro Raffo (precisamente autores dos gols racinguistas na finalíssima da Libertadores) jogavam em outras equipes em 1966, enquanto Cejas e Chabay não foram titulares. O próprio Chabay só atuou no jogo-extra da glória mundial diante de uma distensão muscular de Rubén Díaz, por exemplo. Cardoso ocupou o espaço de quem havia sido o artilheiro dos campeões de 1966, Jaime Martinoli.
Aquela edição da El Gráfico já dá pistas de como era o elenco consagrado há 55 anos: “o fator fundamental da derrota boquense foi o espírito de luta que o Racing lhe opôs em todo momento. O Racing lhe sujou o jogo desde a saída. Na marcação de Cárdenas sobre sua linha de fundo. No trabalho enfadonho, sem genialidade, mas indeclinável do Bocha Maschio. Na luta destrutiva de Rulli sobre todo jogador do Boca que andasse por ali perto. Na perna forte de Basile. Na grande recuperação de Díaz. No impecável trabalho defensivo de Martín, avançando menos mas colocando sempre a bola com justeza e sentido criador. E na lei que impôs Perfumo, ali no fundo ou saindo sobre o meio-campo: se ganhava a antecipação, bola dominada e jogada; se perdia, falta e volta para começar. O Racing foi um adversário duro. Mordedor. Persistente”.
Mas, em 1965, com já muitos daqueles nomes (o futuro ídolo santista Cejas, o capitão Oscar Martín, o futuro ídolo cruzeirense Perfumo, o não menos xerife Basile, o talismã Cárdenas, o recém-promovido Rubén Díaz, um Martinoli recém-garimpado no Banfield e um Rulli e um Rodríguez ambos recém-chegados do Boca), a situação começou bem diferente. Em crise financeira depois de ver os vultosos investimentos em 1964 renderem o melhor ataque mas longe do título (e logo irem embora: César Menotti, Luis Pentrelli, Luis Maidana e o astro brasileiro Dorval), o Racing passava vexame na rabeira da tabela. E, mesmo que sem rebaixamentos no regulamento, viu no seu antigo artilheiro Juan José Pizzuti um bombeiro. Com chuteiras penduradas ainda em 1964 no Banfield, ele, que saíra brigado do Racing na pré-temporada de 1962, era o quarto a assumir a bomba naquele 1965, já na 19ª rodada.
Rulli contaria já em 2021 que chegara a ausentar-se por duas semanas dos treinos para focar na universidade, descrente da seriedade racinguista e que foi a vinda de Pizzuti que lhe convenceu a regressar, conhecendo-lhe desde os tempos de Boca. Deu mesmo tão certo que o Racing, no embalo de 14 jogos de invencibilidade construídos a partir do terceiro jogo sob Pizzuti, terminou o campeonato em 6º. O desempenho da nascente Equipo de José favoreceria a ascensão de um novato de última hora na seleção para a Copa de 1966 (o volante José Omar Pastoriza) e confirmou nela também Perfumo, que na fase periclitante de 1965 chegara a quase ser defenestrado ao All Boys – embora jogador de seleção desde 1964, El Mariscal chegara mesmo a conviver naquele ano com o vexame olímpico diante do incipiente Japão, chorando pela última vez por futebol.
O renome defensivo de Perfumo começou a partir de Pizzuti, justamente quem o recuou de volante para zagueiro. E inclusive fez a cartolagem cogitar vendê-lo diante do rombo financeiro que o clube já vivia; como logo se verá, quem sairia seria Pastoriza. El Coco Basile também virou beque sob o novo mestre, embora ainda se alternasse como volante. Pior para a dupla Norberto Anido e Juan Carlos Mesías, exaltados no prólogo “daquela cena” do oscarizado filme O Segredo dos seus Olhos: era a dupla de zaga do título racinguista anterior, em 1961, mas nem o fato de terem sido colegas ali do Pizzuti jogador significou que seguissem no clube para 1966. Outro defensor escanteado foi o jovem Ángel Bargas, logo relegado ao Chacarita para futuramente vingar-se entre os tricolores a ponto de ser o primeiro jogador que a seleção importaria do futebol europeu (já em 1973). Com aquele salto evolutivo de 1965, os reforços para 1966 foram bem pontuais, e a maioria para ser opção de banco.
Então com certa assiduidade na seleção uruguaia, o coringa defensivo Nelson Chabay vinha de outro Racing, o nanico de sua Montevidéu; o atacante Néstor Rambert, ex-Independiente (para onde voltaria como técnico juvenil, sendo o primeiro treinador do garoto Sergio Agüero), irmão de um atacante da seleção francesa, foi emprestado pelo Chacarita (em negócio que envolveu a troca por Bargas); o volante Fernando Parenti chegava do Lanús. Mas somente o volante Miguel Ángel Mori e o atacante Maschio se imortalizariam no inconsciente coletivo blanquiceleste. Curiosamente, são as duas únicas figuras campeãs de Libertadores pela dupla de Avellaneda: vencedor das edições de 1964 e 1965 pelo Independiente, Mori chegou em um troca-troca por Pastoriza e mais 12 milhões de pesos aos cofres racinguistas, em negócio que satisfez os dois lados.
Maschio, por sua vez, era um ídolo precoce da Academia nos anos 50, deixando-a ainda sem taças no currículo (mas com o troféu da histórica Copa América de 1957 pela seleção) para desenvolver carreira respeitável na Itália, a ponto de servir a Azzurra na Copa do Mundo de 1962. Chegava da Fiorentina, que aceitara devolvê-lo ao Racing caso ele a ajudasse a se classificar à final da Copa da Itália – o que fora cumprido ainda em fevereiro de 1966, embora a decisão tardasse até maio para ocorrer. Nem o posterior título da Libertadores de 1973 como técnico do grande rival afastaria de El Bocha uma imagem inseparável do seu Racing, como contamos aqui. Embora sua chegada em 1966 fosse vista sob desconfiança contra alguém já de 33 anos. Foi preciso que Pizzuti, com quem trocava cartas, insistisse junto à diretoria.
O Racing começou o ano ganhando de virada por 2-1 do Sparta Praga em 14 de fevereiro no estádio do Independiente. O calendário argentino de 1966 começou com a Libertadores, com a dupla Boca e River (campeão e vice de 1965, respectivamente) entrando em campo desde 10 de fevereiro – quando travaram o primeiro Superclásico válido por La Copa – pela primeira fase de grupos. O campeonato argentino começou em 6 de março, com uma atração, a primeira equipe de Santa Fe a aparecer na primeira divisão argentina: o Colón, que estreava na elite gabaritado pela histórica conquista da segundona de 1965, impulsionando o próprio rival Unión a fazer o mesmo naquele 1966.
Naquele março, uma primeira alegria à torcida do Racing: torcedor famoso, o pugilista Horacio Accavallo usou roupão do clube na conquista do cinturão dos moscas da Associação Mundial de Boxe. O país conciliou essas atenções com o campeonato e a Libertadores: é que Boca e River avançaram juntos a uma segunda fase de grupos, que apontaria um dos finalistas. E nela, como detentor do título continental de 1965, ingressou o Independiente, em um quadrangular que se estenderia até o início de maio com o “intruso” Guaraní paraguaio. Ainda assim, o trio principal soube conciliar os dois torneios naquela fase inicial da liga nacional.
Do lado do Racing, a campanha histórica começou com um protocolar 2-0 em casa sobre o Atlanta. Cejas, Oscar Martín, Perfumo, Basile e Rubén Díaz, Mori e Rulli, Parenti, Cárdenas, Rodríguez e Martinoli foram os primeiros titulares, vencedores com dois gols-relâmpago do Yaya Rodríguez: disparo rasteiro e cruzado após passe do Panadero Díaz no minuto 48 e arrematando de bico de chuteira na cara do goleiro Carlos Biasutto após a bola lhe chegar através da cabeça de Basile, aos 56. A mesmíssima escalação foi repetida na visita ao Vélez: 0-0.
Na terceira rodada, com os mesmos titulares de então, o Racing recebeu o Newell’s, onde ainda jogava um futuro integrante da Equipo de José: aquele brasileiro João Cardoso (ele logo reforçaria o Independiente quando o Rojo começou a participar da Libertadores de 1966, em abril). Outra curiosidade era o técnico rojinegro ser Ángel Tulio Zof, posterior figura mítica no cargo a serviço do Rosario Central. Novamente dois gols-relâmpago, agora de Basile, decretaram mais um 2-0 no Cilindro: um cabeceio forte em tiro livre lançado pela direita por Martinoli aos 23 e depois em escanteio cobrado também por Martinoli, aos 32.
A primeira exibição de campeão parece ter sido na quarta rodada. E isso que Pizzuti mexeu em algumas peças: lesionado em amistoso contra o Peñarol em 24 de março (4-0 dos uruguaios no Centenário), Parenti cedeu lugar a Osvaldo Canadell, enquanto Rodolfo Vicente foi testado no do Chango Cárdenas, outro machucado em Montevidéu. La Academia visitou o Quilmes, onde àquela altura jogava o folclórico Julio Bavastro, cornetado como um bagre naquele mesmo momento já referido de O Segredo dos Seus Olhos. Martinoli deu um show: aos 30, sacudiu a rede com um tiro curto após ser habilitado por Rodríguez e aos 37 já fazia o segundo, em cabeceio a bola cruzada desde a esquerda pelo mesmo Rodríguez. No minuto 60, Mori ampliou para 3-0 com uma bomba que emendou um cruzamento enviado por Canadell.
Martinoli então completou seu hat trick aos 73, com um toque baixo, rente à trave, na saída do goleiro. Seguiu insaciável: a dois minutos do fim, chegou a seu quarto gol, com um violento chute já dentro da área, habilitado pelo Yaya Rodríguez. Curiosamente, Martinoli declarou outra insatisfação, não escondendo que não lhe agradava jogar na ponta. Anticlímax maior veio na quinta, quando Accavallo foi recepcionado no Cilindro. É que o Banfield do veterano zagueiro José Ramos Delgado (logo ídolo santista), do veterano atacante José Sanfilippo (logo ídolo no Bahia) e do matador Norberto Raffo (logo artilheiro do Racing vencedor da Libertadores 1967) segurou tanto o 0-0 que seu zagueiro Ezequiel Llanos foi expulso já aos 44 do segundo tempo por cera excessiva. Na escalação, Cejas, Martín, Perfumo, Basile e Díaz, Mori e Rulli seguiam intocáveis na retaguarda.
Na frente, Martinoli, Rodríguez, Vicente e o estreante Rambert não tiraram o zero. Por outro lado, se o próprio Pizzuti confessaria após o título que inicialmente acreditava mais que a taça fosse ao Boca ou ao River, ao fim daquelas cinco primeiras rodadas quem liderava era a outra dupla principal do país: Racing e Independiente dividiam a ponta com oito pontos, seguidos pelos sete de Boca, River, Estudiantes e Huracán e dos seis de outros três times. Na sexta, El Equipo de José visitou o Chacarita e promoveu ali a reestreia, após nove anos, do ídolo Maschio. Rodríguez marcou o único gol, a vinte minutos do fim, em arremate curto após recolher a sobra de um tiro livre enviado por Martinoli. Pouco para o ataque já bastante similar ao de 1967: Martinoli, Cárdenas, Rodríguez e Maschio, embora o veterano fosse um falso ponta, recuando para reforçar a armação de jogo em um 4-3-3. Mas tanto jogo ofensivo renderia uma publicidade da época com um lançamento de James Bond, brincando que o enganoso 4-2-4 funcionava na prática como um 0-0-7.
Se Maschio voltava, Cejas, ainda sem sofrer gols no torneio, viraria desfalque na sétima rodada. Que começou com tudo: com 45 segundos de jogo, Cárdenas entrou pelo meio para encobrir a lenda Amadeo Carrizo. Mas o River respondeu quase na mesma medida: no primeiro minuto do segundo tempo, o peruano Miguel Ángel Loayza conectou com tiro curto um cruzamento do uruguaio Luis Cubilla. A lesão de Cejas veio ali: fraturou um dedo da mão quando a dividiu com a chuteira adversária. Sem parentesco com Amadeo, Luis Carrizo entrou em campo para tornar-se o goleiro racinguista titular no restante da campanha histórica: mesmo visivelmente fora de forma, com mais de cem quilos, ali salvou três lances cara a cara.
Se novamente derraparam em casa com aquele 1-1, os discípulos de José novamente compensaram longe: em La Plata, um chute cruzado e oportunista de Mori, tomando rebote de um defensor, bastou para o triunfo sobre o Estudiantes, aos 44 minutos. Em 24 de abril, pausa para amistoso com o San Lorenzo, que inaugurava a nova iluminação do Gasómetro com um 4-0 (Doval, Rendo, Veira e Fischer) logo esquecido por não ter freado a famosa invencibilidade oficial racinguista. Na nona rodada, o líder voltou a fazer o dever de casa, contra um Huracán que, treinado por sua lenda Emilio Baldonedo (até hoje o homem que mais fez gols na seleção brasileira), se engraçava na tabela.
Aos 19 minutos, Yaya Rodríguez abriu o placar soltando o pé na saída do goleiro Raúl Navarro (depois naturalizado pela seleção colombiana). Mas a tarefa foi complicada: a vitória só se garantiu com um gol contra já aos 44 do segundo tempo, quando Jorge Ginarte, acossado por um racinguista, tentou afastar um cruzamento rasante de Cárdenas e mandou às próprias redes. Na décima rodada, o estádio do Atlanta foi alugado pelo Argentinos Jrs para receber La Acadé. O 0-0 pareceu um resultado ruim, mas era satisfatório nas circunstâncias: um jogo brusco demais de Perfumo lhe rendeu expulsão ainda aos 34 minutos. Àquela altura, as duas grandes duplas argentinas já se distanciavam do resto: 16 pontos para os dois clubes de Avellaneda e para o River na liderança, e 15 ao Boca.
Na 11ª rodada, os alvicelestes receberam o Ferro Carril Oeste e, sem suspensão automática na época, Perfumo pôde jogar. Com 3 minutos, um violento tiro cruzado à meia altura de Maschio, após receber de Cárdenas, já abriu um 4-1. Martinoli ampliou aos 25 aproveitando a sobra de bola em uma trombada pastelão do goleiro e um zagueiro adversários e o 3-0 veio aos 40: Rulli desviou um tiro livre cobrado por Basile. Um bate-rebate na área verdolaga terminou com um potente chute cruzado de Maschio estufando o 4-0 no minuto 58, restando ao FCO um golzinho de honra já a 15 minutos do fim, em cabeceio do futuro gremista Carlos Chamaco Rodríguez. Foi então a vez de visitar o Rosario Central, cujo goleiro Antonio Spilinga seria contratado pelo próprio Racing para ser opção de banco em 1967. Mesmo no Gigante de Arroyito, deu Racing: um cabeceio de Rulli em bola que Martinoli levantou na área cobrando falta foi o suficiente, ainda aos 19 minutos.
Foi na 13ª rodada que o Racing enfim se isolou na liderança, dois pontos acima do arquirrival. E. simbolicamente, também foi nela que quebrou um recorde profissional, ao emendar o 27º jogo seguido sem perder, superando marca de 26 jogos do Boca bicampeão seguido de 1943-44. Foi com outro 1-0 econômico, mas o bastante: aos três minutos do segundo tempo, Rodríguez aproveitou um cruzamento rasteiro de Cárdenas pela esquerda para vazar o folclórico Néstor Errea (de passagem-relâmpago pelo Vasco em 1968) e assim bater o Colón.
O Independiente, por sua vez, logo sairia do páreo: o Rojo, que ainda estava invicto, sofreu derrotas seguidas para a dupla Boca e River, respectivamente na 14ª e 15ª rodadas. E nelas, o Racing se superava. Primeiramente, o líder visitou o Lanús, treinado pelo histórico beque racinguista Pedro Dellacha. Mori, com um violento chute no centro da área após cruzamento de Cárdenas, abriu o marcador aos 25 minutos. No intervalo, Cejas até reocupou pontualmente seu lugar na vaga de Luis Carrizo. Mas nem ele pôde defender um pênalti convertido por Juan De Mario já aos 36 do segundo tempo – após dez minutos de paralisação pelos protestos enérgicos do Racing, para quem a mão de Perfumo, em seu último jogo antes do embarque à Inglaterra, não havia sido intencional.
Mas La Acadé não desanimou: oficialmente aos 44, mas na prática no vigésimo minuto de acréscimo, Cárdenas arrancou a vitória ao usar a cabeça em cruzamento de Martinoli. Na partida seguinte, Luis Carrizo retomou a titularidade enquanto Perfumo passaria a desfalcar os colegas, servindo a seleção na Copa do Mundo (Chabay ocuparia sua vaga no período; aliás, a fase do inicialmente criticado Maschio já era tão boa que El Bocha quase embarcou à Inglaterra também, sendo reaproveitado pela seleção argentina em amistoso não-oficial pré-Copa contra o clube italiano Cagliari em 1º de junho, no estádio do San Lorenzo). Mas o que mais chamou a atenção contra o Platense foi o placar ser aberto aos 20 segundos de jogo e ampliado já aos nove minutos.
Cárdenas, pela direita, conseguiu um golaço, em lance onde o goleiro esperava um cruzamento; depois, ele habilitou o tiro curto de Rodríguez no segundo gol. Aos 16 do segundo tempo, veio o 3-0 após potente disparo de Martinoli, sob outra assistência de Cárdenas. Só deu para os visitantes conseguirem um golzinho de honra já no minuto 73, e de pênalti, que o veteraníssimo José Yudica converteu. Na 16ª rodada, o líder isolado segurou o 0-0 dentro da Bombonera sobre o Boca dos ex-racinguistas Federico Sacchi e César Menotti (negociados com o vizinho em troca por Rulli e Rodríguez, justamente, em acordo que parecia desequilibrado à Acadé e mostrou-se certeiro). Apenas um dia depois, o líder voltou a campo, em rodada dupla de amistosos no estádio do Independiente: o rival perdeu de 2-1 do Sevilla e p Racing, com Cejas pontualmente no gol, ficou no 1-1 com o Milan.
Na 17ª rodada, houve sufoco em casa contra o Gimnasia. Algo insuspeito quando Maschio soltou uma bomba de sucesso logo aos 4 minutos. Mas os platenses viraram, com gols nos minutos 25 e 69. Para piorar, Rulli foi expulso aos 80, por socar um rival. A já longa invencibilidade parecia ruir, mas aos 44 minutos do segundo tempo uma bomba rasteira de Martinoli, no rebote de um zagueiro, arrancou um ponto àquela altura preciosíssimo. Na 18ª, com a democracia do país recém-golpeada pelo general Juan Carlos Onganía, era a vez de atravessar o quarteirão para o Clásico de Avellaneda no campo do Independiente. Mas a Doble Visera foi casa racinguista naquele 3 de julho: já aos 21 minutos, Maschio cabeceou bem um cruzamento do vira-casaca Mori, pela direita. O 2-0 demorou, mas veio no minuto 76, em virtual gol olímpico de Martinoli, que acertou com muito efeito uma falta próxima da bandeirinha de escanteio.
Restava no primeiro turno enfrentar o San Lorenzo, no Gasómetro. Novamente, o líder soube fazer dever na casa alheia: aos 4, Maschio cruzou e Basile passou de cabeça para onde estava Rodríguez – que então girou para acertar as redes do futuro corintiano Carlos Buttice. Mesmo que Rubén Díaz fosse expulso por falta violenta logo aos 23 minutos, veio o 2-0 aos 44: Basile outra vez usou a cabeça, mas para balançar a rede ao aproveitar bola que Buttice espalmou em cobrança de falta. Logo no primeiro minuto do segundo tempo, outro futuro corintiano, Héctor Veira, descontou, mas ficou-se mesmo no 2-1. Apenas o River mostrava condições de briga pelo título: tinha três pontos a menos, e um jogo adiado.
Pizzuti diria que foi ali que começou a sentir palpável o título, notando que os pupilos pareciam acostumados ao ritmo que exigia para que atacassem com até oito homens em tempos já retrancados do futebol – o que se permitiam fazer por conta de uma inovação para a época: os dez jogadores de linha também exerciam tarefas defensivas, com os atacantes marcando a saída de bola adversária. Mas a primeira rodada do returno guardou seus sustos: em casa, o Atlanta tratou de abrir 2-0. Mas ainda aos 42 minutos um chute forte de Martinoli dento da área, apoiado por Rulli, diminuiu. O empate veio aos 8 do segundo tempo, em bate-rebate aproveitado por Rodríguez após escanteio cobrado por Martinoli. Dois minutos depois, Mori foi expulso ao acotovelar um rival… mas o adversário Miguel Vignale também, ao retribuir a gentileza com um soco.
A invencibilidade voltou a ficar sob risco na 21ª rodada, mesmo com a volta de Perfumo – homenageado pelo adversário Vélez em Liniers pelo papel na Copa do Mundo. O Fortín fez 1-0 aos seis minutos do segundo tempo e foi preciso aguardar até o minuto 83 para o empate, com Martinoli convertendo pênalti, sancionado pela mão do lateral velezano Luis Atela. O terceiro empate seguido veio na terceira visita seguida, ao Newell’s: Rodríguez empurrou um cruzamento de Rodolfo Vicente para inaugurar o placar aos 16 minutos. Os rosarinos, com uma bomba de 30 metros do lateral Ricardo Vizzo, empataram aos 2 do segundo tempo, mas Yaya Rodríguez arranjou outro gol aos 26, usando a cabeça em cobrança de falta executada por Martinoli. Mas Vizzo também fez seu segundo gol, convertendo pênalti que o juiz Luis Spinetto assinalou após a bola tocar no braço de Perfumo.
As emoções de Racing x Quilmes no returno se concentraram na meia hora inicial. Aos 2 minutos, Cárdenas cruzou pela esquerda e Rodríguez cabeceou para o 1-0. Aos 15, Maschio desferiu com violência uma cobrança de falta a 25 metros do gol e foi premiado. E aos 30, Bavastro cavou um pênalti na disputa com Rubén Díaz; assim, o Cervecero diminuiu, com Miguel Basílico. Mas foi só. Na visita ao Banfield, um chute alto de Cárdenas após receber de Rodríguez marcou aos 65 minutos o único gol no Florencio Sola. Não foi uma vitória qualquer: os alviverdes estavam invictos desde 1964 e seu presidente, Valentín Suárez, havia acabado de ser nomeado como mandatário da AFA pela ditadura recém-instalada de Onganía.
Já era 28 de agosto quando o Cilindro explodiu três vezes nos vinte minutos finais, contra o Chacarita: Cárdenas, de cabeça, serviu para Rodríguez encher o pé no 1-0. Aos 44, o 2-0 veio de surpresa, com Rubén Díaz cobrando falta quando se esperava que outro jogador fosse cumprir o serviço. Pareceu atordoar tanto o Chaca que no minuto seguinte veio o terceiro gol, com Maschio encobrindo o adiantado goleiro tricolor Jorge Traverso. E assim La Academia registrou o 39º jogo seguido de invencibilidade. No profissionalismo argentino, essa marca só seria superada pelo Boca de Carlos Bianchi, que pararia exatamente nos 40 em 1999.
O Racing não chegou aos 40 por causa do River. Se vencesse no Monumental, o Millo voltaria à co-liderança. E no duelo dos goleiros Carrizo, o menos afamado levou a pior enquanto o astro, com reflexos preservados, salvou já aos 4 minutos um tiro à queima-roupa de Cárdenas. Ironia: o Carrizo do Racing sofreu justamente os cabeceios que El Equipo de José tanto trabalhava nos adversários. Foi como Oscar Más abriu o placar aos 44, em bola cruzada por Luis Cubilla, e como o próprio Cubilla ampliou aos 25 minutos do segundo tempo (em cruzamento de Ermindo Onega), no lance que estampou a capa seguinte da El Gráfico. A reação racinguista se limitou à destemperança de Rubén Díaz, expulso a oito minutos do fim. Contra o River, “o Racing não foi Racing”, admitiria o técnico Pizzuti já na reflexão pós-título.
A comoção pelo que representou aquele resultado foi tanta que o próprio presidente racinguista Santiago Saccol, naqueles outros tempos, parabenizou o concorrente: “quero fazer extensiva minhas congratulações a todos os garotos porque, dento de nossa pena momentânea nos fica o orgulho de ter perdido o invicto frente à equipe de uma entidade prestigiosa com a que temos sido protagonistas de lutas inesquecíveis”; apesar da plateia da casa não ter sido tão diplomática (parodiou o “já se vê, já se vê, El Equipo de José” com um “já se vê, já se vê, hoje cagamos em José”), o time do River foi até convidado para um almoço na sede social da Academia (em banquete já programado, mas na expectativa de chegar-se aos 40 jogos invictos), com o técnico riverplatense Renato Cesarini pedindo aplausos gerais ao chegarem as sobremesas.
A igualdade na tabela terminou fugaz: em seu jogo seguinte, o River foi derrotado na visita ao San Lorenzo enquanto La Acadé passou o trator no Estudiantes. No minuto 59, Rulli ajeitou um cruzamento de Mori para um certeiro cabeceio de Cárdenas. Nove minutos depois, Maschio serviu para Rodríguez soltar a canhota. E aos 89 o mesmo Rodríguez lançou pela esquerda para Martinoli concluir com um chute rasteiro e fechar o 3-0. Já a visita ao Huracán foi dura, em mais de um sentido: o futuro gremista Alfredo Obberti abriu o placar para os quemeros aos 11 do segundo tempo. Logo aos 14, Martinoli cruzou e Rubén Díaz acertou as redes com um cabeceio baixo. E aos 16, agressões mútuas renderam expulsões conjuntas de Rulli e do adversário Eduardo Tarchini…
Aos 26, o Racing virou repetindo o lance do primeiro gol: cruzamento de Martinoli, gol de cabeça do Panadero Díaz. Aos 28, o huracanense Sebastián Viberti foi expulso pelo carinho indevido do cotovelo. E já aos 30, o juiz Ángel Coerezza convidou mais dois cavalheiros a se retirarem: Mori e Alberto Cabaleiro haviam trocado gentilezas ríspidas. Mesmo com oito jogadores em campo, o Huracán soube aproveitar que enfrentava nove: a dois minutos do fim, Obberti serviu para Hugo Tedesco acreditar em um violento chute cruzado de fora da área.
Tranquilo foi o compromisso com o Argentinos Jrs, ou ao menos o segundo tempo (pois no pré-jogo sobravam críticas da torcida a Luis Carrizo, respaldado por Pizzuti mesmo com Cejas já recuperado), quando Martinoli driblou dois rivais antes de abrir o placar no primeiro minuto para no quinto ampliar – livrando-se do goleiro após receber passe em profundidade de Maschio. O 3-0 tardou um pouco mais, aos 40, quando Basile cabeceou um passe por elevação do Yaya Rodríguez.
Um tiro de trinta metros de distância de Perfumo abriu logo aos 2 minutos um 6-0 sobre o pobre Ferro, mesmo em um gramado maltratado por chuva no dia e por jogo de rúgbi na véspera entre Argentina e seleção juvenil da África do Sul. O primeiro tempo ainda foi econômico: aos 29, Rulli encobriu o goleiro Rodolfo Piazza após um passe de Oscar Martín e só. A torneira se abriu mesmo com uma sequência de golpes entre os minutos 51 e 57: Martinoli achou um gol surpreendente de fora da área e dois minutos depois aproveitou recuo mal dado de um adversário ao goleiro para empurrar a bola sobre a linha do gol. Mais quatro minutos e foi a vez de Martinoli então servir a Rodríguez, que concluiu rasteiro após livrar-se do goleiro.
O sexto veio já aos 34 do segundo tempo: Martinoli concluiu seu hat trick com outro disparo de fora da área. Surra que atordoou até o oponente Eduardo Collado, que desperdiçou um pênalti aos 45, defendido por Carrizo (Perfumo havia tocado com a mão na bola). Na 31ª rodada, os dez minutos iniciais valeram o ingresso no Cilindro: com 50 segundos, o Rosario Central abriu o placar e aos quatro já sofria o empate: El Panadero Díaz cabeceou bem uma falta cobrada pela esquerda por Maschio. E a virada saiu dali a seis minutos, agora com a cabeça de Martinoli em cruzamento de Cárdenas. Já a visita ao Colón não rendeu maiores estatísticas: 0-0 no Cementerio de Elefantes.
Veio a 33ª rodada, classificada já após o título como a mais angustiante na opinião de Pizzuti. É que Ramón Echenausi (depois naturalizado pela seleção venezuelana, que também convocaria seu filho nos anos 90) abriu o placar para o Lanús aos 7 minutos do segundo tempo, dentro de Avellaneda. Aos 25, Basile usou a cabeça para empatar em escanteio cobrado por Martinoli. Aos 43, então, Chabay teve sua tarde de glória para um não-titular habitual: na pequena área, chutou com fúria a bola rebatida pelo travessão para decretar a virada contra os grenás. Depois de suprir a ausência de Perfumo na zaga, o uruguaio sabia contribuir repondo Díaz na lateral ou Mori no meio.
Foi menos complicado visitar o Platense: aos 24 minutos, Cárdenas cruzou quase paralelo à linha do gol e Rodríguez, a galope, entrou com bola e tudo. Aos 3 minutos do segundo tempo, Rulli ganhou uma dividida aérea e mandou uma bomba rente à trave para finalizar o escore. Então veio aquela apoteose contra o Boca. Rodríguez, que chegara em 1965 vindo de dois ciclos esquentando o banco azul y oro, desengasgaria que teve ali “a revanche de sua vida: ganhar do Boca e ser campeão com outra equipe”, em referência ao seu gol de cabeça aos 25 minutos, aproveitando cruzamento de Maschio para abrir o placar. Aos 44, o tanque Alfredo Rojas empatou, na vez dos xeneizes usarem a tática cruzamento (de José Luis Luna) e cabeceio.
Aos 6 do segundo tempo, Martinoli cruzou e a primeira cabeça a acertar a bola foi a de Maschio, que a usou para servir a de Rubén Díaz: 2-1. Mas aos 9 o Boca soube capitalizar sua única referência ofensiva na tarde: Silvio Marzolini, o galã recém-eleito o melhor lateral da Copa de 1966, cobrou escanteio na cabeça certeira do Tanque Rojas. O empate não era um negócio tão ruim assim diante da vantagem de cinco pontos, e em tempos em que vitórias valiam apenas dois. Mas La Acadé queria deixa-la em seis. As estatísticas não dão importância a quem melhor personificou o oxigênio daquela tarde: o volante Rulli, de desempenho assim retratado pela El Gráfico:
“Há jogadores que sempre se movem na eterna névoa da discrição. Sem muito ruído ao seu redor. Sem muitos elogios. Porque em seu futebol não há espetacularização. Porque em sua figura não há gancho para a ótica. Porque são os que correm. Os que se perdem na tarefa anônima, os que se despintam na manobra sem elegância, na gestão sem exterior artístico. Mas são os que vão de frente, os que dão em campo tudo o que sabem. Os que trocam talento por sacrifício, engenho por suor, sabedoria por generosidade. Os que entram em campo sabendo que a equipe se compõe por 11 homens e que eles constituem um onze-avos do esforço comum. E então se dão inteiramente, se brindam totalmente, sacrificando beleza, renunciando à notoriedade pessoal. Onde foi mais importante o vigor e a perna que o cérebro, onde foi mais importante o sacrifício que a manobra vestida de genialidade ou de habilidade”.
A três minutos do fim, Oscar Martín ganhou uma disputa com Alberto González e descolou um passe de 40 metros nas costas de Marzolini. A bola chegou a Martinoli, que, mesmo fazendo número em épocas pré-substituições (havia torcido um pé), se livrou de Alcides Silveira e cruzou como no segundo gol: como naquele lance, Coco Basile, El Panadero Díaz e El Chango Cárdenas já esperavam, mas a conclusão não veio de cabeça e sim com um violento arremate alto de Cárdenas a desatar aquele editorial que abre essa matéria – e um festejo tamanho que ao apito final, “era difícil encontrar a pausa para algum diálogo”, embora a reportagem da El Gráfico registrasse até uma gentileza do capitão Martín, que expusera ao árbitro uma desnecessidade em expulsar o adversário Silveira ao faltar apenas um minuto para encerrar o jogo – e a injustiça da punição, pois não teria sido atingido pela trompada que o uruguaio tentara lhe aplicar.
Aquele foi visto como o virtual jogo do título: bastava ao Racing empatar uma das três partidas que restavam; poderia até ter sido campeão ali mesmo caso o River perdesse, o que não ocorreu (2-0 no Platense). A El Gráfico já se rendia ao inevitável: “o Boca não nos pareceu perdedor em nenhum momento. Sempre apresentou luta, sempre disputou o terreno, sempre tratou de pôr a bola contra o chão e joga-la. Somente quando Cárdenas fez explodir em Avellaneda o grito mais forte da tarde é que o Boca baixou os braços. O Racing lhe havia ganho na rede sem tê-lo ganho no campo”.
Já o editorial foi mais generoso. Além dos trechos transcritos na introdução, destacou toda aquela evolução: “a este Racing pobre ali por março. A este Racing rico aqui em novembro. Rico em pontos, próspero em elogios, milionário em recordes”, concluindo “uma epopeia quase imprevisível depois de muitas polêmicas críticas, de opiniões adversas, desse ‘cai em qualquer momento’ que acompanharam cada triunfo deste ‘campeão impossível'” que terminou “acumulando uma vitória atrás da outra com essa virilidade para sair a conquista-las, destroçando todos os esquemas pusilânimes para consagrar sua convicção ganhadora”.
O veterano Maschio estava especialmente exultante com novo triunfo arrancando nos instantes finais: “eu nunca joguei em um time como este que até o último minuto me faz sentir a possibilidade de virar qualquer partida. E tudo se transpira nessa diferença de 6 pontos sobre o River, que tem uma pontuação extraordinária, que com essa mesma quantidade teria sido campeão em outro ano”. De fato, os 56 pontos que o concorrente terminou na tabela serviriam para fazê-lo campeão em qualquer outro campeonato dos anos 60. Menos naquele, onde o campeão chegou aos 61.
Pudera: já eram dezessete meses sem perder em Avellaneda (incluindo as visitas ao Independiente), com apenas quatro empates em casa naquele 1966. E com a menor quantidade de jogadores utilizados, os dezoito mencionados aqui, desde os absolutos nomes de Rodríguez, Díaz, Martín e Basile (presentes em todas as partidas) às presenças solitárias dos reservas Vilanoba e Canadell, passando pelas parcas oito aparições do histórico Cejas. A lesão de Martinoli possibilitou a Rambert (curiosamente, tio de Sebastián Rambert, futuro ídolo do Independiente nos anos 90 e até hoje o último jogador a passar do Boca diretamente ao River) aparecer na escalação do jogo oficial do título, apenas sua terceira partida na campanha.
E El Chanana Rambert buscou aproveitar ao máximo a oportunidade na visita ao Gimnasia: até marcou um gol, mas em lance corretamente invalidado por impedimento quando recebeu de Cárdenas. Já os demais colegas não fizeram jus à recepção generosa da plateia gimnasista aos quase-campeões. Ficou-se mesmo em um 0-0 anticlimático onde o outro lance mais claro de gol foi inclusive acidental, onde a nuca de Roberto Rogel desviou uma bola que atingiu o travessão do futuro goleiro santista Ricardo Romera (conhecido apenas como Ricardo em sua passagem pela Baixada).
“Foi evidente que ao campeão faltou seu ritmo habitual. É possível que a magnitude do acontecimento tenha entorpecido os músculos e travado as mentes, porque o Racing dessa oportunidade não se juntou nunca com essa dinâmica, com esse redemoinho ofensivo que caracterizou sua produção habitual”, chiou a El Gráfico, que registrou que havia vontade para mais do lado campeão: “entramos para ganhar essa partida, mas o campo não ajudou e o Gimnasia se defendeu bem. Queríamos ganhar, não empatar. Inclusive, perdemos grana assim”, referindo-se ao bicho de 50 mil cortado pela metade naquele 20 de novembro de 1966.
Afinal, havia a expectativa pelo time que não só tinha o melhor ataque e a melhor defesa defensiva. Não há redundância: o campeão também tinha a melhor defesa ofensiva, com quinze gols saindo de homens de retaguarda, até então. Díaz e Basile somavam cinco cada um, Mori gritara três vezes, e Perfumo e Chabay, um cada. Quinze que poderiam saltar para dezenove se fossem considerados os quatro gols do volante Rulli. Mas mesmo o exigente Pizzuti já não ligava: “somos campeões do mesmo jeito”. Um título que também serviu para La Acadé ficar apenas um troféu abaixo do então maior campeão argentino, o Boca – ao menos na soma com a era amadora.
Para completar a festa, o jogo pós-título foi justamente o Clásico de Avellaneda no Cilindro, com direito a desfile dos três sócios fundadores racinguistas ainda vivos: Armando Capurro, Evaristo Paz e Ballestreri. Se não entrou para a história como o jogo do título, predicados não faltaram, mesmo em tempos de convívio pacífico entre as torcidas – a ponto de os rivais colocarem sorridentes as faixas no peito dos campeões e do brasileiro João Cardoso, que no decorrer do ano se transferira ao Independiente, já ter sua transferência ao arquirrival conhecida de antemão. Diante de sua lesão, o brasileiro que esteve na ocasião foi Osvaldo Brandão, recém-recontratado como treinador do Rojo (trabalhara nele em 1961 e voltou para fazer história em 1967).
Aos 27 minutos, mesmo sem equilíbrio, Rubén Díaz conseguiu concluir um passe de Rodríguez e aos 44 foi a vez de Martinoli soltar o pé após tabelar com Maschio. Mordido, o rival arranjou o empate no espaço de dez minutos: aos 7 do segundo tempo, Dante Mírcoli cruzou, o matador Luis Artime fez um inesperado corta-luz e Tomás Roldán chutou com fúria para diminuir; aos 17, Artime, assumido torcedor racinguista mas profissional ao extremo (fez do clube do coração justamente a equipe em que mais marcou gols no futebol argentino), recebeu de Aníbal Tarabini pela esquerda e despachou um potente tiro rasante. Reação que Cárdenas brecou seis minutos depois: ele cruzou, mas a trajetória da bola inesperadamente entrou no gol de Miguel Santoro.
Faltando seis minutos, a torcida da casa não se segurou mais e começou a invadir o gramado. O jogo só foi retomado após dez minutos de paralisação e de certa repressão policial – pois alguns jogadores precisaram vestir novas camisas depois de terem as originais arrancadas pelos invasores. Quem pareceu perder o ritmo foram mesmos os campeões: Artime renovou a fama de carrasco ao carimbar a faixa do título, arrancando um empate no penúltimo minuto, em tiro curto servido por cruzamento de Raúl Bernao.
O jogo final serviu para confirmar um título quase invicto, pois só houve mesmo aquela derrota para o River – ser campeão com uma só derrota também era inédito no profissionalismo e o técnico Pizzuti fez questão de manter seus titulares enquanto outras equipes já folgavam os seus. Serviu ainda para melhorar os números artilheiros da defesa: aos 32 minutos, Rulli cruzou e Basile assinalou seu sexto gol, com a bola que cabeceou pingando no chão antes de vazar o San Lorenzo. Aos dez minutos do segundo tempo, o último gol do campeão mais goleador da década (os 70 gols dos vencedores de 1966 superavam os 68 do próprio Racing campeão de 1961 e se situavam muito acima do terceiro colocado no quesito, os 55 gols do Boca de 1965): em cobrança de tiro livre indireto, Maschio rolou para Perfumo soltar um míssil.
Já era 4 de dezembro quando Perfumo fechou aqueles 2-0. Ainda houve mais um epílogo, quando o campeão inaugurou já em 19 de dezembro a nova iluminação noturna de seu estádio em um amistoso contra o Bayern Munique, vencido por 3-2 em atuação destacada do novato brasileiro Cardoso. Mas foi o pós-jogo de 55 anos atrás que rendeu uma profecia de Pizzuti: indagado sobre com qual equipe a sua poderia ser equiparada, foi enfático ao rotular que “este Racing é revolução. Não admite paralelo”. Ou, como registraria a edição especial em que a El Gráfico celebrou em 2013 os 110 anos de história racinguista: “o futebol do Racing é o verdadeiro futebol. Não entendo este jogo praticado de outra maneira”.
E pensar que era apenas uma prévia… e pensar também outra faceta histórica daquela conquista: depois de 20 de novembro de 1966, aquela torcida mal acostumada precisaria esperar nada menos que 35 anos para voltar a gritar que era campeã argentina. Mas isso já é outra história, aqui contada. Para mais detalhes da de 55 anos atrás, recomendamos uma versão ainda mais detalhada, do historiador Carlos Aira.
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