Nos anos 90, a Argentina foi pródiga em revelar enganches que correspondiam na seleção mas não mantinham regularidade em grandes clubes/campeonatos europeus. Leonardo Rodríguez, Sergio Berti e Ariel Ortega se encaixam nessa descrição. Algo inverso ocorria com Rodolfo Esteban Cardoso, que hoje faz 50 anos. Seu caso é ainda mais incomum por ter triunfado em um torneio pouco acostumado a argentinos, a Bundesliga. Foram só oito jogos pela Albiceleste, mas com direito a defendê-la vindo dos rivais Werder Bremen e Hamburgo, onde integrou o último elenco campeão dos “dinossauros”. Vale relembrar El Pelusa.
Cardoso nasceu em Azul, no interior da província de Buenos Aires, profissionalizando-se em 1987 no Estudiantes, na reta final do campeonato de 1986-87 – inclusive, pôde marcar um gol nesse torneio, no 2-1 sobre o Instituto de Córdoba já pela 35ª rodada. Era uma época complicada para a equipe de La Plata, que saiu de um 12º lugar para brigar contra o rebaixamento no torneio seguinte, em que foi 16º em campo e na tabela de promedios (além de na Supercopa ser eliminado já no primeiro confronto, em 4-1 agregado para o Flamengo). Cardoso marcou dois gols, um deles em 2-2 no Clásico Platense.
Para o campeonato de 1988-89, o Pincha se recuperou, com um regular 8º lugar. Cardoso contribuiu com cinco gols, incluindo outro no dérbi com o Gimnasia – um 1-1, justamente no período em que o rival acumulou dez clássicos seguidos sem perder, um recorde só quebrado pelos alvirrubros já na década atual. Mas era bastante para o armador integrar a seleção juvenil em cinco partidas e cavar uma transferência a um mercado fechado a sul-americanos em geral: o futebol da Alemanha Ocidental. Cardoso não foi o primeiro argentino por lá; por exemplo, Carlos Babington, que jogou a Copa de 1974, defendeu naquela década o Wattenscheid 09. Também em 1989, o volante José Basualdo deixou o Deportivo Mandiyú rumo ao Stuttgart, cavando um lugar na seleção que disputou a Copa do Mundo de 1990.
Mas enquanto o compatriota havia sido contratado pela equipe que acabara de ser vice da Copa da UEFA para o Napoli de Maradona, Cardoso apareceu no recém-vice-campeão da segundona, o Homburg – não era ainda o Hamburgo… o clube do Sarre ficou na lanterna do torneio, mas na temporada de 1990-91, a última antes do futebol alemão ser totalmente reunificado, ficou a uma colocação do acesso. O desempenho coletivo não se repetiu em uma temporada morna em 1991-92 (com exceção a eliminar o Bayern Munique no segundo mata-mata da Copa da Alemanha com um 4-2 na prorrogação, ainda que não fosse além); na seguinte, o Homburg ficou a um ponto de cair à terceira divisão, mas avançou às quartas da Copa, onde normalmente caía já nos primeiros duelos.
Mais talhado em um mercado incomum, Cardoso voltou à elite, ainda que contratado pelo modesto Freiburg, que disputaria pela primeira vez a elite na formado Bundesliga. Na Floresta Negra, logo se firmou a ponto de ser cobrador de pênaltis já na temporada 1993-94. Foram doze gols do argentino, nem todos da marca do cal: com bola rolando, destacou-se especialmente com os dois em um 4-1 sobre o Borussia Dortmund. Cada tento teria importância à medida em que só os critérios de desempate salvaram a equipe alvinegra do rebaixamento, em desfavor da camisa histórica do Nuremberg. O bom desempenho veio na Copa, chegando novamente às quartas, ainda que com o anticlímax de cair para o Tennis Borussia Berlim, das divisões de acesso.
Já a temporada de 1994-95 viu um Freiburg eliminado na Pokal já no primeiro mata-mata, com o Stuttgarter Kickers, outro time das categorias inferiores. Mas pôde ser a sensação da Bundes. O time realizou a melhor campanha de sua história, um terceiro lugar, e com somente três pontos a menos que o campeão Borussia Dortmund. O cartão de visitas veio já na segunda rodada, com um inapelável 5-1 sobre o Bayern Munique, com dois do argentino; o primeiro deles, de bola rolando, assinalou o 3-0 parcial ainda aos 18 do primeiro tempo (o outro seria de pênalti). Cardoso marcou 16 vezes, ficando a quatro da artilharia.
Desde então, só uma outra vez o Freiburg esteve entre os dez primeiros colocados do campeonato alemão. Sua estrela não ficaria além: foi contratado exatamente pelo vice-campeão, o Werder Bremen. Perdeu protagonismo e ao fim da primeira metade a nova equipe era simplesmente a última colocada fora da zona de rebaixamento, além de cair no primeiro mata-mata da Copa para a equipe B do Bayern. Mas o desempenho brilhante ainda fresco dos tempos de Freiburg e os avanços até as oitavas da Copa da UEFA renderam em 21 de dezembro de 1995 a sua estreia na seleção principal da Argentina. Inclusive, marcou um dos gols, em 6-0 amistoso sobre a Venezuela em Mendoza. Seria o único pela Albiceleste.
No segundo turno, o Bremen recuperou-se e conseguiu um seguro 9º lugar. Em março, vieram os dois únicos gols do argentino, um deles precisamente no Nordderby, o clássico com o Hamburgo, marcando o tento da vitória por 2-1. Assim, em 2 de junho Cardoso reapareceu na seleção. Mas em derrota de 2-0 para o Equador em Quito, agora pelas eliminatórias. O argentino, que convivia com lesões, acabou emprestado sem pudor ao arquirrival. Inicialmente, ele também não agradou no Hamburgo, eliminado na Copa da Alemanha no primeiro mata-mata, para o modesto Arminia Bielefeld. Curiosamente, Cardoso voltou a cair nas oitavas da Copa da UEFA enquanto na Bundes marcou novamente só dois gols, e um deles outra vez no Nordderby, agora pelo HSV (abrindo o placar de vitória por 3-2 já no mês de maio de 1997).
O argentino não impediu uma campanha de meio de tabela, mas foi comprado em definitivo e técnico Daniel Passarella, após um ano, deu novas chances ao argentino da Bundes. Cardoso foi convocado à Copa América em uma seleção experimental. Foi titular nos quatro jogos da campanha fraca, encerrada precocemente em derrota de 2-1 para o Peru já no primeiro mata-mata. E no segundo semestre de 1997, a situação estava crítica ao Hamburgo: embora avançasse na Copa da Alemanha (seria semifinalista), foi eliminado já no primeiro duelo da Copa da UEFA para o modesto Bastia e só um ponto o separava da zona na Bundes. Cardoso, ainda sem êxito total por ali e visando um lugar na Copa de 1998, acabou tendo um empréstimo acertado com o Boca.
Cardoso no Boca era uma aposta alta e ingrata: embora Riquelme já fosse utilizado, Cardoso foi simplesmente o camisa 10 do primeiro campeonato do clube após a aposentadoria definitiva de Maradona. Nos quatro amistosos de verão, passou invicto, mas teve uma estreia desastrosa em jogos competitivos, expulso aos 31 minutos contra o Argentinos Jrs pelo Clausura. Apesar da gafe, seguiu titular no Boca e em março reapareceu na seleção, em vitória amistosa de 2-0 sobre a Bulgária, mais pelo renome do que por algo de extraordinário que conseguisse oferecer a um clube que vivia à deriva – se havia algum nome naquela fase complicada do Boca pedido para a seleção, era o ponta Caniggia, ou ainda o jovem Riquelme. Cardoso e colegas podiam tanto golear por 4-0 fora de casa o Independiente como sofrer o mesmo resultado em plena Bombonera para o nanico Platense.
Após o 4-0 sobre o Rojo, Cardoso ainda jogou mais uma vez pelo Boca (2-2 com o Colón) antes de defender pela última vez a Argentina, no “cabalístico” confronto pré-Copa que desde 1986 se realizava com Israel. A partida era vista como decisiva para as pretensões dos últimos testes de Passarella, casos de Diego Cagna (também do Boca), Mauricio Pineda (Udinese) e Gustavo Lombardi (Salamanca). Mas os hermanos perderam por 2-1. Pineda garantiria o passaporte à França, mas Passarella, após anunciar inicialmente 20 dos 22 nomes, completou a lista primeiramente com o concorrente Sergio Berti e por fim com o atacante Abel Balbo, a grande surpresa da convocação. Além de Berti, os armadores escolhidos foram Ortega, Gallardo e Verón.
Cardoso despediu-se do Boca com um total de dezesseis jogos, sempre na titularidade, e um gol marcado – justamente na despedida, um 4-1 sobre o Gimnasia y Tiro em 31 de maio, já após a convocação final da seleção à Copa – o Boca terminou em 6º, mas com somente um ponto a mais que o 9º. O meia ainda seguiu emprestado ao futebol argentino para a temporada 1998-99, dessa vez à sua velha casa, o Estudiantes. Deixou quatro gols no regresso, todos no Apertura – voltando a ser pé quente no Clásico Platense, embora novamente não o vencesse, marcando no 2-2. O Pincha seguia tendo desempenho inferior ao do rival, não chegando entre os dez primeiros tanto no Apertura quanto no Clausura, campeonato em que o vizinho foi vice.
Em baixa, Cardoso chegou a ser oferecido a clubes gregos e mexicanos, sem fechar. Assim, o Hamburgo teve que recebê-lo de volta. A equipe cairia no primeiro mata-mata da Copa, para o Mainz 05, mas foi finalmente nessa temporada que o argentino cairia nas graças hamburguesas. Marcou oito gols na temporada 1999-2000. O clube esteve longe de brigar pelo título, mas o 3º lugar segue sendo a melhor colocação já obtida desde o vice de 1986-87. De quebra, o HSV classificou-se novamente para a Liga dos Campeões pela primeira vez desde seu último título na Bundes, em 1983 (ano em que também ganhara o continente). Os alemães puderam avançar à segunda fase de grupos, onde não superaram o grande Deportivo La Coruña da época e o Panathinaikos, sendo repescados à Copa da UEFA – caindo nas 16 avos-de-final para a Roma.
Já no campeonato doméstico de 2000-01, o Hamburgo terminou em um 13º lugar a seis pontos dos rebaixados. Cardoso, novamente castigado pelas lesões, contribuiu com um só gol. A temporada 2001-02 também foi modesta – dois gols do argentino em um 11º lugar. Por outro lado, ele agora hospedava uma panelinha hermana na foz do rio Elba. Seu trio com Cristian Ledesma, promessa do River, e Bernardo Romeo, artilheiro do San Lorenzo recém-campeão da Copa Mercosul, engatou nova campanha boa na Bundesliga, um 4º lugar a três pontos do vice Stuttgart. Desde o vice 1987, o 3º lugar de 1999-2000, o 4º de 2002-03 e o 3º de 2005-06 foram as melhores colocações hamburguesas. Mas o grande festejo da temporada 2002-03 foi mesmo o último troféu do HSV.
Também desde 1987, quando venceram a Copa da Alemanha, os hanseáticos não ganhavam alguma taça. Mesmo na Pokal, as campanhas recentes não iam além das oitavas. A seca então foi minorada com uma das últimas edições da extinta Copa da Liga Alemã: nas semis, Romeo marcou duas vezes no 3-3 com o Bayern, derrotado nos pênaltis. Já na final a estrela argentina coube ao veterano Cardoso, que marcou o segundo gol do Hamburgo, em 2-0 parcial com doze minutos de partida. O 3-0 viria aos 18. Amoroso e o tcheco Jan Koller diminuíram perigosamente para 3-2 para o Borussia Dortmund, mas o resultado final ficaria no 4-2. O título também colocou o HSV nas preliminares da Copa da UEFA. Cardoso jogou por mais uma temporada, a de 2003-04, ganha pelo rival Bremen.
Àquela altura, as condições físicas do argentino só permitiram nove partidas pelo time principal e outras seis pela equipe B no torneio de 2003-04. Nada que o impedisse de se radicar em Hamburgo, como técnico dos juvenis e vez ou outra como bombeiro interino dos “dinossauros” – apelido em referência ao único time que vinha disputado todas as edições da Bundesliga, até o rebaixamento nesse ano. Para quem minimizava esse último orgulho hanseático e via no rebaixamento uma vantagem para o clube se reestruturar, Cardoso, ex-jogador do único clube argentino ainda “incaível”, refutou categoricamente: “os que dizem que para o bem do HSV é melhor cair para recomeçar se equivocam. Nunca. Que perguntem ao torcedor do Boca se quer jogar na segunda divisão ainda que seu clube seja um caos”.
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